quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Corredor selvagem

De uma fonte do Blog, após ter ouvido o relato da mãe de um preso recolhido à masmorra da Seccional da Cremação, periferia de Belém:

"Na delegacia da Cremação, ontem, todos os presos foram espancados de forma vergonhosa e na frente dos familiares que estavam tentando pelo menos vê-los. Algemados, com as mãos nas costas, sem camisa, só de shorts e apanhando por uma fileira da Rotam (ex- Patam), um soldado após o outro, cada um com seu farnel de ódio, violência, truculência. Confirmando que o Estado é o maior violador dos direitos humanos".

Cena corriqueira, que já não causa escândalo. É como se estivesse incorporada à paisagem. A tortura de presos, nas delegacias e mesmo nos presídios, é quase um procedimento padrão, item indispensável na cartilha que, via de regra, levará a grande maioria dos detentos ao último círculo do inferno. De lá, como se sabe, volta-se mais monstro do que homem, pronto para ser, sem dó nem piedade, parte integrante da engrenagem que reproduz a espiral de violência e morte.
A ONU acaba de apresentar o Brasil como uma nação onde se tolera a tortura, a desigualdade social e o racismo. Aspectos inseparáveis de um legado de quatro séculos de escravidão, que fincou raízes muito profundas e se mantém quase inalteradas não importando muito as mudanças de ciclos econômicos ou de regimes políticos.
Com três anos de atraso, o governo anuncia para março o envio de relatório à ONU, onde detalhará as medidas que julga estar fazendo para minorar o quadro, que admite ser grave, até porque reconhece a prática da tortura, as execuções extrajudiciais na cidade e no campo, a concentração da terra, da renda e da riqueza como fontes primordiais da violência. Mea culpa necessária, mas insuficiente.
Enquanto não houver uma política de Estado que imponha tolerância zero diante dos crimes de tortura, ao passo em que aja sobre as causas estruturais que geram os miseráveis que são suas vítimas cotidianas, estaremos diante de belos discursos de justificação, lastreados por boas e inúteis intenções.

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