sábado, 31 de maio de 2008

Lomba gigante

A greve dos educadores paraenses não foi encerrada, como informou equivocadamente na edição de hoje o jornal O Liberal. A matéria "Acordo põe fim à greve dos professores" não passa de uma lomba, uma falha gritante de apuração. A greve continua e na segunda-feira haverá nova assembléia da categoria.
O acordo assinado pela governadora com a Intersindical, no início da noite de ontem, não tem nada a ver com Sintepp, que representa os professores e servidores das escolas estaduais e, portanto, não encerra a paralisação que já ultrapassou os 36 dias.

Põe na conta

Foi a quarta renegociação das dívidas do setor rural brasileiro 12 anos e a maior de toda a história. Um presente autorizado pelo governo Lula, estimado em R$ 9 bilhões, beneficiando como sempre, os grandes fazendeiros e empresários do agronegócio. Dos R$ 76 bilhões renegociados, nada menos de R$ 66 bilhões pertencem a produtores empresariais, acostumados a dar calotes seguidos nos bancos públicos, acreditando que não demora o governo - qualquer governo, diga-se - vai abrir os cofres e assimilar o prejuízo.
Para dourar um pouco a pílula, desta vez foram também incluídos na boquinha cerca de 1,8 milhão de agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Porém, as dívidas dos pequenos não ultrapassam R$ 10 bilhões, comprovando que a dinheirama vai mesmo irrigar a lavoura de 400 mil grandes e médios proprietários que, como era de se esperar, ainda acharam tímido o pacote. Querem muito mais e estão dispostos a usar o poder de fogo da bancada ruralista, espécie de jagunços de paletó, gravata e senha no painel eletrônico.

Um carrasco no banco dos réus

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a oportunidade de adotar uma decisão histórica. Basta acatar o parecer da Procuradoria Geral da República e autorizar a extradição, pedida pela justiça argentina, do coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini, apontado como responsável pela prisão ilegal, tortura, morte e desaparecimento de presos políticos durante a chamada Operação Condor, consórcio do terror que uniu, nos anos 70, os aparatos repressivos do Uruguai, Brasil, Argentina, Chile e Paraguai.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Na geral, em clima de vale tudo

Sob o olhar irritado do presidente Lula, que a tudo assistiu sem ter o que fazer, as claques organizadas pelo PT e PTB se estranharam bastante durante os discursos que marcaram a assinatura de convênios para as obras do PAC, no final da manhã de hoje, no Hangar, em Belém. As vaias foram tantas e tão democraticamente distribuídas, que ficou difícil saber o que exatamente disseram o prefeito Duciomar e a governadora Ana Julia, de longe os mais hostilizados pelas torcidas rivais. No final, ambos tiveram que ouvir o puxão de orelhas que o presidente, sempre com a cara amarrada, fez questão de dar, recorrendo ao conhecido exemplo de que em Parintins, no vizinho Amazonas, os apoiadores dos bois Garantido e Caprichoso são implacáveis na disputa, mas costumam respeitar a apresentação do rival. Isso lá pode ser verdade, mas está longe de inspirar os belicosos integrantes da base de apoio presidencial no Pará.

Não é brincadeira

A queda da quadrilha liderada pelo deputado estadual Álvaro Lins (PMDB-RJ), revelou que as traquinagens do casal Garotinho não tinham nada de infantis. Quem sabe agora não se lança um pouco de luz nas suspeitíssimas transações do período em que Anthony e Rosinha reinaram praticamente absolutos no Estado do Rio.

Rastejantes, mas docemente deslumbrados

A elite paraense se rendeu aos encantos da Vale. O beija-mão realizado ontem, com toda pompa e circunstância, para que Roger Agnelli recebesse uma comenda da Associação Comercial do Pará não poderia se contentar apenas a um papel de ridículo servilismo. Foi mais além, demonstrando que o domínio da segunda maior mineradora do mundo, no Pará, sua principal província mineral, é quase absoluto.
Deve ter sido hilária a disputa por alguns centímetros ao lado do todo-poderoso chaiman, apenas pelo tempo suficiente para que fosse feito o registro fotográfico que depois viria a entulhar páginas e páginas dos dois principais jornais paraenses, ambos, desta feita, unidos na saudável disputa para ver quem arremata o troféu da cobertura mais escancaradamente invertebrada.
Tratado como um senhor visitando uma de suas senzalas, Agnelli estava feliz da vida e à vontade para disparar asneiras do tipo: “temos certeza que a mineração é uma atividade altamente amigável para com o meio ambiente”. Vai ver que a platéia, embevecida e ávida por recolher alguma migalha que por ventura escorregue do prato farto e transbordante da megaempresa, explodiu em entusiásticos aplausos. Pano rápido.
Como ninguém deve ter tido coragem de perguntar, o novo comendador do empresariado paraense também não se dispôs a esclarecer qual fim terá tomado a promessa de construir uma siderúrgica no Pará. Preferiu, como sempre, reforçar sua auto-imagem de executivo bem-sucedido, alheio a esses entediantes e aborrecidos problemas terrenos, representados por sem-terra e garimpeiros. Do alto de seu Olimpo, ele ainda fez um gesto de desprendimento ao agradecer, de público, o apoio da governadora Ana Julia e de sua Secretaria de Segurança Pública nas ações de controle dos movimentos sociais que, repetiu didaticamente, “não têm nada a ver” com a Vale. Aparentemente selou um armistício com o governo do Estado, se é que efetivamente houve mesmo um abalo sério no relacionamento com as autoridades paraenses. A ausência da governadora Ana Julia na concorrida cerimônia, ao que parece, não deve ser mal interpretada. Uma nota da Secretaria de Comunicação do governo do Estado sob o singelo título “Governo fortalece diálogo com a Vale”, não deixa margem a dúvidas acerca do atual estágio da celebrada “parceria”. Aquela mesma parceria que se estabelece entre o lobo e o cordeiro.

Maior abandonado

É pura bobagem negar que a passagem, de mala e cuia, dos tucanos para a canoa da pré-candidata Valéria Pires Franco (DEM), sacramentada ontem à noite, foi uma pesada derrota para os planos eleitorais de Duciomar Costa (PTB). Foi uma derrota com letra maiúscula. Aliás, não só dele, mas também do ex-governador Simão Jatene, que fez o que pode para conduzir o PSDB aos braços do atual prefeito.
A enorme e sólida rejeição do eleitorado da capital ao político petebista deve ter causado arrepios numa turma que pode ser acusada de tudo, menos de não ter senso de sobrevivência.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Péssima companhia

Reunidos em Dublin, na Irlanda, 109 países firmaram uma acordo banindo o uso de bombas de fragmentação, que libera centenas de outros explosivos ao serem lançadas, atingindo indiscriminadamente vítimas civis. Os países também se comprometeram a destruir, em oito anos, todo o estoque existente em seus arsenais. O Brasil, que produz, estoca e exporta bombas de fragmentação através da Avibras, Ares, Target e Britanaite Indústrias, preferiu a incômoda companhia de outros grandes produtores mundiais dessas máquinas mortíferas, os Estados Unidos, a China e a Rússia.

Troféu cara-de-pau

Soa como uma piada. De péssimo gosto, aliás. Mas é um assunto sério e que expõe as vísceras de um comportamento amolecado e de mais completo desprezo com a gestão dos recursos públicos. Divulgar com chamada de primeira página em O Liberal de hoje, que o prefeito Duciomar está entre os "100 melhores prefeitos das Américas", através de certificado conferido pela desconhecida Organizacão Brasil Américas, demonstra até onde pode chegar essa combinação de ganância com mau-caratismo de último grau. Valeria a pena saber quanto custou aos contribuintes da empobrecida e abandonada Belém a publicação da peça publicitária disfarçada de matéria jornalística.

Espelho partido

O novo presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), parece recitar o velho adágio: "faça o que eu digo; não faça o que faço". Ele, que terá a responsabilidade de coordenar o julgamento de seus colegas suspeitos de quebra de decoro parlamentar - e esta é uma fila não pára nunca de andar - tem um enorme telhado de vidro. Só no Supremo Tribunal Federal (STF), tramitam três ações penais por crime de responsabilidade.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Forças ocultas

Prossegue envolto em pesado mistério o tratamento que o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), no Pará, tem dado às diversas denúncias de irregularidades nas licitações do prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB). Muito embora bem fundamentadas, nenhuma até agora foi acolhida por este órgão que, em tese, seria o principal interessado em apurar os supostos desvios da administração municipal.

Balança, balança. Mas não cai?

Por enquanto está preservado o pescoço de Walmir Ortega, secretário de Meio Ambiente de Ana Julia. Em conversa com a governadora ontem à noite, ele ouviu que permanece no cargo. Ouviu também que as fortes pressões dos que pretendem vê-lo pelas costas, estão, por ora, neutralizadas. É conveniente, entretanto, aguardar as cenas dos próximos e palpitantes capítulos.

Banco de leite

Há uma questão muito grave por trás do vistoso lobby de governadores e políticos da Amazônia que se prepara para exigir, olho no olho do presidente Lula, no dia 30, em Belém, que seja revogada a medida que condiciona o acesso a financiamentos públicos à comprovação, por parte dos proprietários rurais, de regularidade fundiária e ambiental. Trocando em miúdos, a portaria inspirada pela ex-ministra Marina Silva apenas exige o óbvio: para receber dinheiro público, a taxas subsidiadas e a perder de vista, o particular não pode ser um fora-da-lei, simples assim.
A grita do chamado "setor produtivo" e de seus porta-vozes políticos que vão do PT ao PSDB, apenas revela o escandaloso fato de que navegavam em águas da ilegalidade a grande maioria dos empreendimentos incentivados pela Sudam e pelos bancos oficiais, acostumados há décadas a sorver, com avidez, as fartas e gotejantes tetas do tesouro nacional. Nunca foi tão fácil ser capitalista e ainda vociferar contra o tamanho do Estado brasileiro.

Vilões na boca do mundo

Os usineiros, que foram definidos por Lula como "heróis mundiais" pela produção de etanol, ganharam um outro qualificativo, muito mais próximo do que realmente representam. Para a Anistia Internacional, que acaba de divulgar seu relatório anual, "trabalho forçado e condições de trabalho exploradoras foram registrados em muitos estados, inclusive no setor de cana-de açúcar, que cresce rapidamente". Nenhuma novidade quando se sabe que, em 2007, mais de 50% dos trabalhadores em condições análogas à escravidão foram flagrados extamente em usinas e fazendas produtoras de etanol, como a Pagrisa, em Ulianópolis.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Por trás do sotaque, velhas ameaças

O ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos), fortalecido após a demissão de Marina Silva, sente-se mais à vontade para se alinhar publicamente com o que existe de mais retrógrado em termos de política ambiental e indigenista. Em entrevista publicada na edição de hoje de O Globo, o ministro, que acumula a coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS), fez carga contra a demarcação em terras contínuas da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, defendendo o surrado argumento de que haveria terras demais para os indígenas brasileiros. "O Brasil reserva 13% de seu território e mais de 20% da Amazônia aos indígenas. Uma generosidade louvável", disse o ministro com uma ponta de ironia, para arrematar que o país não oferece aos índios os "instrumentos e oportunidades da atividade econômica", o que os levaria a afundar "na depressão, no suicídio, no alcoolismo e na desagregação moral e social". Um sofisma interessante, capaz de transformar o problema indígena a um incrível paradoxo representado, supostamente, pela existência de terra em excesso. Logo, que se abram as fronteiras às "atividades econômicas"!
Vindo de qualquer cidadão esse tipo de baboseira já traria o travo rançoso voltado a legitimar o etnocídio que acompanha a construção da sociedade brasileira desde seu nascedouro. Mas sendo verbalizado por um ministro de Estado, a coisa se revela muito mais dramática e ameaçadora.
Que não fique sem resposta, por parte da sociedade civil e dos democratas sinceros, mais esta brutal agressão contra os direitos de nossos povos originários. E que seja já, antes que o retrocesso se consolide definitivamente.

Cartão vermelho

É iminente a queda de Walmir Ortega, secretário de Estado de Meio Ambiente do Pará. Os petardos contra sua gestão partem de todos os lados, inclusive do próprio PT, onde cresce a insatisfação diante da suposta paralisia na liberação de licenças e planos de manejo florestal.
Se confirmada a demissão, ficará a certeza de que terá decorrido em função das notórias qualidades técnicas de Ortega, que há meses tenta impedir a contaminação de certo tipo de política - com "p" minúsculo - na análise dos processos ambientais. Ao que tudo indica, sua batalha poderá ter sido em vão.

Piada sem graça

Um "investidor" sueco anunciou que pretende "comprar" a Amazônia brasileira por US$ 50 bilhões. Para alguns, motivo de risos. Para outros, acometidos de súbita xenofobia, a prova que faltava de que existe mesmo uma orquestração das grandes potências para "internacionalizar" quase a metade do território brasileiro. Ressurge com força a histeria contra as "ONGs" estrangeiras, que estariam se infiltrando entre as populações indígenas, além de toda sorte de teorias alarmistas. Até o presidente Lula entrou na dança e anunciou ontem em discurso no Rio de Janeiro que a "Amazônia tem dono".
Enquanto a platéia fica entretida com uma polêmica que sempre esteve mais próxima da anedota que de alguma ameaça verídica, uma "invasão" silenciosa ocorre e se aprofunda, sem que o governo insinue a menor reação. Segundo dados do Incra, estrangeiros detém 33.228 imóveis no país, equivalendo a 0,64%do total, abocanhando 5,6 milhões de hectares. Só na cobiçada Amazônia Legal são 3,1 milhões, uma boa parte adquiridos por empresas transnacionais interessadas em produzir agrocombustíveis.

Para o crime não compensar

Perto de uma centena de ex-militares chilenos e antigos integrantes da Dina, a temível polícia política da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), foram presos ontem (26) por conta de envolvimento em execuções extrajudiciais, tortura e ocultação de cadáveres. Todos eles tiveram, segundo fontes judiciais daquele país, participação direta na chamada "Operação Colombo", responsável pela morte de 119 oposicionistas em meados dos anos 70.
Enquanto isso, por aqui ainda se mantém a surrada versão de que a lei da anistia de 1979 teria sido "recíproca", ou seja, beneficiaria também os criminosos fardados ou não que torturaram e mataram a sangue frio centenas de brasileiros.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A corte é uma festa

A confusão entre público e privado é uma das mais nefastas heranças que os tucanos legaram ao governo da coalização PT-PMDB. E a expressão mais acabada desse estilo de governar é, sem dúvida, a sobrevivência das organizações sociais, entidades civis que gerenciam de forma privada e sem quaisquer mecanismos de controle centenas de milhões em investimentos públicos, notadamente na área da saúde e da cultura. O festejo do primeiro ano do Hangar, multimilionário centro de convenções em Belém, nesta semana, comprova como, num espaço de tempo relativamente curto, pode haver uma adaptação tão perfeita entre supostos antagonistas na arena política.
A perda do senso (seja de responsabilidade, seja do ridículo) pontificou em duas peças publicitárias alusivas à festança, publicadas na imprensa neste domingo e que serão, certamente, muito bem pagas com recursos públicos.

Custa crer que as duas páginas em policromia, no caderno Negócios, do Diário do Pará, com direito a dezenas de fotos de cortesãos de todos os quilates, possam levar a assinatura da Secretaria de Estado de Cultura. As decadentes colunas sociais que ainda porejam na imprensa local devem estar se contorcendo de ciúmes.
Mas o golpe de misericórdia veio à noite, em horário nobre, com o insert veiculado nas TVs. Sobrou até alguns poucos frames para o virtual candidato a prefeito de Belém, o petista Mário Cardoso, que andava meio sumido do noticiário.
Nos dois casos, uma interessante matéria-prima para um inadiável trabalho de investigação do Ministério Público.

É fantástico!

O Pará foi pauta três vezes no Fantástico de ontem (25), na rede Globo. Todas as vezes para expor as mazelas que atingem transversalmente a sociedade paraense, uma das mais injustas do país. O conflito iminente e intermitente entre garimpeiros pelo controle de Serra Pelada, a libertação de dezenas de trabalhadores escravos em uma fazenda em São Félix do Xingu e, como não poderia deixar de ser, a matéria especial sobre os impasses cercando Belo Monte.
Apesar de formatada para reforçar o estigma contra as populações indígenas – apresentadas como tendo praticado “ato de selvageria”- a matéria deu, pela primeira vez, voz aos próprios índios Kayapós, com um de seus caciques podendo expressar argumentos contra a construção da usina. Fechando a matéria de Patrícia Poeta, uma entrevista com o engenheiro da Eletrobrás, envergando, desta feita, um bem ensaiado figurino de moderação e de bom senso (tudo que teria faltado à sua intervenção dias atrás em Altamira).

Favores cruzados

Não foi mera gentileza a manutenção, ao longo dos últimos cinco anos, do filho do ministro Hélio Costa (Comunicações) como assessor-fantasma dos gabinetes de Duciomar Costa (atual prefeito de Belém) e de seu suplente no Senado, o tucano Flexa Ribeiro. Tudo indica que tudo não passou de uma nada edificante troca de favores. Desde setembro de 2004, Elaine Baía, ex-assessora de Duciomar, ganha sem trabalhar lotada no gabinete de Hélio Costa (hoje ocupado por seu suplente, Welingthon Salgado, também do PMDB), ocupando o cargo de assistente parlamentar, com salário mensal de R$ 2.649,46. Quem se aventura a descobrir as habilidades profissionais da felizarda assessora?

domingo, 25 de maio de 2008

A narcopolítica e a idolatria da morte

A Colômbia sob Uribe é um laboratório do que há de pior na política sul-americana. Como um estato-títere, contaminado até a medula por suas relações carnais com o narcotráfico, não causa o menor constrangimento aos seus governantes exercer o triste papel de neocolônia, armada até os dentes e sempre disposta a executar, interna e externamente, os serviços sujos que lhes forem confiados por Washingthon. A imposição de uma saída militar à crise com as Farc, por exemplo, é a pedra de toque da política belicista implantada há quase duas décadas, mesmo que isso represente a ampliação sem precedentes dos custos humanos e materiais de uma guerra civil que se arrasta desde meados do século passado.
Por tudo isso, não se deve estranhar que o governo colombiano comemore a suposta morte do líder máximo das Farc, Manuel Marulanda, vítima de um ataque cardíaco no final de março em plena selva, segundo afirmam fontes anônimas, mas “confiáveis”, pelo menos para os propósitos propagandísticos de Uribe e seus generais. O eventual desaparecimento do velho guerrilheiro de quase 80 anos é apresentado como um troféu, símbolo de que a estratégia de guerra total aos insurgentes estaria dando certo. Tudo, porém, pode não passar de uma eficiente cortina de fumaça.
Vejamos: Marulanda pode mesmo ter falecido. Sua saúde dava sinais de fragilidade há muitos meses, agravada pela impossibilidade, dada as condições difíceis do ponto de vista militar, que ele recebesse tratamento adequado. Mas também é verdade que, desde um bom tempo, o comando das forças guerrilheiras passou a ser exercido por uma junta de vários comandantes, que na prática substituíram “Tirofijo” (tiro certeiro, em tradução literal) em suas funções de mando. Sua eventual morte não altera o cenário da guerra, antes, pelo contrário. Cada vez mais isolada, a guerrilha tende a endurecer suas ações, retardando uma solução humanitária à crise dos reféns e prolongando indefinidamente a situação de beligerância.
Uribe sabe muito bem disso. Não tem esperanças de uma vitória militar retumbante. O que quer, neste momento, é colher frutos em outra seara, a da política interna. Mergulhado em uma desgastante crise ética, com parte de sua base parlamentar – cerca de 50 congressistas – investigada por envolvimento em crimes variados relacionados aos paramilitares – interessa ao governo desviar as atenções e continuar fustigando a guerrilha, de forma intermitente. Por outro lado, renasce no meio político colombiano a proposta de alterar a Constituição para que Uribe possa concorrer a um terceiro mandato consecutivo, uma re-reeleição (como são pouco originais os governantes dessa parte do planeta!).
Só o tempo dirá se Marulanda de fato faleceu nas circunstâncias alegadas pelo governo e quais as conseqüências deste fato para o futuro imediato da Colômbia. Até agora, as Farc têm dado declarações dúbias. A Agência de Notícias Nova Colômbia (veja link entre os Preferidos deste Blog), apontada como porta-voz extra-oficial da guerrilha, acaba de emitir um comunicado dúbio. Ressalvando que até o momento o Secretariado Nacional das Farc não se pronunciou sobre o tema, “única fonte verdadeira”, a nota relembra que pela lei da vida, o trânsito de todos pela terra é circunstancial. A diferença, afirma, é saber o que se fez e em benefício de quem, sendo que a vida de Manuel Marulanda é “rica em lutas e êxitos”. Em seguida, praticamente admitindo a morte do legendário guerrilheiro, dá conta que “se morreu, sua passagem não foi estéril pela pátria de Bolívar, diferentemente de muitos que não serão recordados ou simplesmente receberão o desprezo das gerações futuras”, conclui o despacho emitido na noite de ontem, 24.
Foi o próprio Marulanda (Pedro Antonio Marin em sua certidão de batismo), fundador das Farc em 1964 e participante da luta armada desde 1948, ainda com 19 anos, quem disse certa vez que as autoridades governamentais teriam anunciado sua morte umas “1200 vezes” nos últimos anos. Involuntariamente, teriam contribuído para reforçar o mito que existe em torno de sua militância. Tudo indica, entretanto, que desta feita podem ter acertado o alvo.


Atualizada em 14h45,

Agora é oficial. A rede Telesur, com sede em Caracas, acaba de noticiar que o Secretariado das Farc emitiu nota confirmando que Manuel Maralunda "morreu no último dia 26 de março, de infarto, nos braços de sua companheira e acompanhado de sua guarda pessoal". O mesmo comunicado informa que assume o lugar de Marulanda, como comandante máximo da guerrilha, o advogado Afonso Cano (cujo nome verdadeiro é Guillermo León Sáenz Vargas), há vários anos integrando os escalões superiores da organização colombiana.

sábado, 24 de maio de 2008

Odor de naftalina

Barak Obama, virtual candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, promete manter o bloqueio à ilha de Cuba, velho sobrevivente da Guerra Fria e que se mantém praticamente inalterado desde 1962. No máximo, ele sinaliza com alterações secundárias nas regras do embargo, como uma maior liberdade para viagens de familiares ao país caribenho, além de tornar menos rígida a regra para envio de dólares, áreas que sofreram pesadas restrições ao longo dos mandatos de George W. Bush.
Com o gesto, que significa uma evidente concessão ao poderoso lobby da extrema-direita cubano-americana, Obama demonstra o quanto sutis podem ser as diferenças entre democratas e republicanos, protagonistas de um baile de máscaras dominado pelos interesses do sacrossanto mercado.

Dialética de uma discriminação odiosa e secular

"Ser índio, ou "tapuia", significa "baixa posição social", as pessoas descendentes do ameríndio, ao contrário dos negros, não gostam que se mencione sua ascendência indígena (...). Na sociedade amazônica o índio, muito mais frequentemente que o negro, era o escravo da sociedade colonial. Segundo os europeus, o índio era o selvagem nu, inferior ao escravo africano, mais dispendioso. Hoje em dia, as características físicas de índios são, portanto, um símbolo não só de descendência escrava como também de origem social mais baixa, nos tempos coloniais, do que a do negro."

Charles Wagley (1913-1991), "Uma comunidade amazônica" (1957, p.290)

Preconceito escrito à bala

Um casal de índios Guajajara, no interior do Maranhão, foi alvejado a tiros por pistoleiros, segundo informações divulgadas ontem, 23, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Apesar de feridos, os indígenas não correm risco de morte.
No dia 5 de maio, na aldeia Anajá, foi assassinada com um tiro na cabeça a menina Maria dos Anjos, de apenas seis anos, em mais um episódio de violência contra esta etnia que sofre forte pressão de grileiros, madeireiros e colonos interessados na exploração predatória das terras indígenas.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Presente de grego

A queda de Lúcia Penedo da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (SEEL) era esperada há meses e não causou qualquer surpresa. Uma forte conjugação de fatores políticos e familiares contribuiu para que a indicada do deputado Alessandro Novelino (PMDB) fosse ejetada da cadeira desta que é uma das menores secretarias do governo, tanto que sempre serviu para acomodar aliados de pouco ou quase nenhum prestígio junto ao núcleo de poder.
O estranho é que a esquálida SEEL seja agora apresentada como moeda de troca para a repactuação com a tendência política do deputado federal Paulo Rocha, líder do outrora poderoso campo majoritário do PT.

Ritos de passagem

Do leitor Artur Dias a respeito da postagem "A verdadeira face da selvageria":

Para os povos indígenas, a dor é um fato da vida. Se provamos do doce, também temos de provar do amargo. A vida é assim. Por isso, cedo os índios se familiarizam com a dor. Como os Kayapó, por exemplo, que, para marcar a passagem para a vida adulta, se escarificam usando a mandíbula afiada do peixe cachorra. São cortes profundos ao longo dos braços, que sangram muito. Para quê? Para lembrar ao indivíduo que ele não é melhor, nem pior que os outros, que assim como ele pode fazer mal aos outros, eles também podem lhe fazer o mesmo. A nossa sociedade é muito mal acostumada, com a sua mania de "estágio evolutivo avançado", de renegar elementos naturais dos quais nunca vai se desvencilhar. O cheiro corporal, a violência, a dor. A Eletronorte, expressão de um desenvolvimento social que busca nos distanciar do mundo desconfortável onde se dorme no escuro, onde a comida tem que ser consumida toda no mesmo dia, onde não se assiste TV, essa Eletronorte no fundo não liga a mesmo para o povo da região que lhe dá o nome. E um golpe de terçado no braço do engenheiro da Eletronorte representa, simbolicamente falando, menos que uma agressão inconseqüente, de bar de periferia, representa aquele lembrete básico: a Eletronorte está nos trazendo uma dor como esta, só que multiplicada milhares de vezes. Que não poderá ser tratada à base de rifamicina, e que talvez nem vá cicatrizar. A dor do engenheiro Francisco Rezende, tomara que lhe sirva de ponto de partida para um profundo questionamento pessoal, em que a lembrança da sua própria fagilidade mostre também a fragilidade da Amazônia, diante dos barrageiros e assemelhados.

De barriga cheia, mas insaciável

Até dezembro, segundo números do próprio governo, o Brasil arrecadará a mais cerca de R$ 102 bilhões em relação ao ano anterior. O superávit fiscal será mais que o dobro do necessário para cobrir, a um só tempo, o suposto rombo de R$ 40 bilhões com o fim da CMPM e, também, os R$ 9 bilhões de acréscimo às despesas com a saúde decorrente da entrada em vigor da Emenda 29.
Apesar disso, prossegue a manobra para a recriação por vias tão transversas quanto inseguras da "nova" CPMF, com a base aliada dançando o patético minueto que pretende esconder as evidentes digitais do Planalto.
O governo corre contra o relógio. Dentre de poucas semanas, o mais tardar no final de junho, o Congresso entrará em recesso branco devido às eleições municipais. A partir daí, nem pajelança brava será capaz de arrancar qualquer aprovação de deputados e senadores. Muito menos a impopular criação de novos impostos.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sócios em fantasmagorias

Pilhado pela Folha de São Paulo abrigando em seu gabinete no Senado um assessor "fantasma", filho do ministro Hélio Costa (Comunicações), o tucano Flexa Ribeiro jogou a responsabilidade sobre o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB). Este, por sua vez, negou ter contratado o jovem rebento. "Não o conheço. Nunca trabalhou comigo", afirmou, apesar de ter sido ele, na época em que ocupava a cadeira de senador, quem solicitou à Mesa a contratação do assistente parlamentar. O ato de nomeação está datado de 13 de junho de 2003.
Polêmica à parte, resta a certeza que Flexa e Duciomar possuem antiga intimidade com a face algo esotérica do mundo da política e dos negócios. Não será por outra razão que parentes do político do PSDB paraense são vistos com freqüência no gabinete do prefeito, tratando de assuntos de interesse da construtora Leal Jr, que serve de cavalo de Tróia aos negócios da família.

Bagdá, abril de 2003: repórteres na linha de fogo

Um mistério de cinco anos chega ao fim. As mortes dos repórteres cinematográficos Taras Protssyuk, da Reuters, e José Couso, da Telecinco de Madri, ocorrida em 8 de abril de 2003, nos cinzentos dias em que as tropas norte-americanas começavam sua avassaladora ocupação de Bagdá, não foi fruto de um “lamentável acidente”, "fogo amigo" ou "dano colateral", na diplomática linguagem dos comandantes militares da coalizão invasora.
Testemunho de Adrienne Kinne, uma ex-sargento do Exército dos Estados Unidos, dá conta de que o Hotel Palestine, no centro da capital iraquiana, no qual se abrigavam as poucas equipes de jornalistas ocidentais que insistiram em permanecer na cidade nos dias iniciais da ocupação militar, era mesmo um alvo dos ataques ordenados pelo alto comando do exército. Ela afirma ter tido acesso a documentos secretos que comprovam a determinação de bombardear o local, mesmo sabendo que lá havia apenas civis.
A Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) cobra que o governo de George W. Bush declare “toda a verdade” sobre essas mortes, no momento em que vários militares norte-americanos escapam de condenação em um tribunal espanhol justamente por “insuficiência de provas” que possa vinculá-los às mortes de Protssyuk e Couso.
O episódio do Palestine foi narrado, em detalhes, pelo premiado jornalista norte-americano, Jon Lee Anderson, em seu “A queda de Bagdá” (Objetiva, 2004, 387p.), uma obra que deveria ser leitura obrigatória nos cursos de comunicação em nosso país. Ainda mais nestes tempos em que jornalismo se confunde com subordinação cega às ordens dos senhores da informação mercantilizada.

Livres para lutar

Desde a noite de ontem, 21, ganharam a liberdade os cinco dirigentes do MST e do MTM (Movimento dos Garimpeiros e Trabalhadores em Mineração) que foram presos pela Polícia Militar em Curionópolis, no último domingo, durante a frustrada ocupação da sede da Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp). Na operação, realizada com violência, foram presos cerca de 40 garimpeiros, mas só as cinco lideranças foram transferidas, em avião do governo do Estado, para Belém. Esse detalhe revelou a verdadeira intenção por trás da ruidosa atuação das tropas policiais que se encontram acantonadas na região há mais de um mês: desarticular e intimidar o movimento de garimpeiros e sem-terra acampados às margens dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás.
A libertação de Wagner da Silva Cruz, Fábio dos Santos Bezerra e Eurivaldo Martins Carvalho, o Totô, todos dirigentes estaduais do MST, e de Etevaldo da Cruz Arantes e Eugênio Viana Barbosa, coordenadores do MTM, decorreu de decisão do juiz da Comarca de Curionópolis que não viu caracterizados os requisitos para manter a prisão em flagrante. De fato, ao promover a desocupação violenta do prédio da Coomigasp, a PM agiu como milícia privada, apoiando abertamente uma das facções em conflito. Sobre o atual presidente da entidade, Waldemar Falcão, pesa a suspeita de ser o mandante do assassinato, no dia 8 de maio, em Marabá, de Josimar Barbosa, que presidiu a cooperativa até recentemente. Só isso já seria suficiente para que o governo adotasse uma posição de maior cautela. Mas parece que a mão invisível de poderosos interesses continuam a dar as cartas, manobrando com habilidade os cordéis nos quais se enovelam governantes cuja estatura não pára de diminuir a cada uma de suas cada vez mais freqüentes decisões marcadas por insensata truculência.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A verdadeira face da selvageria

A imagem do engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, ensangüentado e cercado pelos guerreiros Kayapó, está correndo o mundo. A Folha de São Paulo, em primeira página, sapecou na legenda da foto: “Selvageria”. A expressão, carregada de significado e rancor ideológico, não deixa de revelar um sentimento de pânico. Afinal, alguma peça pode mesmo estar fora de ordem, com um bom potencial de turbar a marcha acelerada dos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia. Um sinal de alerta capaz de inocular dúvidas no onipotente mercado, que já se assanha de olho no mega-leilão da usina de Belo Monte, previsto para 2009 – esses barrageiros são mesmo uns otimistas – apontada como a jóia da Coroa (na verdade, um dote de mais de US$ 7 bilhões).
Ainda é cedo para se saber ao certo o que detonou a reação dos integrantes das diversas etnias que se encontram reunidos em Altamira, reeditando, 19 anos depois, o histórico encontro de povos indígenas do Xingu. Talvez uma frase mal-colocada – “Nós iremos à guerra para defender o Xingu” - cujo sentido abstrato pode não ter sido apreendido corretamente pelos indígenas. Ou, quem sabe, a explosão decorreu de um lento acúmulo de frustrações e humilhações que esses povos enfrentam há décadas. Porém, as causas mais profundas são de amplo conhecimento e resultam de cinco séculos de cruel e sistemático etnocídio, realizado sempre em nome dos valores do progresso e civilização.
Para os que imaginam que o facão dos Kayapó teria inaugurado a violência, nunca é demais recordar as palavras do barão Johann Jakob von Tschudi, diplomata e naturalista suíço que percorreu o interior do Brasil na segunda metade do século XIX: "Os portugueses adotaram os meios mais infames para atingir esse objetivo. [...] Nenhuma nação européia se rebaixou tanto para manchar seu nome e sua honra como Portugal (...) Nos últimos tempos, apesar de já existir uma Constituição brasileira, que, infelizmente, tem sido implementada de forma muito precária, a guerra de destruição contra os índios na província de Minas Gerais ainda continua".

Por trás do acesso de cólera

Difícil imaginar que somente o destempero possa justificar o acesso de cólera do secretário da Fazenda, José Raimundo Trindade, que resultou na intempestiva retirada da delegação governamental da mesa de negociações ontem, 20, à tarde no Centro Integrado de Governo (CIG). Diga-se que o bate-boca envolveu apenas o secretário, que também é o coordenador da equipe governamental, e Miriam Andrade, dirigente da Intersindical, uma petista de longa data, identificado com o grupo do deputado Paulo Rocha. Colérico, dando murros na mesa, José Raimundo reagiu ao ouvir que os números apresentados pelo governo não eram confiáveis. De fato, confiança e credibilidade são artigos raros nestes tempos em que o governo prefere agir como alguém que tenta apagar o fogo com gasolina.

Bem-vindo ao ano de 2122

Parece ficção científica, mas infelizmente, não é. Segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, mantido o padrão atual de gastos em saneamento básico, somente daqui a 114 anos o Brasil alcançará a cobertura de 100% de sua população. Hoje, apenas 53% dos brasileiros têm acesso aos serviços de água e esgoto. É claro que esse número corresponde a uma média nacional. No Norte e Nordeste o quadro, como se sabe, é muitíssimo pior.

Vale anuncia nova siderúrgica

O ferro é do Pará. Os enormes passivos socioambientais, também são nossos. Mas os investimentos de mais de US$ 1 bilhão e os milhares de empregos a serem criados ocorrerão em em território de Omã, pequeno país localizado no distante Oriente Médio, onde a transnacional planeja construir uma fábrica de pelotas de minério de ferro, a entrar em produção a partir de 2010.
Sob domínio da dinastia Al Sa'id há mais de 250 anos, Omã possui um regime de monarquia absoluta, praticamente sem liberdade política, sindical ou de imprensa, o que parece se encaixar perfeitamente no modelo de ambiente propício aos investimentos dos acionistas da Vale.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Legião Estrangeira

Que tal uma grande multinacional belgo-francesa controlando uma das maiores e mais importantes usinas hidrelétricas do país, no coração da Amazônia? É exatamente isso que vai acontecer depois que a Suez Energy venceu o leilão para construir e explorar a hidrelétrica de Jirau, a segunda usina do Complexo do Rio Madeira, em Rondônia. Ela possui 50,1% do consórcio também formado pela Camargo Corrêa, Eletrosul e Chesf.
Explica-se, assim, a brutal pressão exercida pelo Planalto sobre a ex-ministra Marina Silva para forçar a liberação das licenças ambientais para as duas usinas - a primeira, a de Santo Antônio, está nas mãos de outro poderoso consórcio liderado pela construtora Odebrecht. Sob o argumento de que se tratava de obra fundamental para o país, pavimentou-se o caminho para assestar esse duro golpe na soberania nacional.
Para quem não conhece, o grupo Suez é um dos gigantes mundiais na área industrial e de serviços, espalhando seus tentáculos nos setores de produção de eletricidade, gás natural, abastecimento de água e gestão de resíduos. Possui 149 mil empregados e mais de 200 milhões de clientes individuais em todo o mundo. Porém, sua passagem pela América do Sul deixou um rastro de escândalos.
Não foi sem motivo que o governo de Evo Morales, na Bolívia, negociou a saída do grupo de seu território, cancelando sua concessão de abastecimento de água e tratamento de esgoto em La Paz e El Alto (enorme bairro popular contíguo à capital), depois de decretar a nacionalização desse setor estratégico.
Para quem não se recorda, a Suez Environment foi a causa principal da explosão popular de 11 de janeiro de 2005, que incendiou por três dias o altiplano boliviano, numa greve geral contra a permanência da multinacional naquele país. Somente depois da eleição de um governo de esquerda foi possível dar fim a este conflito que perdurava desde 1997 quando uma onda de privatização selvagem arrasou a frágil economia boliviana.
O Brasil, cuja importância mundial não permite qualquer paralelo de comparação com aquele que é o segundo mais pobre país do continente, parece ter optado pelo caminho inverso: abre, para o capital estrangeiro, o que há de mais precioso: seus recursos naturais e energéticos. Para piorar, ainda utiliza recursos públicos para financiar o lucro privado. A usina de Jirau está projetada para custar R$ 8,7 milhões, dos quais 70% deverão ser financiados pelo BNDES, uma verdadeira mãe para o grande capital sem fronteiras.

O facão de Tuíra se levanta

Começou ontem, 19, o Encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, Pará, reunindo mais de três mil pessoas, entre indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e ambientalistas. Lá estava, como há 19 anos, a índia Tuíra, da nação kayapó, abrindo o cortejo dos guerreiros de sua tribo, dando início oficial ao evento que pretende, mais uma vez, marcar a posição dos povos da floresta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, sonho dourado de dez em cada dez empreiteiros e empresários monopolistas daqui e lá de fora.
Desta vez, Antônio Muniz, atual presidente da Eletrobrás, não estará presente e, portanto, não correrá o risco de enxergar de perto o facão de Tuíra. Logo após, ingressaram os parentes Parakatejê, Assurini,Araweté, Panará, Kararaô,Mbengokrê, Kokraimoro, Arara, Juruna, Xipaya,Curuaya, Krahô, Apinagé e Parakanã. Povos da floresta, punhos, arcos e flechas cortando o ar.
Mas, para seu desgosto, os gritos e as canções indígenas repercutirão muito além dos limites do ginásio em que o evento se realiza. Ganharão o mundo, erguendo novas barricadas contra o polêmico projeto de geração de energia a partir da construção de barragens (no plural mesmo, já que Belo Monte é só a cabeça de ponte de uma estratégia que para se viabilizar economicamente não poderá prescindir de erguer mais duas ou três usinas na grande volta do rio Xingu).
Não há dúvida de que Altamira é, a partir de agora, o coração da resistência dos povos da Amazônia contra o modelo depredador.
É sintomático e, ao mesmo tempo elucidativo, que nenhuma autoridade dos governos federal ou estadual, participe dos debates. Estão com agenda lotada, com certeza. Lula às voltas com seu boquirroto ministro do Meio Ambiente, um verdadeiro rifle de repetição de factóides (de duração efêmera, é verdade). E Ana Julia, bem, nossa governadora gasta seu precioso tempo coordenando seu aparato policial-midiático contra professores em greve, garimpeiros e sem-terra.

Prisão de líderes do MST é política. E é só o começo

Os três dirigentes do MST presos pela PM durante o conflito em Curionópolis e imediatamente transferidos para um presídio em Belém, sob pesadas acusações criminais – formação de quadrilha, roubo e depredação de patrimônio – são, na verdade, presos políticos. Com sua retirada da área, o governo pretende intimidar o movimento dos garimpeiros e, de quebra, mandar um duro recado ao MST, de que, de agora em diante, o discurso – vazio, na maior parte das vezes – será mesmo substituído pela mão pesada da polícia. Daqui a pouco, o governo paraense ganhará o status de repressor equivalente aos seus congêneres de São Paulo e Rio Grande do Sul, especializados em tratar, a pontapés, os movimentos sociais insubmissos.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Realismo fantástico

"Tailândia. Terra de Direitos. Governo do Pará". A mensagem publicitária chama a atenção de quem trafega às margens da PA-150, nas proximidades do centro comercial da cidade. Nada mais distante, portanto, do rastro de sangue das sete vítimas da última chacina ocorrida no final de semana naqueles rincões selvagens, em provável acerto de contas entre gangues rivais de sem-torra.

Procura-se

Quem souber do atual paradeiro de Marcelo França Gabriel, 40 anos, profissão indefinida, réu em processo criminal por corrupção, formação de quadrilha, fraude em licitações e sonegação previdenciária, denunciado como chefe da organização criminosa que atuou à sombra das administrações estaduais comandadas pelos tucanos paraenses entre 1995 e 2006, favor postar a informação de que dispuser na caixinha de comentários deste post. Em tempo: ele é filho do ex-governador Almir Gabriel (PSDB).

Mendigo de black-tie?

Duas imagens incongruentes. De um lado, o Brasil de uma economia tão fortalecida com os seguidos recordes de arrecadação que pretende formar, em breve, um fundo soberano de U$ 20 bilhões de dólares, aumentando do superávit primário de 3,8% para perto de 5% do PIB. De outro, aparece a face indigente de um país que precisa, para financiar o caos da saúde pública, de um novo imposto para substituir a finada CPMF.
Alguns dirão que se trata, como sempre, de uma escolha política do governo Lula em favor do mercado, já que o fundo soberano será utilizado para alavancar empresas brasileiras no exterior. Para outros, entretanto, tudo se resume à escassez de um outro produto. Vergonha na cara, em português claro.

Credibilidade zero

Quanto vale a palavra dos representantes do governo Ana Julia? Muito pouco. Quase nada. Pelo menos é o que se conclui dos últimos episódios envolvendo a greve dos servidores estaduais. Na sexta, 15, um pedido de desculpas pela truculência da PM contra os professores, espaçados em frente ao Palácio de Despachos na semana anterior, e uma promessa de voltar à mesa de negociação com os sindicatos da intersindical e com o Sintepp. No dia seguinte, uma nota paga do governo na TV convocando os alunos às aulas a partir de hoje, como se a greve – que segue forte em todo o estado – tivesse acabado. Em resumo, a mão que finge afagar é a mesma que apedreja. Com isso, segue a aposta no confronto, prolongando um conflito que poderia ser resolvido desde que houvesse vontade política e respeito aos movimentos sociais.

Terra de senzala

Mais 43 trabalhadores reduzidos à escravidão moderna foram libertados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho em três fazendas no sudeste do Pará. Os personagens são rigorosamente os mesmos: latifundiários sem escrúpulos, agenciadores de mão-de-obra, conhecidos como "gatos" e a interminável legião de despossuídos, sem-terra e sem-direitos, recrutados para o trabalho forçado de preparação de pasto.
Com a iminente entrada em pauta, na Câmara Federal, da PEC 438, que prevê o confisco das terras onde for comprovada a prática de trabalho escravo, o país poderá dar um passo adiante para extirpar esse câncer. Falta apenas combinar com a bancada ruralista, que há anos impõe um virtual embargo de gaveta ao projeto desde sua aprovação em primeiro turno em 2003.

sábado, 17 de maio de 2008

Acertando os ponteiros

Durante o final de semana as postagens e a moderação de comentários ficam suspensas. Mas, na segunda-feira, 19, bem cedindo, o Página Crítica retornará ao ritmo normal. Até lá, e bom final de semana a todos.

Dialética da dúvida que se faz palavra

"Gostaria que essa aura de pressentimentos e dúvidas significasse para o leitor destes escritos não um obstáculo acidental para a comprensão do que escrevo, mas sim a própria substância do que escrevo; e, se a cadeia de meus pensamentos parecer fugidia a quem tentar segui-la com base em hábitos mentais radicalmente mudados, o importante será que se transmita o esforço que faço para ler nas entrelinhas das coisas o sentido evasivo do que me espera."


Italo Calvino (1923-1985). "Se um viajante numa noite de inverno", p.67

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Mãe do PAC. Madrinha da motosserra?

Adormece, desde maio de 2006, em alguma gaveta da poderosa ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a minuta de decreto presidencial criando a reserva extrativista do Médio Xingu, estratégica área de 303 mil hectares na conflagrada Terra do Meio, no coração do Pará. O virtual bloqueio imposto à criação da Resex foi um dos motivos imediatos da queda de Marina Silva, que identifica claramente além das digitais da sua ex-colega de ministério, as inconfundíveis marcas do lobby devastador liderado pelos governadores Blairo Maggi (PR-MT) e Ivo Cassol (sem partido-RO).

De bem com a vida

Como é boa a vida dos banqueiros. Pelo menos, é o que revela uma pesquisa inédita mostrando que nos seis anos de goverbo Lula os bancos brasileiros tiveram rentabilidade maior do que a alcançada nos dois mandatos de FHC.
Mesmo em relação aos bancos norte-americanos - cuja rentabilidade está em queda - os magnatas da avenida Paulista ostentam números invejáveis. A Rentabilidade sobre o Patrimônio Líquido dos 18 bancos nacionais bateu em 21,94%, quase o dobro do alcançado por 94 instituições financeiras estadunidenses no mesmo período, que não ultrapassaram os 9,72%.

Cega, lenta e parcial

Para a desembargadora Assuste Magalhães, do Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília, não existe "risco à ordem pública" com a libertação de Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima (RR) e principal suspeito de ter ordenado, há poucas semanas, o despejo violento de um grupo de indígenas de terras de uma de suas fazendas na Reserva Raposa/Serra do Sol. A ação dos pistoleiros encapuzados resultou no ferimento à bala de nove índios, causando comoção internacional.
Junto com Quartiero, também foram soltos seis homens apresentados como "funcionários" da fazenda, além de seu filho, que no mês passado sofreu ferimentos ao tentar lançar uma bomba caseira sobre as tropas da Força Nacional de Segurança. Aliás, armamentos pesados e explosivos parecem ser uma das especialidades desta família de grileiros. Não foi por acaso que a PF apreendeu na fazenda Depósito, onde o atentado contra os indígenas foi praticado, 149 tubos contendo substâncias explosivas. As armas, que aparecem claramente na fita de vídeo de documenta o quase massacre, já haviam sido convenientemente retiradas de lá, mas é de conhecimento público que partiu de Quartiero a iniciativa de constituir uma verdadeira milícia de pistoleiros, alguns até vindos da vizinha Venezuela.
Todos esses elementos não foram suficientes para convencer os ilustres magistrados, que resolveram relaxar a prisão dos acusados, contrariando o pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Resultado: o conflito tende a se agravar, conferindo cores ainda mais dramáticas a este cenário de tragédia anunciada.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um poço de desigualdade

A palavra é de Márcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada): três quartos da riqueza existente no Brasil está concentrada nas mãos de apenas 10% da população. Esses níveis dantescos de desigualdade se mantêm praticamente inalterados há quase 40 anos. Aliás, são os mesmos do período do regime militar e conseguem ser ainda piores que os de antes do golpe. Aí estão as verdadeiras raízes que explicam a guerra civil não declarada que ensangüenta as cidades brasileiras.

Quando a pressa é inimiga

A gestão ambiental pressupõe o respeito ao princípio da precaução, reza a cartilha inspirada nos acordos e tratados internacionais que tentam regular a matéria. Mas é contra isso que se insurgem os que exigem pressa, muita pressa, no licenciamento de grandes projetos em áreas sensíveis e de equilíbrio socioambiental precário. É o caso das mastodônticas usinas hidrelétricas nos rios da Amazônia e dos gasodutos e plataformas de petróleo, que embalam os sonhos (e os cifrões) dourados das empreiteiras e transnacionais.
Por isso, chega a ser aterrador o dado revelado hoje pela Folha de São Paulo. O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em apenas 17 meses à frente da órgão ambiental do Estado do Rio, emitir o mesmo número de licenças que nos três anos anteriores. Mau presságio, sinalização ameaçadora para a Amazônia e seus agressivos projetos à espera de licenças ambientais. Hora de colocar as barbas de molho.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Com a cara de Lula

A queda de Marina Silva era tão prevista quanto indesejável. Há muito que a senadora pelo Acre e agora ex-ministra do Meio Ambiente está sob fogo cerrado, recebendo bordoadas de seus próprios colegas de governo. Mais ainda: ela era, de forma contumaz, desautorizada e até mesmo ridicularizada por seu chefe, o presidente da República. Diante desse quadro adverso, não há dúvida de que ela resistiu bastante, até que percebeu, talvez tardiamente, que a batalha estava perdida.
Diga-se, entretanto, que o que se esvaiu foi a possibilidade de alterar os rumos, de dentro para fora, de um governo que já havia consolidado uma férrea opção pelo modelo de desenvolvimento a qualquer custo, para o qual o respeito e a proteção das questões socioambientais viraram apenas entraves irritantes, esquisitices de alguns defensores de bagres, micos-leões e, por mais que não se assuma publicamente, de uma legião de seres anacrônicos, como índios, quilombolas e ribeirinhos.
Marina será bem-vinda na planície. Muito embora não se concorde com todas as suas concepções e projetos - alguns desastrosos como é o caso da privatista Lei de Concessão das Florestas - é necessário reconhecer que se trata de uma militante sincera e obstinada das causas da Amazônia e de seus povos. Ela reassume sua cadeira no Senado e da tribuna continuará a defender seus ideais.
Já o governo Lula seguirá adiante, cada vez com a face dele próprio, sem poder contar com intermediações cosméticas, que serviam para amenizar sua imagem aqui e lá fora, como se fosse possível conciliar a feroz busca pelo lucro dos grandes monopólios nacionais e internacionais com a desconstrução, mesmo que pontual, do modelo de exploração predatória do meio ambiente.

O tacão de ferro

O título da postagem faz referência a uma das mais intrigantes obras de Jack London (1876-1916), escritor norte-americano que soube conciliar a arte com a militância política de cunho socialista. No livro, escrito em 1907, ele descreve com cores vivas uma insurreição operária que teria ocorrido entre os anos de 1914 e 1918, narrada por um observador postado no século XXVII. Um enredo de ficção lastreado pela experiência vivida pelo autor e fortemente influenciada pelo clima de repressão violenta da classe patronal contra o nascente e combativo movimento sindical nas terras de Tio Sam.
A lembrança do terror que se apossa das elites quando os de baixo desatam suas mobilizações - de fundo econômico, mas sempre portadoras do germe de contestação do establishment, vem bem a calhar diante do profundamente reacionário despacho judicial que ontem, 13, decidiu pela abusividade da greve dos servidores da educação pública do Pará. Na prática, a decisão do juiz José Torquato Alencar significa extinguir o direito de greve para os servidores públicos, na esteira de um entendimento de corte conservador que, de algum tempo para cá, vem se firmando em sentenças de diferentes tribunais. É como se o dispositivo constitucional não passasse de uma declaração de intenções, a ser confirmada ou não por uma lei complementar que jamais foi editada. Logo, a greve, tal qual London observara nos idos de 1900, deve ser tratada como uma anomalia social, uma transgressão a ser combatida, alternada ou cumulativamente, pela política e pelos rigores do Judiciário.
O registro que deve ficar gravado de todo esse episódio - cujo desfecho ainda permanecerá em aberto por algum tempo - é o fato dessa iniciativa tipicamente de direita ter partido, pela primeira vez na história recente do Pará, de um governo que se autoproclama popular. Isso prova como as palavras podem, desgraçadamente, ser transformadas em infelizes caricaturas de si mesmas.

Carne fatiada

O Ministério Público Federal serviu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) um cardápio bastante ecumênico: de uma só fornada, 61 pessoas foram denunciadas no rastro da Operação Navalha, realizada pela Polícia Federal no ano passado. Lá estão, entre outros, o ex-ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, afilhado dileto do cacique peemedebista José Sarney, e os governadores Jackson Lago (PDT-MA) e Teotonio Vilela Filho (PSDB-AL). Uma verdadeira festa republicana para comprovar que a corrupção em metástase não livra a cara de quase ninguém no andar de cima da política nacional.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Conspiração S.A

Está quente, quase queimando, o assento de pré-candidato do PT a prefeito de Belém, ocupado pelo ex-secretário de educação Mário Cardoso. A temperatura em forte elevação corresponde às intensas articulações, por enquanto realizadas entre sussuros e sob a penumbra de bem situados gabinetes, para que seja lançado, nos próximos dias, um nome alternativo. Para isso, os conspiradores estariam dispostos a enveredar por uma desgastante prévia, se for necessário.
Tudo indica que Mário Cardoso pode, em breve, acumular mais um "ex" em seu currículo.

Dialética do trabalho e de suas múltiplas formas de resistência

"Frederico, 30 anos, pedreiro, natural do Maranhão, "onde foi comprado ao Sr. Luiz Antônio Gonçalves Ribeiro", evadira-se do Engenho Cafezal, segundo o anúncio "por não querer trabalhar", sendo caracterizado como "bem fallante", "vadio e pagodista", que sempre procurava andar "muito direito". Frederico era, então, retratado como um péssimo trabalhador, dado a conversa fiada, vadiagem e festas, por isso mesmo preocupado com a boa aparência, que era também uma forma de se passar por livre. Será que Frederico fugiu por não gostar de trabalhar, procurando na capital paraense o ambiente propício ao seu estilo boêmio de vida? O próprio senhor, embora procurasse associar sua fuda à vadiagem, observou sobre o fugido que "consta empregar-se em apanhar assahy (açaí) e o mais provável é estar refugiado n'esta cidade (Diário do Grão Pará, de 07/09/1873, p.3). Vê-se por aí quão diversas podiam ser as definições de trabalho. Para o senhor, somente o serviço executado sob seu comando pelos escravos seria considerado trabalho, o resto tendia a ser rotulado como alguma forma de vadiagem. Assim sendo, a ideologia senhorial acabava justificando a escravidão ao definir as fugas escravas como resistência ao trabalho em geral."

José Maria Bezerra Neto. Histórias urbanas de liberdade: escravos em fuga na cidade de Belém, 1860-1888. Revista Afro-Ásia, 28 (2002), p. 221-250.

Inventem outra

Anuncia-se para amanhã, 15, uma paralisação dos servidores estaduais organizados através dos sindicatos da Intersindical, tendo à frente o sindicato dos servidores da saúde. Será um protesto contra a forma desrespeitosa como os sindicatos estão sendo tratados e expõe o grave impasse na negociação salarial deste ano. Como os sindicalistas que prometem a greve são petistas de carteirinha, cai por terra a esfarrada versão de que as greves que atormentam os inquilinos do Palácio dos Despachos estariam à serviço de manobras eleitorieiras dos partidos de oposição. É bom ir logo providenciando uma nova (e, se possível, menos mirabolante) versão para justificar uma crise que nasce apenas da intransigência e da falta de habilidade do próprio governo.

Propina a la carte

A gigante Alston, multinacional francesa que domina amplas fatias do fornecimento mundial de equipamentos na área de transporte e produção de energia, parece mesmo insaciável. Com o escândalo de suposto pagamento de propina milionária a políticos tucanos de São Paulo, nas gestões do finado Mário Covas e do vivíssimo Geraldo Alckmim, ainda rendendo muitas dores de cabeça, surge mais pegadas que dão conta de outro propinoduto, agora voltado a amaciar ordenadores de despesas do setor elétrico brasileiro. Flagrado durante a Operação Castores da olícia Federal, em 2006, José Roberto Paquier, então assessor parlamentar de Valdir Raupp, senador peemedebista por Rondônia, não soube explicar a existência de uma papelada suspeita associando a cifra de R$ 2 milhões aos nomes de seu chefe e do diretor da Eletronorte, Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro Antônio Palocci.
Se resolverem abrir a caixa preta da Alston muitos pilares da República sofrerão fortes abalos. Dizem, de muitos graus na escala Richter.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

No país da indiferença

Do leitor Artur Dias na caixa de comentários do post "Réquiem para a pequena Maria dos Anjos":

Haverá espaço na imprensa para mais uma menina de seis anos assassinada, mesmo estando este terrível e cruento crime dentro de um contexto grave de terror e agressão ao povo guajajara, diferente da paulista Isabella, cuja morte serve de combustível para a audiência das emissoras e do linchamento dos acusados?Será que dói menos nas pessoas, pelo fato de se tratar de uma indígena lá nos confins do Maranhão? Se assim for, é tão monstruoso quanto trucidar uma inocente. Será possível que os brasileiros se igualarão apenas na violência e na indiferença???

Uma questão de respeito

A governadora Ana Julia (PT), se quiser preservar algum respeito junto aos trabalhadores em educação pública do Pará, precisa determinar a imediata retomada das negociações com a categoria em greve há 19 dias. O outro caminho, que corresponde ao confronto e à tentativa de criminalizar o movimento, só levará à ampliação do impasse.
O resto é discurso que reproduz a velha prática dos governos conservadores. Eram esses governos, de direita sem máscaras, que buscavam deslegitimar os movimentos grevistas como fruto de supostas manipulações político-partidárias. A paralisação é fruto da luta salarial e por melhores condições de trabalho de uma categoria que fez greve em todos os últimos governos, do fim da ditadura, sob Alacid Nunes, até hoje, sem exceção.
Afinal, política está em todo lugar. Até mesmo na decisão insensata de jogar uma tropa de meganhas para espancar educadores em plena via pública.

Réquiem para a pequena Maria dos Anjos

Maria dos Anjos tinha apenas seis anos. Vivia com seus parentes na aldeia Anajá, Terra Indígena Araribóia, no centro-oeste do Maranhão. Seu povo está sob cerco de vizinhos hostis. A fronteira do "progresso", com suas motosserras e suas patas de gado, há muito declarou uma guerra de aniquilamento contra o que restou da grande nação Guajajara, outrora dominante na região. Era índia e brasileira, com todos os direitos assegurados pela Constituição Federal. Mas, mesmo assim, a criança não teve a menor chance. Recebeu um tiro certeiro na cabeça e morreu na hora, sem chance de socorro.
Os criminosos, provavelmente vindos do município de Arame, bem próximo da reserva, segundo os indígenas, foram os mesmos que no início de 2007 assassinaram Timóteo Guajajara. O ataque faz parte de uma estratégia de espalhar o terror sobre a comunidade, forçando que a tribo abandone suas terras, deixando-a livre para a ação de madeireiros e pecuaristas.
A Polícia Federal abriu inquérito e enviou uma equipe de policiais para a reserva. Talvez os autores materiais dessa tragédia sejam presos. Talvez.
Mas Maria dos Anjos Paulino Guajajara, de apenas seis anos, índia e brasileira, está morta, abatida cruelmente. Seu sangue inocente irrigou a terra de seus ancestrais e virou estandarte da luta de resistência dos povos indígenas à barbárie e à intolerância.
Que sua memória seja preservada e que viva - para sempre - dando forças para os que não deixam de lutar e construir o caminho para a terra sem males.

Por trás de tudo, a velha grilagem

Somente 20% dos imóveis rurais acima de 400 hectares, localizados nos 36 municípios amazônicos cobertos pela Operação Arco de Fogo, realizaram recadastramento junto ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) até o último 1º de abril, data final estabelecida pelo governo. Mais de 12 mil médios e grandes fazendeiros não se apresentaram para comprovar a titularidade das terras ou a posse pacífica. A razão é simples: a grande maioria simplesmente se apossou de enormes áreas públicas, de forma fraudulenta. São grileiros e em suas supostas propriedades realizam a retirada ilegal e predatória de madeira.
Resolver o caos fundiário que impera na Amazônia é a mãe de todas as batalhas. Este é o câncer a ser combatido. Fora disso, corre-se o risco de montar apenas aparatos cenográficos enquanto a floresta não pára de arder.

domingo, 11 de maio de 2008

La Dolce Vita dos mandantes

Há 22 anos, em 10 de maio de 1986, o jovem e combativo padre Josimo, coordenador da Comissão Pastoral da Terra na região do Bico do Papagaio, foi fuzilado com dois tiros de pistola 7,65. Seu corpo rolou nas escadarias da Mitra Diocesana de Imperatriz, Maranhão, onde se localizava o escritório da CPT. Morte anunciada, o martírio de Josimo permanece até hoje impune, como a demonstrar que o que vale nos sertões amazônicos é a lei escrita pelos senhores de gados e de gentes. Os fazendeiros apontados como mandantes do assassinato continuam tripudiando sobre uma Justiça que se move - se é que se move - espasmodicamente, presa num labirinto sem fim de recursos e protelações diversas.
É o caso do juiz aposentado João Batista de Castro Neto, um dos ativos participantes do consórcio que planejou e financiou o crime. Duas décadas depois, ele sequer foi ouvido no processo, fugindo, por meio de variados recursos jurídicos, às citações expedidas pela 1a Vara Criminal de Imperatriz, onde tramita, por todo esse tempo, a Ação Penal no. 7252/2000. Vários dos implicados já faleceram ao longo deste período e o pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa, autor dos disparos fatais, chegou a ser preso e condenado a 18 anos e 6 meses de reclusão, mas conseguiu fugir por três vezes da penitenciária, estando hoje foragido. Há informações, entretanto, de que possa ter sido morto após um assalto frustrado a um banco em Guaraí, Tocantins.
Ao lado da prisão ou eliminação de alguns assassinos de aluguel - que compõem o elo mais frágil da cadeia de crimes de encomenda - sobressai a incrível impunidade dos mandantes, que têm em Vitalmiro Bastos, o Bida, seu mais vistoso patrono.

Supremo risco

Se encontrar interessados – e certamente existem muitos por aí – o governo Lula já pode retomar o processo de privatização da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, a primeira a ser tentada com base na Lei de Concessão de Florestas, de 2006. A liminar da corajosa desembargadora Selene Maria de Almeida, do TRF da 1ª Região, que suspendia a licitação foi revogada nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Portas escancaradas para que poderosos grupos econômicos, inclusive estrangeiros, abocanhem e explorem por até 40 anos porções da biodiversidade amazônica.

sábado, 10 de maio de 2008

Brucunóquio, esquisito e perigoso

A cada dia, novas descobertas na intrigante fauna política paroara. Eis que irrompe nas páginas sempre acolhedoras da grande imprensa um animal algo fantástico e inegavelmente esdrúxulo. Trata-se de um Brucunóquio, nascido e criado nos pântanos da arrogância e tido como bastante perigoso (pelo menos é o que lhe parece) . Domina as artes da escrita (de diários oficiais, é claro) e julga saber dar ordens e vê-las obedecidas prontamente (pelas tropas de choque, tão somente). É bruto, truculento e irremediavelmente mentiroso. Sem quaisquer sinais de remorso.

A quem apelar?

De um anônimo à beira de um ataque de nervos, morador de Paragominas, cidade que os tucanos apresentam como modelo de gestão, um ilustrativo comentário deixado há pouco na caixinha do post "Decisão correta, mas incrivelmente tardia":

Que pena que o TRE-PA só tenha olhos para Belém. No interior os prefeitos malas deitam e rolam com sob a vista grossa de magistrados e do MP. Em Paragominas o "prefeito prêmio" Adnan consegue a proeza de aparecer simultaneamente nos intervalos de em 3 canais. Você liga em canal tá lá as tais "ações premiadas", muda pra outro canal, adivinha: mais prêmio, muda pra outro canal e quem aparece de novo? Ganha um prêmio quem acertar? Adnan, isso mesmo. Aqui em Paragominas nem o controle remoto ajuda o cidadão a se livrar da cara do "prefeito mais premiado do Brasil". A quem apelar?

Os ponteiros da morte

Quando você terminar de ler essa postagem, em aproximadamente 20 segundos, pelo menos quatro crianças terão morrido de fome ou de suas seqüelas imediatas em todo o mundo. Em 2007, foram mais de 6 milhões de vítimas inocentes. São, segundo as Nações Unidas, 854 milhões de pessoas com desnutrição grave, mutiladas pela fome para sempre.

PAS, PAC, PAC

Como em um daqueles simpáticos games do final do século passado, o PAC foi engolindo o que restava de inovador no desenho do mais ambicioso e ao mesmo tempo mais frustrante plano governamental para a Amazônia na era Lula, o natimorto Plano de Ação Sustentável (PAS), “lançado” com pompa e circunstância no Palácio do Planalto nesta semana. Esta é a opinião do ambientalista Roberto Smeraldi, fundador da ONG Amigos da Terra, para quem o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) com sua abordagem neocolonial liquidou as esperanças iniciais despertadas pelo PAS. O lançamento do plano teve mais cara de enterro, concluiu.

Decisão correta, mas incrivelmente tardia

Somente agora, a pouquíssimos meses das eleições, o Tribunal Regional Eleitoral descobriu que o prefeito de Belém, Duciomar Costa, usa e abusa das verbas públicas para fazer “propaganda eleitoral extemporânea”. Ele já faz isso, além de coisas que até o diabo duvida, desde que assinou o livro de posse em 1º de janeiro de 2005. Para ser conseqüente, o TRE precisa determinar a suspensão imediata de todas as mídias da prefeitura, cujo conteúdo eleitoral só não ver quem não quer.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Brucutus em ação

Neste momento tropas da PM paraense agridem dezenas de professores e servidores da rede pública que bloqueiam a avenida Augusto Montenegro, em frente ao Palácio dos Despachos, sede do governo do Estado, na periferia de Belém. Os grevistas exigem ser atendidos pela governadora ou por comissão de secretários, mas a resposta veio com bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta. Há professores feridos e alguns teriam sido presos pela polícia.
A categoria completa hoje 17 dias de paralisação por melhores salários e já enfrentava a intransigência da administração do PT, que resolveu dispersar a manifestação através da violência.

Atualização em 12h20

O trânsito segue tumultuado em frente ao Palácio dos Despachos, mas os manifestantes que bloqueavam a via foram dispersos com violência pela PM. Há vários servidores com ferimentos por tiros de balas de borracha. Eles farão exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal, e em seguida deverão registrar ocorrência na Polícia Civil contra os policiais militares envolvidos na repressão à greve. Há, pelo menos, um manifestante preso.

Encontro marcado

Exatos 19 anos depois daquele histórico I Encontro de Povos Indígenas que foi responsável pela derrota (momentânea, como se veria depois) do megaprojeto da usina de Kararaô, Altamira será novamente palco, no período de 19 a 23 deste mês, de uma grande mobilização de índios, populações tradicionais e ambientalistas, contra a anunciada construção da hidrelétrica de Belo Monte, novo nome para antigas ameaças ao cada vez mais frágil equilíbrio socioambiental no coração da Amazônia brasileira. Será o Encontro Xingu Vivo para Sempre, com presença estimada de cinco mil pessoas.
História circular, prisioneira de um labirinto trágico, será testemunha de um esforço desesperado para deter, em condições mais adversas que há duas décadas, as engrenagens do mesmo projeto, que da ditadura militar ao atual regime de supremacia do sacrossanto mercado, tem fincado suas garras coloniais sobre a Amazônia e seus povos. Povos, no plural. Expressão da diversidade e da unidade possível para celebrar, aqui e agora, a promessa de um futuro com as marcas de reencontro do homem com seu destino de felicidade. Alguns dirão: sonho impossível. Mas, tal qual revelaram os muros na Paris de 1968, é cada dia mais atual a consígna "Criemos comitês de sonhos", aproveitando o tempo que ainda nos resta.

Números que envergonham

De 1971 a 2007, no Pará, segundo levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), 819 pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos agrários. Deste total, apenas 92 casos foram transformadios em processos, mas o Tribunal do Júri julgou somente 22 crimes, condenando seis mandantes, mas nenhum deles cumpre pena atrás das grades.
Além de Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, livre após um tão polêmico quanto suspeito segundo julgamento, dois outros aguardam julgamento em liberdade. Para fechar a conta da impunidade, um morreu de causas naturais, um recebeu perdão judicial e o último está foragido. Terra de direitos violados, portanto.

O papel aceita tudo

Da série acredite se quiser. O governo do Pará lançará o maior programa de plantio de árvores do mundo. Isto mesmo: em cinco anos, Ana Julia promete recompor a floresta com um bilhão de árvores. Para dividir com ela esse mico impagável, o presidente Lula teria confirmado presença na solenidade prevista para ocorrer em Belém no próximo dia 30.

Miragem em 3D

Na falta de obras concretas, inauguração de maquetes eletrônicas. No quesito publicidade paga (com dinheiro público), com direito a emplacar a primeira página de O Liberal o fantástico "Pórtico Metrópole", anunciado há quase dois anos e jamais iniciado, a caótica administração de Belém, sob a gerência do petebista Duciomar Costa se mostra mesmo imbatível. Em descaramento, é claro.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Operação Brucutu

Quem diria. Coube ao governo do PT a atitude mais agressiva contra uma greve de servidores da Educação Pública em toda a história recente do Pará. Ontem, 7, foi protocolada junto à 3a Vara da Fazenda Pública da Capital, pela Procuradoria Geral do Estado, uma Ação Cominatória de Obrigação de Fazer e Não Fazer contra o sindicato da categoria. Pela ação, além de propor a ilegalidade da greve que já dura 16 dias e paralisa as escolas estaduais em 65 municípios, o Estado pede a volta imediata dos professores e demais servidores às salas de aula sob pena de multa de R$ 100 mil. Para a diretoria do Sintepp, que não tem registro de ter enfrentado medida semelhante em seus quase 30 anos de existência, a governadora Ana Julia resolveu declarar guerra aos grevistas, transitando das intimidações veladas à repressão aberta ao movimento. Apostam, entretanto, que o método truculento terá efeito bumerangue.
Já está convocada para amanhã uma grande marcha, engrossada por dezenas de caravanas do interior. O destino da passeata será o Palácio dos Despachos. Um ótimo momento para que se comprove, na prática, se o Pará pode mesmo ser considerado uma "Terra de Direitos".

Para maiores detalhes, basta fazer uma consulta on-line no site do Tribunal de Justiça do Estado (http://www.tj.pa.gov.br/), processo 200810531134.

Aos porta-vozes da barbárie

Não é estranho que vozes se levantem em favor da infâmia cometida pelo Conselho de Sentença na mais vergonhosa decisão da Justiça paraense nos últimos tempos. Existe um caldo de cultura - um clima geral bastante disseminado - que confere certo brilho a idéias que no fundo, mais no fundo mesmo, flertam com o fascismo.
Ouvir essas sandices de remanescentes da ditadura - reciclados ou não - já se tornou lugar comum. O triste é ver que jovens, com menos de 30 anos, e que portanto não viveram o regime do terror - possam reproduzir, acriticamente, postulados que não fariam corar Hitler ou Mussolini.
Os ataques à memória de Dorothy são uma espécie de segunda morte. Esses pistoleiros virtuais se equiparam - mesmo sem saber - aos sicários que apertaram o gatilho a fim de receber o soldo ao fim do "trabalho". Inscrevem seus nomezinhos na história, lá no compartimento escuro onde dormitam os que cometeram os mais atrozes crimes contra a humanidade.
Merecem pena, somente.

O bonde do Obelix

Essa deve ser creditada ao trabalho dos discretos policiais suíços: após anos de investigações, foi descoberto um gigantesco propinoduto de, pelo menos, US$ 200 milhões em suborno pago a governantes da América Latina e da Ásia entre 1995 e 2003, pela Alston, multinacional francesa especializada em infra-estrutura de transportes, uma das líderes mundiais na produção de trens de alta velocidade, bondes e metrôs. A dinheirama teria sido despejada para saciar a gula de políticos do Brasil, Venezuela, Cingapura e Indonésia.
Um detalhe, porém, liga o escândalo aos nossos impolutos tucanos paulistas. É a suspeita pagamento de US$ 6,8 milhões pela Alston por um contrato de US$ 45 milhões na obras do metrô, em 2000, quando Mário Covas ainda governava São Paulo. Três anos depois, já sob o governo de Geraldo Alckmin, novo contrato para fornecimento de equipamentos para a Linha 4 (Via Amarela), garantiu à empresa francesa, em conjunto com as notórias OAS, Queiróz Galvão e CBPO, um faturamento de US$ 1,8 bilhão. Todos agora sob irremediável suspeita.

Um chacal muito atrapalhado

É certo que foi um ato pensado. Mais que isso: tratava-se de uma estratégia, urdida parcimoniosamente talvez por uma equipe de espertos assessores. Ou, talvez, tenha sido um ato solitário, quase inconsciente, de um político que nasceu e se criou debaixo das asas da ditadura. Tanto faz como tanto fez. O resultado não poderia ter sido mais desastroso.
Agripino Maia, o estridente líder dos democratas no Senado, deve ainda hoje ter sonhos (ou pesadelos) com o tempo em que militava, sem qualquer remorso, nas hostes da Arena e, lá fora, o pau cantava impunemente. Pessoas eram seqüestradas e torturadas todos os dias. Seus corpos, mutilados com sadismo, eram enterrados em valas comuns ou simplesmente desintegrados. Nada disso, entretanto, àquela época, tirava o sono do então governador potiguar. Ele tinha outras ocupações, como bajular os ditadores de plantão e surfar sobre as ondas douradas do milagre brasileiro.
De toda forma, Agripino, bem no início da sessão destinada a ouvir ontem, 7, a ministra Dilma Rousseff, sobre o PAC e, de contrabando, trazer à tona o insuportável tema do dossiê de gastos "secretos" de FHC e familiares, resolveu encenar uma esquete que julgava o primor da sagacidade política: leu trechos de uma antiga entrevista da ministra ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho onde ela confessa ter mentido sob tortura, em 1970, nos anos de chumbo da ditadura. Com a lembrança, o político do DEM insinuou que Dilma poderia fazer o mesmo naquela sessão do Senado já que a prática de vazar dossiês era um ato que lembrava o regime de exceção. Do alto de uma justa indignação, a ministra contra-atacou: esteve presa aos 19 anos e foi barbaramente torturada. Tinha orgulho de ter mentido sob tortura, porque só quem tem dignidade por fazer isso e para salvar seus companheiros de guerrilha. E, ademais, naquele momento ela e o senador estavam em campos opostos. Ponto final.
Impagável a expressão desolada do ilustre senador, em cujas veias corre o sangue oligarca de uma mais tradicionais famílias nordestinas. A partir deste momento e até o final das longas nove horas de inquirição - que em certos trechos mais parecia uma quermesse eleitoral onde cada um quer puxar uma obrinha do PAC para seu terreiro - a oposição estava nas cordas e o governo colhia os frutos de uma inusitada vitória política.
Com a dupla Agripino Maia-Artur Virgílio no comando da oposição, que mais parece integrar uma das células da Al-Quaeda, o governo Lula realmente não tem por que se preocupar. Pode navegar em águas tranqüilas. Pelo menos até que a tsunami que se gesta nas entranhas do capitalismo de papel dê suas caras por aqui. Mais cedo, ou mais tarde.





quarta-feira, 7 de maio de 2008

Dialética da palavra que denuncia a crueldade

"(...) as guerras se faziam geralmente sem causa justa nem injusta (...), matando, roubando, cativando (...), assolando e queimando aldeias inteiras, que são ordinariamente feitas de folhas secas de palma, abrasando nelas vivos os que não se queriam render para escravos, rendendo e sujeitando pacificamente os outros com execraveis traições, prometendo-lhes confederações e amizade debaixo da palavra e nome do Rei, e depois que os tinham descuidados e desarmados, prendendo-os e atando-os a todos, e repartindo-se entre si por escravos, vendendo-os ainda com maior crueldade."

Cristóvão de Lisboa, frei capuchinho, citado pelo jesuíta Antônio Vieira, como testemunho da sangrenta guerra de extermínio que os conquistadores portugueses executaram contra os milhões de indígenas na Amazônia colonial.

Crime sem castigo

Inacreditável que um júri possa concluir que um crime de encomenda, claramente delineado por inúmeras provas materiais e pela própria confissão do pistoleiro, teria sido cometido sem que houvesse presença do mandante. Crime de mando sem mando, apenas com o autor material, que não teria motivação própria para executar, de forma fria e covarde, com seis tiros disparados à queima roupa, a missionária Dorothy Stang, uma anciã de mais de 73 anos, num rincão perdido e dilacerado da Amazônia brasileira.
A absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, cobre o judiciário paraense de vergonha e voltar a expor o Pará, em nível mundial, como terra sem lei. Ele, aliás, era até a noite de ontem o único mandante, dos mais de 800 assassinatos por questões agrárias no estado, durante os últimos 36 anos, que cumpria pena na cadeia. Agora, todos estão soltos, como prova de que o crime, quando cometido pelos de cima, pode compensar.
Não terá sido mera coincidência que a libertação de Bida, que já havia sido condenado no primeiro julgamento a 30 anos de reclusão, tenha ocorrido no mesmo dia em que bispos católicos denunciassem a existência de uma lista com 300 pessoas marcadas para morrer no interior paraense. O combustível das tragédias mais que anunciadas segue sendo sempre o mesmo: a impunidade que o "julgamento" de ontem confirma com ineludível eloqüência.

Até que enfim

A Polícia Federal deu ontem, 6, uma demonstração de como o Estado brasileiro deve se comportar. Em ação fulminante, prendeu Paulo César Quartiero, suposto proprietário de extensas áreas dentro da Raposa/Serra do Sol, em Roraima, sob a acusação de ser o mandante da tentativa de assassinato de 10 indígenas durante a desocupação violenta, por pistoleiros armados, da fazenda Depósito, cujas imagens ganharam o mundo. Quartiero também é prefeito de Pacaraima, pelo DEM, e lidera o movimento de resistência à retirada dos não-índios das terras que desde tempos imemorias são habitadas pelas etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. Para tanto, junto com outros seis grandes proprietários, formou um verdadeiro exército de mercenários que tem adotado tática de guerrilha contra o contingente da PF e da Força Nacional de Segurança.
Na sede da fazenda foi encontrado farto material para a preparação de bombas caseiras. Esses artefatos já vinham sendo utilizados pela quadrilha, que chegou a dinamitar pontes de acesso à reserva e a tentar explodir um posto da PF.
A mobilização das forças policiais e a própria presença do ministro da Justiça, Tarso Genro, na área de conflito podem expressar uma tomada de posição importante por parte do governo. Por caminhos tortuosos e após a quase ocorrência de um massacre, foi rompida a equivocada interpretação que enxergava a liminar do Supremo como uma espécie de habeas corpus para o banditismo liderado pelos arrozeiros, mas com amplo apoio político e midiático dentro e fora de Roraima.
Enquanto cresce a mobilização dos 18 mil indígenas que vivem na Raposa/Serra do Sol, aguarda-se que o STF não consagre, no iminente julgamento das mais de 30 ações movidas contra a demarcação, um recuo que pode ser responsável pelo desmonte da política indigenista que o país tem desenvolvido, com reconhecidos êxitos, nas últimas décadas.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Contra a ruína, o peso da lei

Exemplar, para dizer o mínimo, a sentença da Justiça Federal obrigando a Prefeitura de Belém e o próprio prefeito Duciomar Costa (PTB), sob pena de multa de R$ 1 milhão de reais, a retomar e concluir as obras de restauração do Palacete Pinho, um dos mais representativos exemplares da riqueza arquitetônica da Belém da Belle Époque que ainda resiste à ação do tempo e à incúria de seguidas administrações.
Com os trabalhos praticamente concluídos no final da gestão anterior, coordenada pelo prefeito Edmilson Rodrigues (à época no PT e hoje no PSOL), o Palacete Pinho permaneceu abandonado pela Prefeitura ao longo de mais de três anos, colocando em risco todo o investimento que já havia sido realizado, tanto para soerguer o prédio que ficara anos em ruínas, quanto para devolver-lhe os belos traços originais.

A mão que tira

O reajuste "real" do salário mínimo foi para o espaço. Em poucas semanas, a inflação dos alimentos garfou, de uma só dentada, os cerca de 4% acima da inflação que o governo concedeu ao mínimo. Em Belém, segundo o Dieese, no último quadrimestre a cesta básica acumula um aumento de 6,63%, ficando em R$ 202,60. Somando os gastos somente com alimentação para a sobrevivência de uma família de quatro pessoas, são necessários R$ 607,80, bem acima do mínimo fixado oficialmente em R$ 480,00.
Para refrescar a memória dos que estão embevecidos com a era Lula de prosperidade: o salário mínimo ideal, calculado pelo Dieese com base no que dispõe a Constituição, deveria ser de R$ 1.918,12, quatro vezes o mínimo atual.

Tropas de resgate do século XXI

Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, primo do ex-presidente afastado e atual senador alagoano Fernando Collor de Melo, por ele indicado para a mais alta Corte do país, está muito de bem com a vida. Não parece enxergar a gravidade da situação em Roraima, nem percebe o incêndio social que se alastra na área da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Diante da notícia do baleamento, por pistoleiros encapuzados, de dez indígenas macuxis, que "retomaram" um pedaço de uma das fazendas que violam acintosa e escandalosamente suas terras ancestrais, o ministro saiu com uma blague desconcertante: "Ora, daqui a pouco teremos de devolver a cidade maravilhosa aos índios". Tal afirmação, mesmo em forma de piada de péssimo gosto, saiu da boca de um dos onze ministros do Supremo na qual tramitam 33 ações que questionam a demarcação em terras contínuas em Roraima, que se aprovadas abrirão uma feroz temporada de caça e (novo) extermínio às nações indígenas que já possuem terras demarcadas. É muito sério e demarcam os tempos cinzentos para a luta pela sobrevivência dos povos indígenas no Brasil.
Paulo César Quartiero (DEM), prefeito de Pacaraima e suposto proprietário da fazenda "invadida", é um dos seis grandes rizicultores que sustentam a resistência contra o decreto presidencial, de 2005, que homologou os 1,7 mil hectares da Raposa/Serra do Sol. A tropa de pistoleiros que fuzilou a manifestação indígena é parte da legião de mercenários que foi mobilizada para bloquear o acesso dos policiais da PF e da Força Nacional de Segurança, através de ações típicas de guerrilha, com a queima de pontes e ataques com bombas incendiárias aos postos de controle do governo federal. Nada disso, porém, merece destaque na mídia, mais preocupada em inflar a tese ridícula de uma suposta conspiração que pretende "internacionalizar" a Amazônia e esquartejar porções significativas do território nacional.
Um ministro do Supremo se sentir à vontade para disparar uma frase tão carregada de ignorância e de indisfarçável sentimento anti-indígena revela a extensão e profundidade da atual onda conservadora que se afirma na sociedade, sob um nada discreto estímulo da grande mídia. Se não for detida, estaremos diante de um retrocesso histórico de amplíssimas e tremendamente graves conseqüências. Tropas de resgate high tech se preparam para fazer, em pleno século XXI, a limpeza étnica que de 1500 em diante lavrou com sangue indígena o terreno no qual um Brasil - país tão rico quanto violentamente desigual - foi construído. Ainda há tempo para erguer as barricadas da resistência. Mãos à obra.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Muralhas da soberania

Esse número vai para os críticos da demarcação de terras indígenas na faixa de fronteira: até 2006, segundo levantamento do ISA (Instituto Socioambiental), o desmate acumulado em 24 terras indígenas que se localizam em regiões de fronteira do Brasil não ultrapassa a 1% de suas áreas, revelando-se como uma eficaz barreira ao avanço da grilagem e do desmatamento.
A exceção fica por conta da Raposa/Serra do Sol, em Roraima, que tem apenas 13% de área de floresta, vítima de décadas de avanço de empreendimentos econômicos ligados ao agronegócio. Entre os devastadores, aqueles famosos seis grandes rizicultores - grandes produtores de arroz - que colocaram de joelhos uma tropa de 500 agentes da Polícia Federal, sob o olhar complacente de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Arquivo vivo

Falta apenas uma autoridade judicial federal agir, com presteza e energia, para que Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, célebre na guerra suja que aniquilou a guerrilha do Araguaia no início dos anos 70, confirme em juízo as declarações que deu à imprensa sobre ter em seu poder cópias de relatórios secretos das Forças Armadas, que entre outros mistérios, apontariam o destino dos 59 guerrilheiros desaparecidos.
Com esta medida, estaria em xeque a versão dos militares sobre a suposta destruição de todos os documentos internos relativos à repressão do movimento armado que o PCdoB organizou entre os anos de 1972 e 1974, com um saldo de quase uma centena de mortos.
Curió, como se sabe, permaneceu ao longo de mais de três décadas na região e hoje é prefeito afastado de Curionópolis, sudeste do Pará. Ele permanece no cargo mesmo após ter sido condenado pelo TRE por compra de votos nas últimas eleições municipais, amparado por uma liminar (decisão provisória) da Justiça.

A secessão boliviana

Independente do resultado do referendo realizado ontem, cuja ilegalidade foi apontada até pela OEA, o destino do processo político boliviano seguirá atrelado, para o bem ou para o mal, à capacidade do conjunto do país se impor diante dos interesses exclusivistas das elites do departamento de Santa Cruz, a mais rica, conservadora e anti-indígena das diversas regiões da vizinha Bolívia.
Apesar dos festejos da direita crucenha (de Santa Cruz), encastelada no governo departamental, a vitória do "sim" acabou maculada pela soma da majoritária abstenção (400 mil eleitores não compareceram às urnas, 40% do total de inscritos) com os votos contrários ao estatuto de autonomia (uma virtual secessão, com o reconhecimento de direitos soberanos sobre as terras e riquezas minerais, por exemplo).
Em meio a rumores de golpe de Estado e a um agravamento dos conflitos políticos, inflados pela mídia de dentro e de fora, é de se esperar tempos de maior turbulência sobre o governo Evo Morales e sua gigantesca tarefa de resgatar a Bolívia e seu povo, majoritariamente indígena, de séculos de servidão.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Au revoir, mes amis!

Sob a inspiração das palavras eternas de Jean Paul Sartre, apóstolo do século das revoluções, desejo um ótimo final de semana a todos.
Na segunda-feira, bem cedo, o Página Crítica volta ao batente. Até lá.

Dialética da esperança militante

"É preciso explicar por que o mundo hoje, que é horrível, é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico, e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. Eu ainda sinto a esperança como minha concepção de futuro".

Jean Paul Sartre, 1963. Prefácio de "Os Condenados da Terra", de Frantz Fanon.

Ilusões em oferta

O Brasil, de uns tempos para cá, vem se alimentando de uma dose cavalar de "boas notícias" ou, pelo menos, como se assim o fossem. Como num passe de mágica, deixamos o estropiado "clube de países devedores" e passamos ao grupo dos "credores" internacionais, tendo dado cabo definitivo à dívida externa. "Graças a Deus", repete um presidente Lula embevecido com sua própria capacidade de transformar o nada em algo material, palpável.
O petróleo, riqueza que está na raiz de tantas guerras e desgraças, também já não é mais problema. "Somos auto-suficientes", explode a euforia verde-amarela, impulsionada pelas novas descobertas do megacampo de Tupi, com reservas tidas como gigantescas.

E, para arrematar a pintura de um cenário dourado, coube a Lula anunciar à nação, nesta semana, que o país acabara de receber da agência de classificação de risco Standard & Poor's o investment grade, que qualificou como o reconhecimento da comunidade internacional da solidez e seriedadade da política econômica de seu governo. No rastro da entusiástica fala presidencial, a Bovespa dispara e os comentaristas econômicos da grande mídia, em discurso quase unânime, exultam com o esperado ingresso de mais dólares na economia brasileira e, segundo prevêem, os positivos reflexos em termos da geração de renda e emprego.
Tudo uma maravilha, não fosse a mais descarada manipulação. O que é bom para o mercado - vale dizer, para a gigantesca nuvem de capital parasitário que envolve o globo - é necessariamente o pior dos mundos para os que vivem de seu próprio suor. E isso é verdadeiro em qualquer latitude e sob qualquer regime político. As demonstrações de incontida alegria só têm cabimento para os setores que se beneficiam do cassino especulativo no qual o Brasil foi transformado ao longo das últimas duas décadas, com uma economia desregulamentada e de porteiras abertas ao livre trânsito de capitais que se beneficiam das maiores taxas de juros reais do planeta. Com a mesma facilidade que entram, podem sair também quando esta for uma opção conveniente à realização de seus fabulosos lucros. Isso, aliás, já vem ocorrendo, quando as multinacionais e grandes especuladores procuram repatriar seus ganhos e cobrir, ao menos em parte, os pesados prejuízos da grave crise financeira da economia norte-americana.
Descontada a bazófia de alguns e o agressivo merchandising dos idólatras da atual bolha especulativa, todo esse manancial aparentemente inesgotável de bons presságios pode se desmanchar no ar. No exato momento em que a crise deste sistema intrinsecamente desequilibrado e instável começar a bater em nossa porta.

Marrom por fora. Amarelo por dentro

O tablóide bissexto O Paraense está de volta às bancas. Seu reaparecimento às vésperas de mais um processo eleitoral deve ser lido como uma demonstração do elevado grau de beligerância das forças políticas identificadas com o PSDB e seus satélites. Pelo menos é o que transpira nas 16 páginas recheadas de virulentos ataques ao governo da coalizão PT-PMDB, apresentado como fonte de todos os males pretéritos e atuais no devastado cenário paroara.
As digitais tucanas são tão evidentes que até prescindiriam da longa (e, de resto, hilária) entrevista de duas páginas com o senador Mário Couto (PSDB-PA). Mesmo um panfleto partidário deve manter alguma compostura.

Faca amolada?

A conclusão do inquérito contra os envolvidos na operação "Navalha na Carne" encerra um mistério. Apesar da denúncia pelo Ministério Público contra 21 pessoas acusadas de integrar um grupo de extermínio, ironicamente auto-intitulado de "Liga da Justiça", suspeito de dezenas de assassinatos com características de execução sumária, praticados em bairros periféricos da Grande Belém, soa inverossímil que uma organização criminosa com tantos tentáculos e com notável capacidade operacional tenha como chefes um cabo da PM, Rosevan Almeida e outro delinqüente, Mauro "Pulan", apontado simplesmente como "sem profissão", ambos típicos exemplares da raia miúda.
Como uma "organização" com esse perfil de comando poderia ter atuado, anos a fio, com enorme desenvoltura, cometendo toda sorte de crimes, agindo impunemente por dentro da estrutura policial, sem que outros escalões estivessem envolvidos? Quem lhes dava cobertura e, sobretudo, quem contratava os serviços do grupo?
Para reforçar a sensação de permanecem submersas importantes peças do quebra-cabeça, também não se ouvir mais falar no envolvimento do juiz Alan Meireles, para quem o cabo PM Rosevan Almeida prestava serviços de "segurança".
Diante da promessa do Segurança Pública, Geraldo Araújo, de que outras "Navalha na Carne" virão, espera-se que desta feita a lâmina possa estar um tanto mais amolada e em codições de cortar mais profundamente nas áreas necrosadas do aparato policial paraense.