domingo, 31 de janeiro de 2010

Dialética do ontem que se arvora eterno

"Álbum de fotos
(edição 1967, d.C.)


A verdadeira cara dos anjos
é que há napalm e há neblina e há tortura.
A cara verdadeira
é o sapato na merda, a segunda-feira de manhã, o jornal.
A verdadeira cara
está pendurada em cabides e liquidação de saldos, dos anjos
a cara verdadeira
é um álbum que custa trinta francos
e está cheio de caras (as verdadeiras caras dos anjos):
a cara de um negrinho faminto,
a cara de um caboclinho mendigando,
um vietnamita, um argentino, um espanhol, a cara
verde da fome verdadeira dos anjos,
por três mil francos a emoção em casa,
a cara verdadeira dos anjos,
a cara verdadeira dos homens,
a verdadeira cara dos anjos."


Julio Cortázar (1914-1984). Último Round (p.154-155).

Jogos de Guerra

Há os que acreditam na demonização de Hugo Chávez.
Há, também, os que estão prestes a patrocinar seu linchamento em praça pública em nome da suposta liberdade de desinformar e, óbvio, ganhar rios de dinheiro com isso.
Mas, felizmente, o outro lado existe. Tem cérebro e boca. E faz uso de ambos.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Tudo em volta está deserto. Tudo certo?

Eleições 2010 no Pará: jogo de cartas marcadas?
Escolham, se é correto dizer, entre o retorno dos que nunca se foram e a preservação, ampliada e sem quaisquer disfarces, de um tipo muito característico de estelionato da mudança.
Tudo somado, trata-se de uma não-escolha: rotos vituperando contra mal-lavados.
Será este um destino-manifesto?
Melhor acreditar que nem tudo está perdido.
Perseverar na crença de que o povo é sempre capaz de se colocar de pé, recuperando decoro, dignidade e crença no futuro, continua sendo o melhor antídoto contra o conformismo que embrutece.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

No olho do furação

O capitalismo sobrevive por meio da produção de espaço, no célebre diagnóstico de Henri Lefebvre (1901-1990) . Ou, nas palavras do geógrafo britânico David Harvey, através de "rearranjos espaciotemporais" complexos e contraditórios.
As guerras de ocupação - através de exércitos clássicos ou por formas ainda mais sutis sem serem menos brutais - estão aí para comprovar o quanto permanecem atuais esse diagnóstico que remonta ao início dos anos 70.
Nessa altura do campeonato, esse militante libertário tão jovial aos 74 anos, não perde oportunidade para denunciar os crimes cometidos em nome da liberdade de explorar e de lucrar. Mas, para além disso, usa sua voz para proclamar a esperança na necessidade e atualidade de uma onda anti-capitalista em escala planetária.
Suas palavras merecem ser lidas e espalhadas ao vento. Aqui, no site da Carta Maior.


Mãos de Gato

Livre concorrência?
Primado da iniciativa privada?
Que nada!
Por trás da agitada movimentação nos bastidores do leilão da usina de Belo Monte, protegida por uma espessa cortina de desinformação e boatos, aparecem operadores semi-ocultos que manejam com habilidade os reluzentes cordeis.
E quem são esses demiurgos que controlam a retaguarda do maior negócio - e maior desastre socioambiental anunciado - deste novo século?
Ora, os mesmos de sempre. Os fundos de pensão - Previ, Funcef e Petros - e o insondável BNDES, grandes financiadores da empreitada.
Ao lado das megaempreiteiras (Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez), sob a tépida chancela oficial, estarão perfilados os grandes beneficiários do setor eletro-intensivo (Vale, Alcoa e Votorantim). Carnaval bilionário e sem qualquer risco.
O que importa é que a margem de lucro seja a maior possível. Ainda mais quando o dinheiro a ser empregado na aventura não é o deles. Pelo contrário, a dinheirama sairá dos cofres públicos, remunerados por juros subsidiados e a longuíssimo prazo.
Nunca os pobres deste país financiaram o crescimento de tantas e tão suspeitas fortunas. Nunca.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Silêncio obsequioso

O édito foi proclamado com todas as letras: o militante do PT que vaiar a presença do prefeito Duciomar na festa dos 30 anos do partido, neste final de semana, já sabe que não passará incólume.
Resta saber se a ameaça coercitiva será suficiente para impedir gestos de rebeldia quando a governadora Ana Júlia adentrar ao recinto de braços dados com o polêmico prefeito do PTB.

À beira de um ataque de nervos

Bastou Barack Obama insinuar uma proposta de controle dos bancos para que a manada começasse a correr, em organizado desespero.
O mercado está nervoso.
Segurem-se todos, o piloto do cassino global não anda muito bem; está estressado.
É isso que explica a queda da bolsa, a subida do dólar e esse clima de tensão que domina os operadores em todos os cantos do planeta.
O motivo real? Sabe-se lá. Pode ser qualquer coisa. Ou nada. O importante é mover essa imensa nuvem de US$ 2 trilhões que todos os dias muda de mãos. Mas, que ninguém esqueça, sempre passando por entre os dedos dos mesmos integrantes da elegante casta dos donos do mundo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Onde jorra o leite e o mel

Calma, gente.
Não adianta lançar esse olhar invejoso.
Há, sim, um paraíso terrestre. Só que para entrar - e desfrutar de suas delícias - é preciso ganhar o bilhete premiado de feliz acionista da Vale, essa fabulosa fábrica de dividendos.

A conta da crise

Somente em 2009, ano da maior crise econômico-financeira desde 1929, consumiu mais de US$ 10 trilhões em ajuda para empresas e banqueiros. Tanto assim que até Obama quer - ou pelo menos diz que quer - recuperar parte dessa dinheirama. Só não sabe como, é óbvio.
Enquanto isso, a conta amarga e dolorosa segue sendo paga pelo elo mais frágil da cadeia do sistema do lucro acima de tudo: 212 milhões de desempregados em todo o mundo, somados à violenta precarização das relações de trabalho (1,5 bilhão de pessoas, ou metade da força de trabalho global). Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Luta de Classes

A desgraça se abateu isonomicamente sobre a população de Porto Príncipe no Haiti? Não, absolumente não.
Passados 14 dias da extraordinária tragédia, que vitimou 150 mil pessoas e destruiu, em 30 segundos, 60% do Produto Interno Bruto (PIB) haitiano, a imprensa começa a descobrir uma área da capital que quase não foi afetada pela hecatombe. Não por acaso, o bairro mais rico e luxuoso da cidade.

Fábrica de fazer dinheiro (para uns poucos)

A dívida púbica brasileira está prestes a romper a barreira de R$ 1,5 trilhão. Uma fábula, sem dúvida, sobretudo quando se sabe que no lado credor desfilam os mesmos potentados de sempre. Aqueles para quem nunca há tempo ruim. Com crise ou não, sempre chove (bilhões e bilhões) na horta dos felizes detentores de títulos do governo, remunerados com a maior taxa de juros do planeta.
E, apesar de tudo, há os que reclamam. De barriga cheia e sempre exigindo mais.

Quo Vadis?

O movimento do Fórum Social Mundial (FSM), na altura de seu décimo aniversário, vai defrontar-se, mais uma vez, com o mesmo dilema: espaço de articulação plural ou - simultaneamente - polo orgânico e mobilizador da resistência antineoliberal?
Em Porto Alegre, que volta a sediar o evento, a esfinge pede para ser decifrada. Com poucas chances de êxito, aliás.
Mais informações, aqui e aqui.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Plano de Ataque

Os barrageiros mostram suas armas.
Calam suas baionetas e organizam o ataque final.
A ofensiva já tem data marcada: fevereiro, lá pelas vésperas do Carnaval, que é para diluir a notícia entre confetes e serpentinas.
Assim, Belo Monte, a joia da Coroa do PAC, finalmente dará (ou, quem sabe, daria) seu primeiro e decisivo passo, com a liberação do encruado licenciamento prévio do Ibama e a conformação de dois megaconsórcios.
Este, pelo menos, é o plano que anima os sonhos daqueles que imaginam ser possível realizar uma obra capaz de provocar impactos socioambientais tão severos (e, em alguma medida, não de todo previsíveis) sem que aja a devida reação dos atingidos.
E é justamente aí que a equação não fecha: eles não são poderosos o suficiente para neutralizar (cooptar, desmobilizar ou, no limite extremo, extinguir) o movimento anti-barragem.
Pode ser apenas um detalhe. Um detalhe que certamente fará toda a diferença.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Retrato em sépia

Pouco a pouco a tragédia do Haiti parece que vai esmaecendo. As cores brutais de um país devastado e de um povo em frangalhos perdem o vigor, envelhecem na alucinante velocidade com que as notícias vão girando e se sobrepondo umas às outras.
Não demora muito e somente se ouvirá, de vez em quando, um eco distante daquilo que foi (e é) a maior catástrofe na história americana.
Imagine, porém, se não fosse Porto Príncipe a cidade devastada.
Imagine, só por um minuto, que Nova York, vitrene do capital e da exuberância do mercado, tivesse sentido, em pleno Central Park, o epicentro de um terremoto das mesmas dimensões e consequências daquele que massacrou o Haiti há apenas 11 dias.
Proporcionalmente, teríamos algo como 415 mil mortos, ou o equivalente a 138 vezes o número de vítimas do atentado ao World Trade Center, no sempre lembrado 11 de setembro de 2001.
É impensável que o mundo - e a grande mídia - virassem tão rápido uma página assim tão dolorosa.
A hecatombe haitiana , esta última que foi fruto de um fenômeno natural, apenas amplia e aprofunda os enormes efeitos de 200 anos de um massacre sem fim.
É a criminosa forma de tratamento que os Estados Unidos (e as demais potências) sempre dispensam ao Haiti que está na raiz da pobreza e da violência que dilaceram aquela pequena e sofrida nação caribenha.
Sem colocar o dedo nesta ferida, o mundo estará apenas receitando analgésico para o paciente vitimado por uma doença terminal.

Dividir para reinar

A política indigenista do governo Lula segue semeando polêmicas.
O recente decreto de reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) é um bom exemplo de como não se deve agir.
A opinião crítica é do secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto.

Estilo Caras de viver

Na política tradicional, em seus submundos ou nos andares ditos mais elevados, vigora uma lei de ferro: vale tudo para ganhar, com os fins - reais ou imaginários - impregnando os meios com mil justificativas.
Se alguém ainda duvida, não custa nada bater os olhos na bem-cuidada capa da revista Troppo - espécie de Sétimo Céu da high society paroara - encartada na edição deste domingo de O Liberal.


Dialética dos (múltiplos) sentidos da existência

"(...)

E depois? Que exércitos, areias e detritos cobrirão esta hora?
Hoje, amanhã, sepultada ou não, ou evocada, ou esquecida, recuso-me a existir só em meu rigor; ou só em minha desordem. Seja este momento, e assim minha existência, os ângulos dos geômetros e nos bichos do furacão".

Osman Lins (1924-1978), escritor brasileiro. Nove, Novena - Narrativas (Um ponto no círculo, p. 29).

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Jogo de espelhos

O sociológo argentino Atilio Borón não deixa pedra sobre pedra ao analisar as últimas eleições presidenciais chilenas. Esquerda versus direita? Antes muito pelo contrário. Aqui (em espanhol).

Sob a névoa da guerra

Wadih Damous é advogado. Ele preside a secção carioca da OAB.
Ele, definitivamente, não tem papas na língua.
Ele fala aquilo que o mais importante inquilino do Palácio do Planalto - encolhido em sua covardia - não está disposto a ouvir. Mas que nunca foi tão importante dizer, a quatro cantos e a plenos pulmões.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Santo Graal

Reclamar ao bispo? Que nada. Basta bater nas sempre solícitas portas da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e beijar a mão de Dom Gilmar Mendes I, defensor perpétuo da sacrossanta propriedade privada.
Foi o que fizeram os latifundiários do Mato Grosso do Sul e de Roraima. E não perderam a viagem.
Em poucas semanas, com uma única e certeira canetada, foram demolidos vários dos decretos presidenciais que em dezembro passado, depois de anos de espera, haviam homologado novas terras indígenas no país.
O ministro Gimar Mendes está todo prosa. Afinal, a belicosa Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária (CNA) saiu em sua defesa e se desmanchou em rasgados elogios. Não é para menos. 90% da recém criada terra indígena Arroio-Korá virou poeira. Era tudo que o agronegócio mais queria.
Os potentados que há décadas usurpam o direito ancestral dos Guarani Kaiowá e dos Guarani Nandeva no conflagrado MS podem mesmo dormir tranquilos. Não correm qualquer risco se depender de Mendes e seus acólitos, mesmo que estejam, como de resto toda a elite da qual fazem parte, brincando perigosamente à beira do vulcão. Adormecido e aparentemente extinto. Pelo menos à superfície.

Pedagogia do terror

Quem já assistiu Estado de Sítio (État de Siège, 1973), o antológico filme de Costa-Gravas, deve lembrar de uma cena em que Dan Mitrione, agenda da CIA que depois será sequestrado e morto pelos tupamaros, ministra uma aula prática de tortura para alunos brasileiros. Enquanto o preso é barbarizado sobre um palco, dezenas de aplicados alunos fardados aparecem atentos, tendo ao fundo, algo alegoricamente, uma vistosa bandeira brasileira. Ficção, propaganda ideológica da esquerda, bradarão alguns que preferem a proteção do silêncio e do esquecimento.
Para estes, vitaminados pela falta de coragem do governo Lula e pela nova onda pró-ditadura que a grande mídia impulsiona, recomenda-se a leitura de um livro muito especial e que já está na 33a edição. Trata-se de Brasil: Nunca Mais - um relato para a história (1a edição, 1985), com prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns, publicado pela editora Vozes.
Um pequeno trecho (página 31) para demonstrar que por aqui foram cometidos os mais odiosos crimes, cuja repetição em escala ainda mais terrível e ampliada não deve ser encarada como um simples devaneio da legião de adoradores de porões, tão em voga nos últimos tempos:


"Aulas de tortura: os presos cobaias

O estudante Ângelo Pezzuti da Silva, 23 anos, preso em Belo Horizonte e torturado no Rio, narrou ao Conselho de Justiça Militar de Juiz de Fora, em 1970:

(...); que, na PE (Polícia do Exército) da GB, verificaram o interrogado e seus companheiros que as torturas são uma instituição, vez que, o interrogado foi o instrumento de demonstrações práticas desse sistema, em uma aula de que participaram mais de 100 (cem) sargentos e cujo professor era um Oficial da PE, chamado Tnt. Ayton que, nessa sala, ao tempo em que projetavam "slides" sobre tortura, mostrava-se na prática para a qual serviram o interrogado, Maurício Paiva, Afonso Celso, Murilo Pinto, P. Paulo Bretas, e outros presos que estavam na PE-GB, de cobaias; (...)".

Aterrissagem forçada

Manuel Juan Cordero Piacentini é cidadão argentino e está prestes a ser extraditado para seu país. Lá, sob as penas da lei, será julgado pelos crimes de tortura e de assassinato de presos políticos durante os anos de chumbo da ditadura portenha (1976-1983). Ele é acusado de ter sido membro de um comando que agiu no Cone Sul sob os auspícios da chamada Operação Condor, engrenagem subterrânea que estaleceu a colaboração criminosa entre os diversos regimes militares então existentes na região para perseguir, prender e - muitas vezes - assassinar adversários políticos sequestrados em território do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai.
Este militar reformado deve estar maldizendo sua pátria natal. Se tivesse nascido na outra margem do rio da Prata, em solo brasileiro, estaria livre de qualquer transtorno. Quem sabe, inclusive, se não arriscaria receber uma comenda pelos altos serviços prestados à causa da democracia latino-americana, em solenidade patrocinada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) e outras do mesmo calibre.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Beco sem saída?

Retrato da dramática situação da educação brasileira: nem a metade dos brasileiros entre 15 e 17 anos está no ensino médio, e na faixa etária de 18 a 24, somente 13% dos jovens frequentavam o ensino superior em 2007. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e põe por terra, mais uma vez, a surrada promessa de transformar a educação em prioridade nacional.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Cores sem contraste

Não deve causar espanto que a direita pinochetista tenha voltado ao governo no Chile. Ao governo, bem entendido, porque jamais esteve completamente fora do poder.
A transição chilena, com forte conteúdo continuista, soube preservar o legado da política econômica marcada por um fundamentalismo neoliberal a toda prova.
Os governos ditos de centro-esquerda, capitaneados pelos remanescentes do Partido Socialista em aliança com a Democracia Cristã, foram responsáveis pelo aprofundamento e radicalização da inserção subordinada do Chile na economia mundial. Assim, é exigir muito que o eleitor comum veja alguma diferença fundamental entre o "oposicionista" Manuel Sebastián Piñeira e o governista Eduardo Frei, este aliás, ex-presidente (1994-2000) que tentava retornar com apoio da presidenta Michelle Bachelet.
Esse modelo em que os partidos se revezam sem sequer triscar naquilo que de fato interessa aos grandes monopólios nacionais e estrangeiros vai esterilizando a política, transforma em jogo de sombras e em palco para o confronto de grandes e viciadas máquinas partidárias. Nada além disso, infelizmente.

Caminhos Cruzados

O diabo, como todos estão carecas de saber, mora mesmo é nos detalhes.
Um minúsculo equipamento, pesando sabe-se lá quantas gramas, pode levar o barco a pique. Incrível? Mas pode ser verdade.
Bastou apenas uma operação de busca na casa de altos executivos da Camargo Corrêa destampar um caldeirão contendo relações perigosas envolvendo governantes de distintas legendas e os milionários interesses da mega-empreiteira para que o pânico se instalasse no andar de cima. Tudo porque no meio dos equipamentos apreendidos estava um singelo Pen Drive. E dentro desta pequena peça da nanotecnologia, algumas anotações e planilhas profundamente comprometedoras.
Puxando o fio da meada, policiais e procuradores federais foram descobrindo nomes, sobrenomes e muitos números, indicando um intrincado labirinto por onde circularam milhões de reais sangrados dos cofres públicos.
Até aí não chega a ser uma história muito inédita. O que desperta atenção, porém, é o suposto envolvimento do governo petista do Pará e de seus - à época - aliados do PMDB. Estão todos lá, com riqueza de detalhes, como beneficiários de pagamento de propina, na proporção de 5% e de 3% respectivamente, pela liberação de restos a pagar do não menos suspeito pacote de obras de construção de cinco hospitais regionais no interior paraense, levados a cabo, na quase totalidade, durante o governo de Simão Jatene (PSDB).
É aí que surge a emblemática conta secreta em Taiwan, em nome de uma certa Tiger Information. Esses tigres, convenhamos, podem ser bem reais. Eles sobrevivem apenas com uma boa e farta ração de papel moeda.
Com o inquérito suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), talvez jamais se descubra a verdade. Uma pena, sem dúvida.



segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Rasgando o silêncio

Não é fácil remar contra a maré da mídia oligopolizada. Mas nunca foi tão urgente e necessário travar essa batalha, no verdadeiro estilo Davi contra Golias.
É o que faz o jornalista espanhol Pascual Serrano, um dos fundadores do portal Rebelion, um dos mais conceituados espaços livres na internet.
Sua entrevista ao Brasil de Fato é uma ótima pedida para esse início de semana. Boa leitura.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Esgoto a céu aberto

Quem tiver paciência - além de luvas, botas e máscaras - está livre para se aventurar na tortuosa leitura da entrevista em página dupla que o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), concedeu a uma trinca de bons repórteres do Diário do Pará, neste domingo, 17.
Desconsiderando-se a baboseira de sempre, com aquelas frases feitas e desbotadas, resta um político que desnuda, nas entrelinhas, uma carga de deboche poucas vezes revelada ao grande (e passivo) público.
Merece uma moldura a seguinte afirmação, sacada para responder àpergunta de que ele, Duciomar, seria sócio da Belém Ambiental: "Eu aceito a sociedade! Eu disse várias vezes. Não tenho nada contra...É só passar para o meu nome! Esse negócio de laranja não dá certo... Se for legal eu aceito".
Mas é claro que não se está falando em negócios legais. Muitíssimo pelo contrário. O tema que se infiltrou em boa parte da entrevista é o do submundo da política que transforma detentores de mandato em empresários bem sucedidos, cuja fortuna em ascensão é sempre fruto da proximidade promíscua com os cofres públicos.
Fazer blague com um tema desse só pode ser obra de alguém que tenha perdido, sabe-se lá há quanto tempo, qualquer noção de culpa. E por que sentiria culpa se tudo que fez, faz e (ainda desgraçadamente) fará tem como base a aceitação, muitas vezes entusiasmada, de suas próprias vítimas, reduzidas a uma espécie de exército eleitoral de reserva?

Vem aí a Sétima Cavalaria

O horror inimaginável de Porto Príncipe, soterrado pelo manto da morte e da dor, continua provocando uma comoção mundial sem precedentes.
Porém, em alguns sítios privilegiados, são outros os sentimentos que dominam. "Façam as contas. Não sobrou pedra sobre pedra...É hora de avançar...".
Não pensem que os calculistas de plantão estejam apenas estimando o número de médicos e de frascos de morfina que serão necessários. Isso é só a primeira leva, o batalhão precursor. Logo, em pouco tempo, uma verdadeira expedição de conquista desembarcará na devastada ilha caribenha, com seus reluzentes buldozers para "limpar o terreno" e iniciar a "reconstrução". Tudo por obra e graça das solidárias corporações do Uncle Sam.
É isso que deve ser depreendido da afirmação da secretária de Estado Hillary Clinton, ao pisar ontem (16) o solo da devastada capital haitiana, segundo a qual os Estados Unidos ficarão por lá "hoje, amanhã e possivelmente no futuro", pois seu país é "amigo e sócio" do Haiti.
Amigo e sócio? Brincadeira de péssimo gosto.
Os Estados Unidos são os principais responsáveis pela miséria e desgraça que se abate sobre o povo haitiano e não é de hoje. Remonta a uma inifidade de invasões e de patrocíonios a ditaduras sangrentas por todo o século XX.
Agora, diante de um desastre sem precedentes, eis que a "tela branca" que tanto excita os adeptos da doutrina do choque e pavor se apresenta como uma enorme possibilidade. De afirmação de poder geopolítico e de excelentes negócios, uma arca de vários bilhões de dólares, capazes de abrir o sorriso de magnatas que, provavelmente, não tinham a menor ideia de que existia, esquecido a poucas milhas da costa dos Estados Unidos, uma pequena e massacrada república que um dia ousou erguer, com primazia e destemor, a bandeira da liberdade em terras americanas.

Dialética da tragédia como arma de combate

"O anseio por poderes divinos de criação total é a razão pela qual os ideólogos do livre mercado são tão apegados a crise e desastres. Uma realidade não-apocalíptica simplesmente não abarca suas ambições. (...)Aqueles que acreditam na doutrina do choque estão convencidos de que somente uma grande ruptura - uma inundação, uma guerra, um ataque terrorista - pode criar o tipo de tela branca, grande e limpa que eles tanto procuram. É nesses momentos maleáveis, quando estamos psicologicamente fragilizados e fisicamente esgotados, que esses artistas esfregam as mãos e iniciam o seu trabalho de refazer o mundo."


Naomi Klein. A doutrina do choque (a ascensão do capitalismo de desastre). 2008, p.31.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Coração Vermelho

Daniel Bensaid se foi. Seu legado de coerência e sua crítica radical ao capitalismo permanecem presentes nos estandartes rubros que se levantam nos quatro cantos deste planeta em permanente efervescência.

Tubarões em festa

Primeiro foi Daniel Dantas, agora são os executivos da Camargo Corrêa que têm seus engravatados pescoços salvos por uma inusitada canetada no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As provas da Operação Castelo de Areia vão diretamente para a lata do lixo. Seriam fruto de escutas ilegais, segundo o diligente (e muito bem pago) trabalho dos advogados da empreiteira.
Já a dinheirama que que fez a alegria de um punhado de corruptos de variadas colorações ao longo dos últimos anos - em valores de muitos e muitos dígitos - estão muito bem agasalhados. Em lugar quentinho e absolutamente seguro.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Por trás da esperteza

Não há dúvida de que Lula se vergou às pressões da caserna e dos setores mais retrógrados da sociedade brasileira. A revisão do Plano Nacional de Direitos Humanos, foco de conflito dentro e fora do governo, possui um significado muito maior do que qualquer questão semântica.
O decreto assinado ontem (13) detalhando os parâmetros de trabalho de uma futura Comissão da Verdade representa a própria negação da mais remota possibilidade do país assistir, algum dia, o esclarecimento (e eventual punição) dos crimes de lesa-humanidade perpetrados pelos agentes - fardados ou não - do regime de 64.
O jornalista Janio de Freitas, na Folha de hoje, desvela o embuste que está subjacente a mais uma jogada saída da cartola de um presidente que parece ter medo patológico de enfrentar os conflitos com os poderosos de sempre. E esses conflitos, todos sabem, são indispensáveis para dar face a qualquer governante que pretenda manter sua espinha dorsal ereta.

Zilda Arns, a força do exemplo

Ainda muito haverá de se escrever sobre o legado de Zilda Arns.
A força de seu exemplo de vida, sua devoção extraordinária à luta pela justiça e sua perene confiança na força do povo devem servir de fonte para aqueles que não desistem de caminhar.
Frei Betto está entre esses e deixa um testemunho que merece ser lido. Aqui.

Dialética da América que sangra

San Vicente


Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto, vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte

Coração americano
Um sabor de vidro e corte
A espera na fila imensa

E o corpo negro se esqueceu
Estava em San Vicente
A cidade e suas luzes
Estava em San Vicente
As mulheres e os homens

Coração americano
Um sabor de vidro e corte

As horas não se contavam
E o que era negro anoiteceu
Enquanto se esperava
Eu estava em San Vicente

Enquanto acontecia
Eu estava em San Vicente

Coração americano
Um sabor de vidro e corte

Milton Nascimento e Fernando Brant

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Choque e Pavor

O Haiti, nação mais empobrecida das Américas, está afogada num mar de destruição e dor.
Tragédia dentro de uma tragédia sem fim, o terremoto de ontem pode ter vitimado, segundo as primeiras estimativas, mais de 100 mil pessoas. Os danos materiais gigantescos só amplificam, em escala extraordinária, a crise humana e social que mantém o povo haitiano refém da violência e da barbárie há décadas, sem que a comunidade internacional transforme as supostas boas intenções em medidas concretas de ajuda.
Em meio a tanta desgraça, o Brasil assiste, estarrecido, à morte de 11 militares integrantes da Minustah (Missão de paz da ONU no Haiti) e da médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança e símbolo do radical compromisso com os mais pobres e despossuídos.
Que se organize, em todos os cantos, uma campanha solidária em apoio aos irmãos do Haiti.
Este gesto solidário vale como uma declaração de fé no futuro e contribui para eternizar o legado de Zilda Arns, esta legítima filha do povo brasileiro.




Coleta Seletiva

O prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), deve ter amanhecido com uma baita dor de cabeça. E não foi em decorrência de algum exagero etílico. É que ele foi recebido pela multidão que lotou ontem à noite a Aldeia Cabana com uma profusão de vaias e apupos variados, tão logo sua presença foi anunciada pelo serviço de som. Alguns mais exaltados resolveram praticar tiro ao alvo fazendo chover latinhas de cerveja sobre o palco. Um vexame completo. Por motivos óbvios, Duciomar não demorou quase nada para bater em retirada, levando no rosto aquela expressão de paisagem que todo mundo está cansado de conhecer.

Pintados para a guerra

Cerca de 500 indígenas estão acampados em Brasília. Na face, as cores da guerra contra o mais novo decreto que reestrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai), sem cumprir o critério básico de consultar os principais interessados.
O antropólogo paraense Márcio Meira, presidente da Funai, caiu em desgraça. O mínimo que as lideranças exigem, além da imediata revisão do decreto, é sua saída da direção do órgão.

Língua de trapo

Menos de 48 horas após a governadora Ana Júlia (PT) pintar com tintas da fantasia a situação das delegacias e dos presídios paraenses, em entrevista ao vivo ao jornalista Mauro Bonna (TV RBA), eis que a realidade, essa madrasta insolente, teima em mostrar sua verdadeira face.
Matéria publicada hoje em O Liberal revela a situação de barbárie que impera na "delegacia" de Igarapé-Miri, município a escassos 78 km da capital, onde os presos - inclusive mulheres e adolescentes - são amarrados com cordas às grades improvisadas. Amontoados em absoluta promiscuidade. os detentos comem o pão que o diabo amassou.
As fotos são chocantes e não deixam margem a dúvidas: trata-se, isto sim, de uma senzala do século XXI, uma péssima moldura para quem se esgoela repetindo ser "um governo que cuida das pessoas".

Para falar de flores, sim senhor

Uma história exemplar de verdadeiros filhos desta Pátria, Brasil.
Uma história de um filho da Amazônia transformado em pó - em sangue e em dor - pela máquina de moer gente instalada nos porões de uma República que não quer se revelar por inteiro.
Vale a pena ler.
Vale a pena se indignar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O grande (e único) eleitor

As democracias - quase todo mundo crê - são sustentadas pela soberania do voto popular. Alguém duvida? Pois deveria, porque as aparências estão aí mesmo para semear o engano.
Vejamos um caso recente e muito ilustrativo. O povo argentino elegeu, em 2007, Cristina Kischner como sua presidenta. Ela recebeu 44% dos votos numa eleição consagradora. Daí se deduz que cabe principalmente a ela a condução dos assuntos do Estado argentino. Dedução lógica mas imperfeita. Cristina pode quase tudo, ou melhor, pode tudo desde que não resolva governar de fato, alterando os rumos da política monetária e econômica do país, cuja competência exclusiva compete, por decisão de um único e decisivo eleitor, o intangível mercado, ao presidente do Banco Central, "autônomo e independente", como costumam dizer por lá (e também, não por coincidência, por aqui).
O caso da demissão do presidente do BC argentino, por ordem direta da presidenta, e sua imediata recolocação na cadeira por decisão judicial, deveria colocar lenha na fogueira deste debate. Afinal, o que está em jogo é a soberania. Do país (e de seu povo) ou dos deuses que povoam Wall Street e seus múltiplos satélites ao redor do mundo.
A ditadura dos "técnicos", na palavra insuspeita do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, é um fantasma que também nos ronda. Ou será que aqui já se instalou, confortável e tranquilamente, por sobre a supostamente poderosa Esplanada dos Ministérios?

Canção para não dormir

Muito falado (e mais ainda difamado), mas pouquíssimo lido e corretamente entendido, o Plano Nacional de Direitos Humanos, em sua terceira versão, virou um terrível espantalho. Portador, segundo porta-vozes de uma elite à beira de um ataque de nervos, de intenções totalitárias e de esmagamento das (supostas) liberdades vigentes, o plano - ou melhor, os planos de FHC a Lula, merecem um pouco mais de atenção, coitados.
Que tal lê-los na íntegra, aqui. O único risco é ver uma enorme coleção de máscaras - de variados tipos e matizes - adornando o reluzente chão de palácios e de gabinetes localizados nas alturas da pirâmide brasileira.

Memória de fogo - Os primeiros embates

"1617 - 1618

Desbarata o Capitão-Mor Francisco Caldeira a sublevação das aldeias do Cajú, e de Mortigura*, vizinhas da Cidade**, e o sertão do Iguapé, tudo residência dos Topinambazes, mandando sobre eles o Sargento-Mor Botelho da Vide, e os Capitães Alvaro Neto e Gaspar de Freitas Macedo. Novamente se vê necessitado a bater os Topinambazes: ordena ao alferes Francisco de Medina que marche contra eles, que se acham formados em corpo no rio Guamá em sítio acomodado à defesa. O dito oficial os ataca de modo que poucos se isentaram dos seus duros golpes".


Antonio Ladislau Monteiro Baena ("Moço Fidalgo da Imperial Caza, Cavalleiro da Ordem Militar de S. Bento de Aviz, Sargento Mor e Commandante que foi do Corpo de Artilheria de Linha da referida Província, e Professor da sua Escola Militar, &ct.). Compêndio das Eras da Província do Pará (1838; 1967, Universidade Federal do Pará).


* Atual Vila do Conde

** "É a baía que hoje chamam de Marajó; e quanto ao Iguapé e Cajú é verosímil que sejam passagens vizinhas à baía" (nota original do autor).

Batismo de fogo

No espelho invertido, a mesma história (ou melhor, a mesma estória), contada e vista pelo outro lado, de dentro e do mais fundo das profundezas mesmas do ventre da floresta:

Na bruma da primeira manhã, sem prévio aviso, apareceram no horizonte, como se baixadas do céu, três gigantescas canoas. Dentro delas, seriam homens, aqueles cobertos por roupas estranhas?
O que dizem e o que querem, imersos na confusão de palavras que não fazem o menor sentido?

Não tardará, porém, o dia em que a boa acolhida que receberam será paga com ferro e fogo.
Não tardará, também, o dia que o céu será riscado pela primeira flexa e a floresta vesgatada pelo primeiro grito de horror.

O sangue que adubará a terra, misturado pela pólvora dos invasores, será tão extenso como o mesmo rio, com suas águas sem fim e seus filhos que não terão nascido para cumprir o vil papel de escravos,

Diário de Bordo

"12 de janeiro de 1616

Depois de 18 dias de viagem, transposta a barra do Seperará, ancorava a frota portuguesa na baía chamada pelos naturais de Paraná-Guaçú. Todo o litoral era habitado pelos índios tupimnambás, que não se mostraram hostis, neste primeiro encontro, com os invasores.

Ernesto Cruz".

Citado por Haroldo Maranhão. Pará, Capital: Belém: memórias & pessoas & coisas & loisas da cidade. (Belém, 2000).

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O nome da crise

O silêncio de Lula em torno da polêmica sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos é o principal responsável pelo alastramento da crise. Artificial e deliberadamente insuflada pelos setores mais reacionários da sociedade brasileira, a onda de protestos contra o plano revela como estão vivos os germes que estiveram presentes, quatro décadas atrás, na gênese do regime militar. Com novas e vistosas roupagens, com certeza.
Diante da anomia do presidente, que age como se o assunto não lhe dissese respeito, cresce a anarquia no governo. Primeiro foram os militares e o ministro da Defesa a protagonizar cenas explícitas de quebra de hierarquia. Agora, sob o influxo do chilique midiádico da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e congêneres, o ministro do agronegócio e da devastação ambiental, Reinhold Stephanes, aproveitou a janela para colocar as garras de fora e insultar um documento que levou a assinatura do presidente da República e de quase toda a esplanada dos ministérios. Tudo impunemente? Se for assim, Lula estará encurtando seu último ano de mandato e delegando definitivamente a autoridade de governar para as forças do atraso.
Enquanto as chamas da polêmica crescem sem parar, Lula, ao que parece, dá sinais de que, finalmente, vai dar um passo. Para trás, infelizmente.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Estado de Sítio

Esta é para os que acreditam - e muitos o fazem de maneira sincera - que Israel seja uma democracia. Aliás, a única democracia do Oriente Médio.
Noves fora a propaganda ideológica, o que resta é um estado policial, ferramenta de um regime de apartheid que parece não ter fim.
Desde 16 de dezembro está preso o ativista Mohammed Jamal (Jamal Juma, como é conhecido). Ele foi detido pelas forças de segurança de Israel sem acusação formal e ficou muitos dias incomunicável, sem acesso a familiares e advogados.
Quem é Jamal? Trata-se de um perigoso militante de alguma organização armada da resistência palestina? Será um potencial homem-bomba?
Não, nada disso. Ele é um militante da luta pacífica e da desobediência civil. Jamais se alçou em armas - aliás, um direito consagrado a todos os povos que vivem sob o regime da opressão colonial. Sua militância está vinculada à criação de ONGs pacifistas, que procuram construir pontes entre a sociedade civil palestina e o que resta de consciência crítica no seio do povo israelense, brutalizado por anos a fio pelo discurso que justifica a violência e a limpeza étnica para preservar seu alegado direito de existência como um estado nacional, sem fronteiras definidas e ao arrepio de uma penca de resoluções das Nações Unidas.
Jamal Juma é fundador e principal figura pública da Campanha Parem o Muro (Stop the Wall), que denuncia internacionalmente o horror representado pela construção do gigantesco muro por dentro do território palestino. É esse seu crime e é por isso que está, no presente momento, padecendo das agruras dos cárceres das autoridades de ocupação.
Vozes se levantam contra essa atrocidade. Junte-se a elas. Vale a pena. Sempre.

Página Crítica, Ano 3: Sempre um recomeço.

E lá se vão dois anos de jornada. Desde 29 de dezembro de 2007, o Página Crítica está no ar, espargindo sementes, cavando trincheiras, buscando - dentro de suas múltiplas limitações - travar o bom (e indispensável) combate.
É sempre hora de recomeçar. Recomecemos, pois.
Durante este tempo, a atualização diária deste espaço tem se constituído em um misto de prazer e obrigação (aliás, nem sempre cumprida, como serve de prova o silêncio dos últimos quatro dias). E mais importante, a própria razão de ser deste blog, é a participação dos leitores. Não tão numeros, mas bastante fiéis.
Que 2010, com suas trama de enormes desafios, seja um campo fértil. Que se abram os caminhos e se derrubem cercas que tentam aprisonar o debate no emparedamento da não-escolha, na falta de alternativas reais para abrir novos (e promissores) horizontes.
Espero continuar contando com a presença dos leitores e da sempre bem-vinda crítica dos que se acostumaram a buscar, de vez em quando, alguma novidade neste território vocacionado à reflexão e à polêmica.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Vendetta

A Polícia Militar paraense abre o ano sob suspeita de ter patrocinado mais uma chacina. Desta feita, morreram quatro acusados de envolvimento na morte de um cabo da PM, assassinado fora do serviço enquanto fazia "bico" como segurança de um bar na periferia da capital.
Rotina sangrenta que entrará para os anais como "Auto de resistência", sem que seja possível comprovar tecnicamente até onde ocorreu resposta a bala ao cerco policial, ou se tudo não passou de execução sumária, ato de vingança pura e simples.
Todos os mortos ainda foram transportados até o Pronto Socorro, mas lá chegaram mortos, como costuma invariavelmente acontecer.
O local dos disparos, violado de forma escandalosa, permanecerá mudo, sem jamais poder contar a história verdadeira do que se passou em mais uma madrugada sangrenta.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Procura-se: Coveiro

O regime militar de 64 é um cadáver insepulto. Quem será capaz de jogar a última pá de terra sobre essa terrível herança que pretende se eternizar?

Acorda, Alice. Ainda há tempo

Brasil, país das maravilhas, dormiu no berço mais esplêndido da maciça propaganda neste final de ano. Não se tratou apenas do previsível bombardeio da mídia governamental. Esta, como era de se esperar, ancorada na versão "Pra frente, Brasil" do reinado lulista. O que chamou atenção foi a verdadeira enxurrada de filmes promocionais das mais importantes corporações do país que louvaram as conquistas do ano que terminava e lançaram luz sobre o futuro brilhante que nos espera virando a esquina.

É só assim que devem ser lidas as campanhas de mastodontes como a Vale, Bradesco e Itaú, por exemplo, todas sintonizadas com a disseminação do clima de inegável otimismo verde e amarelo.

Esta aliança midiática estatal e privada bateu, à exaustão, na promessa da combinação de gigantismo econômico com uma (suposta) política de distribuição mais equânime dos resultados do crescimento. Sua eficácia, porém, não deve ser desprezada, justamente porque não labora sobre campo infértil. Ao contrário, surfa numa onda que tem raízes na realidade concreta.

A questão é saber até quando o efeito lisérgico perdurará, encobrindo com lantejoulas douradas uma sociedade fraturada de cima abaixo, que sangra e expele suas mazelas através de espasmos contínuos de uma barbárie que vai se incorporando ao cotidiano de todos, sem respeitar, vez por outra, mesmo os muros de proteção que a elite busca erguer para manter longe, na planície distante, os ecos da surda guerra civil que não dá sinais de arrefecimento.

É evidente que tudo já está inscrito no contexto sucessório de 2010. Mas não de uma forma tão direta e unilateral como a primeira vista pode parecer. O jogo é um tanto mais complexo, sem deixar de ser bruto, como convém às disputas onde não estão em jogo o que efetivamente importa. E as fichas vão sendo lançadas sobre o enorme pano verde do multimilionário cassino eleitoral, não necessariamente em um único e solitário número. Apostas múltiplas são aceitas sem problemas. Ganhar ou ganhar (com este ou aquele candidato da ordem, pouco importa) se transforma em questão de sobrevivência. Vale dizer: sobrevivência de um modelo que deve se perpetuar – com maiores ou menores ajustes – desde que os interesses dos de cima sejam corretamente preservados.

Apesar de tudo, um ano novo é sempre um tempo de expectativas. De renovação de esperanças, por mais esquálidas e esfarrapadas que estas possam parecer para os que foram dilapidando a capacidade de indignação ao longo do tempo.

Uma hora dessas, quase sem aviso aparente, eis que o gigante desperta. E seu rugir soará como música para uns e como o réquiem desesperador para outros que dormem embalados pela falaciosa pretensão de ter posto o ponto final na História.