segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Dialética da renovação

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.


Cecília Meireles

Narcotráfico pode estar por trás de ameaças

As ameaças de morte recebidas no último dia 4 pelo bispo de Abaetetuba, Dom Flávio Giovenale, podem estar partindo de segmentos vinculados aos narcotraficantes que dominam este município há 80 km de Belém.
No encerramento da festa da padroeira, no final de novembro, Dom Flávio proferiu uma duríssima homília na qual denunciou a existência de um cartel do crime, caracterizado como principal responsável pela situação de violência que atormenta a população da cidade.
Por outro lado, os recentes escândalos de violência policial ocorridos na cadeia local, especialmente a prisão ilegal, seguida de tortura e violação sexual contra a adolescente L., além de outros casos que envolvem jovens pobres e são acompanhados pelas pastorais sociais da Diocese, também podem estar na origem das ameaças contra o bispo católico.
O caso já alcançou grande repercussão pública. A vice-diretora do Programa Regional para as Américas da Anistia Internacional, Guadalupe Marengo, já enviou carta à governadora Ana Julia (PT), na qual manifesta perplexidade diante das ameaças e exige providências imediatas visando a garantia do direito e da justiça no Estado do Pará.

O fim do mundo ao alcance da mão

O Paquistão, dilacerado e em ebulição, possui bombas atômicas.
Sua vizinha, a Índia, com quem vive em permanente estado de beligerância desde 1948, quando a disputa pela região de Caxemira resultou na divisão da antiga colônia britânica em dois territórios distintos, também abriga um poderoso arsenal atômico.
No mais bem armado país do Oriente Médio, autoridades de Israel manejam, segundo critérios expansionistas, uma extraordinária máquina de guerra, com pleno domínio de todas as fases da tecnologia nuclear.
A Coréia do Norte - apesar das recentes medidas de distensão - jamais abriu mão de seu estoque de ogivas nucleares.
Na Ásia, muitas repúblicas da desintegrada URSS guardam fabuloso estoque de bombas e mísseis de longo alcance. Parte desse material, dizem, estaria sob o controle das máfias civis e militares que passaram a disputar o espólio do "socialismo real".
Atualmente existem no mundo 7500 ogivas nucleares em condições de uso. Destas, cerca de 2500 podem ser acionadas em apenas 15 minutos. Este é o tempo - apenas esse, diga-se - que nos separa do fim do mundo.
Para os que não acredidam mais em Guerra Fria, não custa recordar que são os nada confiáveis dedos de homens da estirpe de um George W. Bush e de um Vladimir Putin que podem apertar o botão e escrever, em fração de segundos, o ponto final da história do ser humano sobre a Terra.

Crimes do passado voltam a assombrar

Varrer a sujeira para debaixo do tapete e mantê-la bem escondida durante séculos. Parece apenas um pueril sonho de algum déspota pouco esclarecido, mas é exatamente isso que o Estado brasileiro vem fazendo com segredos incômodos de nossa história pretérita (da última metade do século XIX), mas também dos chamados anos de chumbo do regime militar de 64.
Segundo matéria da Agência Folha, estaria em andamento uma dura luta interna no governo Lula acerca da questão da abertura dos arquivos carimbados com o "sigilo perpétuo". Em posições antagônicas a super-ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e o chanceler Celso Amorim (Relações Exteriores). No cerne da polêmica a possibilidade de "desclassificar" documentos datados do período da Guerra do Paraguai (1864-1870), que comprovariam que o Brasil teria subornado árbitros internacionais para abocanhar extensas áreas do vencido Paraguai. Pratica semelhante teria sido executada pela Argentina. Documentos centenários capazes de provocar, de acordo com fontes da diplomacia brasileira, agudas polêmicas e novas disputas territoriais.
Como tudo interfere na legislação vigente sobre documentos ultra-secretos, acaba-se por manter o véu de silêncio sobre uma parte importante da documentação do regime militar, sobretudo aquela referente à Guerrilha do Araguaia e ao destino de dezenas de desaparecidos políticos.



Frustração


Para muitos, o governo Lula seria a porta de acesso para uma completa revisão de nosso passado recente. Além da liberação dos arquivos da ditadura - que as Forças Armadas insistem em divulgar a versão inverossímil de que grande parte teria sido destruída -, esperava-se que o caminho fosse aberto para a possibilidade de punição dos crimes de tortura e de execuções extrajudiciais cometidas de 1964 a 1985. Porém, a decepção foi ainda maior quando, sob o comando de José Dirceu, um ex-perseguido pela ditadura, foram mantidas e até ampliadas as restrições ao acesso à documentação. Sobre uma eventual revisão da Lei da Anistia de 1979, nenhuma palavra. Antes, reiteradas declarações de que não se pretende "provocar os militares" e que não há, por parte do governo, nenhuma intenção em reabrir processos daquele período.
Tudo isso, diga-se, na contramão do que vem acontecendo na Argentina e no Chile, para ficar em apenas esses dois exemplos eloqüentes de que é possível, dentro da normalidade democrática, fazer um indispensável ajuste de contas com o passado.
Na esteira da decisão da justiça italiana decretando a prisão de autoridades envolvidas na Operação Condor, inclusive de 13 brasileiros, começa a surgir propostas que reacendem esse debate. A entrevista do ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), divulgada pelo Estadão, pela primeira vez, defende a possibilidade da Lei da Anistia ser revista a fim de se "adaptar aos tratados de direitos humanos assinados pelo País que condenam crimes políticos e a prática da tortura".
Que sua voz não seja logo sufocada pela "turma do bom-senso" e pelos defensores da "governabilidade" a qualquer custo.
É hora de reabrir essas feridas, expor as entranhas de um período marcado pela violência e pela brutalidade, para que as cicatrizes possam ser definitivamente curadas. Aprender com o passado, para que não sejamos vítimas dos mesmos crimes nos tempos que estão por vir. Eis uma bela exigência e uma boa luta para o ano que se inicia.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Dialética da vida

"Nunca diga nunca".



Robert S. McNamara, ex-secretário de Defesa nos governos Kennedy e Johnson e ex-presidente do Banco Mundial.

Pernas curtíssimas

Era mesmo de se suspeitar. Belém campeã nacional de investimentos próprios em saúde? Demais para ser verdade.
Com essa - mais uma - o prefeito Duciomar sobe na cotação para o prêmio "Pinóquio de Ouro", versão 2007.
Uma rápida pesquisa no site do Ministério da Saúde - http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php - revela os últimos dados disponíveis, referentes ao exercício de 2006. Assim, ficamos sabendo que, pelo menos, sete capitais investem mais em saúde que Belém. A saber (em %):
Manuas (25,4), Fortaleza (20,7), BeloHorizonte (19,5), Porto Alegre (19,1), João Pessoa (18,3), Vitória (17,6) e São Paulo (16,5).
Belém, segundo o Datasus, aplicou 16,2% em 2006, mais de 100 milhões de reais para uma despesa total de 330 milhões.
Resta a pergunta: onde foram aplicados esses recursos se a saúde de Belém está em estado terminal, agonizando?

Sarajevo ainda sangra

Sarajevo. Dos livros de história para as páginas dos principais jornais do mundo no início da década de 90, esta cidade da ex-Iuguslávia foi palco de um verdadeiro Holocausto contra a população civil, de maioria muçulmana. Milhares de mortos e feridos. Execuções sumárias. Estupros. Expulsão de dezenas de milhares de civis. Este foi o resultado da sangrenta luta sectária na qual mergulhou o pais de Tito após o colapso do socialismo real.
Passados mais de 15 anos do auge da matança, Serajevo está praticamente reconstruída, mas as cicatrizes abertas demorarão ainda muito a cicatrizar.
O drama da última Guerra dos Balcãs repercute em toda a Europa. são milhões de refugiados nas periferias das capitais dos países mais ricos. De refugiados políticos muitos - a grande maioria - permanece como refugiados econômicos. Compõem a enorme massa de excluídos e rejeitados pelo "novo" capitalismo sustentado pela financeirização especulativa.
Dois filmes, cada um a seu modo, têm como pano de fundo os reflexos da matança na ex-Iuguslavia. Valém a pena ser vistos.
"A vida secreta das palavras", da cineasta espanhola Isabel Coitex é uma ótima pedida. Realizado em 2005, traz no elenco de alto nível estrelas como Tim Robbins e Sara Polley. O drama, magnificamente realizado, mostra o quanto os traumas - individuais ou coletivos - custam a cicatrizar.
Já o thriller "Invasão de domícílio", produção inglesa de 2006, tangencia o tema, que permanece latente na relação conturbada entre um arquiteto de sucesso (Jude Law) e a refugiada bósnia (Juliete Binoche).
Para quem não tem disposição de pegar chuva nos balneários, eis duas boas sugestões de filmes em DVD. Diversão e reflexão garantidas.

Acredite se quiser

De um lado, a realidade. Nua, crua, desesperadora. Neste feriadão de ano-novo, em todos os pronto-socorros e unidades de saúde da capital, cidadãos morrerão sem assistência, agravando um quadro de penúria que só se aprofundou ao longo de um ano marcado por surto de dengue, filas intermináveis e pacientes morrendo sob as lentes da imprensa.
De outro, o discurso oficial. Em uma longa - e, com certeza, bem remunerada - entrevista ao Diário do Pará de hoje, o prefeito de Belém Duciomar Costa (PTB) desafia a inteligência de todos ao afirmar que o município gasta mais de 20% em saúde (contra uma obrigação constitucional de aplicar apenas 15%). Assim, segundo o prefeito, Belém "tem o maior investimento em saúde de todas as capitais".
De duas, uma: ou a tragédia e o caos da saúde na capital não passam de um raro e inédito caso de alucinação coletiva, ou estamos diante de um mistério insondável.
Se é público e notório a falta dos mais básicos insumos na rede de saúde - até analgésicos e luvas estão em falta - mas, segundo nos diz o prefeito, nunca se investiu tanto na área, podemos ter aí um forte indício de desvio de recursos, um gigantesco dreno por onde se desvia uma quantia fabulosa.
Não é por outro motivo que a saúde de Belém está sob investigação da Justiça Federal, onde tramitam diversas ações civis públicas. Oxalá que se chegue a algum resultado neste próximo ano que se inicia. Ainda há tempo, mas a lentidão dos que têm o dever de zelar pelo patrimônio público está contribuindo - mesmo indiretamente - para a continuidade de um quadro de barbárie inaceitável.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Notícias de uma guerra americana

Enquanto choram seus mortos, muitas famílias norte-americanas desconhecem a existência de uma guerra tão sangrenta quanto aquela que é travada nos vales e montanhas da antiga Mesopotâmia. É a guerra contra os mexicanos (e latinos em geral) que tentam transpor o muro da vergonha que separa os Estados Unidos da América Central.
Dados oficiais revelam que somente neste ano 562 mexicanos perderam a vida tentando entrar clandestinamente em território estadunidense. Muitos foram fuzilados pelas patrulhas de fronteira dos Estados Unidos, conhecidas pela truculência. Outros tantos pereceram de fome e de sede ao cruzar o deserto.
Apesar de tudo, as mesmas fontes complementam que cerca de 560 mil mexicanos passaram para o outro lado da fronteira em busca de emprego, reforçando a milionária legião de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.
Aliás, a campanha xenófoba que os republicanos fazem contra os ditos ilegais é de um cinismo exemplar. Todo mundo sabe que esse gigantesco e crescente exército industrial de reserva é fundamental para fazer girar a roda da fortuna na mais poderosa nação do planeta.

Uma longa fila de homens mortos

O ano está terminando mas o placar macabro das mortes na guerra do Iraque não se detém por nada: já são 3900 soldados estadunidenses mortos desde o início da invasão, desde março de 2003.
Quase 900 soldados perderam a vida neste ano sem que haja a menor perspectiva de que o país alcance a estabilidade. A guerra civil prossegue e os atentados a bomba são diários e cobram um elevado preço em vidas de civis.
Enquanto isso, a mídia adestrada pelos grandes grupos econômicos permanece alardeando os supostos avanços obtidos pelo governo títere, "eleito" e mantido no poder pelas tropas invasoras. Completa-se mais um capítulo da chamada "guerra contra o terror" e o mundo jamais esteve tão inseguro e sujeito a ondas de violência, como a que varre, nestes dias, o ensanguentado Paquistão.

Tudo é relativo

"Se se provar que a relatividade está certa, os alemães me chamarão de alemão, os suiços de cidadão suiço, e os franceses me chamarão de grande cientista.
Se se provar que a relatividade está errada, os franceses me chamarão de suiço, os suiços de alemão e os alemães me chamarão de judeu".



Albert Einstein, de família judia, nasceu em Ulm, na Alemanha, em 14 de março de 1879.

Um tesouro encontrado

Nem pude acreditar. Na minha frente, depois de anos de buscas, estava lá, solene e provocante, o título que tanto procurava. Rio de Raivas, em letras vermelhas, cor de sangue, sobre o fundo branco, imaculado, de uma capa simples e primorosa. Uma ótima maneira de fechar o ano, pelo menos para quem cultiva o vício de percorrer os (poucos e decadentes) sebos da cidade, atrás de alguma pedra preciosa num mar de cascalhos.
Há anos tentava reencontrar a obra de Haroldo Maranhão, cujo exemplar - também comprado em um sebo, em meados dos anos 80 - se perdeu inexplicavelmente. Minha coleção das obras (quase) completas de nosso maior escritor ficou, assim, fraturada. Um dente quebrado, enfeando a face. Um vazio que fazia sofrer aquele canto da biblioteca que abriga mais de 20 edições do escritor nascido no Pará e emigrado para Brasília e depois para o Rio de Janeiro, onde morreu há poucos anos.
Ler Haroldo é fonte de prazer, muito embora não isento de sobressaltos. Ler (e reler) Rio de Raivas nos remete a uma Belém dos anos 50, tão provinciana e mesquinha como a em que vivemos hoje, mas, talvez, menos hipócrita.
Orgulhoso de minha conquista natalina faço inveja aos demais integrantes da seita de adoradores de Haroldo Maranhão, reproduzindo seu magistral trecho de abertura:

"I

A Santa Maria de Belém chegava-se pelo rio. De onde quer que se viesse chegava-se pelo rio. Mesmo quando a invenção de voar chegou por lá, no rio ainda é que águias e condores pousavam, no rio. O rio era um rio sem convulsões, dava baques fracos na amurada do cais, na Escadinha, no Galpão Mosqueiro-e-Soure, no Porto do Sal, na Estação Hidroviária da Panair".

À sombra do condor

O que a justiça italiana tem a ensinar ao Estado brasileiro?
Que o passado não deve ser sepulcro de injustiças e que crimes contra a integridade da pessoa humana não prescrevem jamais.
Idéia simples que nosso sistema política insiste em desconhecer.
Os torturadores e todos os que deram sua contribuição à barbárie dos anos de chumbo têm contas a pagar. São devedores e têm as mãos manchadas sangue inocente.
A Operação Condor - agora desenterrada pelos corajosos juízes italianos - pode ser a porta de entrada no túnel de terror de 21 anos de ditadura. Lá, em cantos escuros e lodosos - escondem-se atrocidades inomináveis.
Espera-se que o governo Lula - até agora rendido às forças do atraso e da impunidade - tenha coragem para enfrentar esse desafio. Há tempo, todavia. haverá disposição para o justo combate?

Uma viagem, um desafio

Começar. Um passo, o primeiro. Enfrentar uma estrada, desconhecida, ameaçadora.
Espaço livre. Crítico. De quem tem opinião. Certa. Errada. Polêmica. Opinião, simplesmente.
Não há, aqui, território para a mesmice. O sim, senhor. Muito obrigado, senhor. Nada disso.
Expulse-se o consenso. Delete-se o lugar-comum e a eterna bajulação de quem controla as cordinhas do poder. O poder, sempre o poder.
Desafiar o status quo, de todas as latitudes, de qualquer profundidade. Uma bela meta. Objetivo possível?
Página Crítica é mais que um diário de impressões pessoais. Páginas soltas ao vento. Irresponsáveis.
Pretende ser um espaço crítico. Chão de debates - que espera-se fecundos.
Venha, sem medo e sem resguardo. Nossa bandeira - rubra, como de nossos antepassados - de qualquer tempo e de quaisquer coordenadas - já está fincada.
Quem tiver paciência - e determinação - verá. Assim, espero.