terça-feira, 22 de abril de 2008

Impressões de Cuba

Recebo e publico com enorme prazer este texto do jornalista e cineasta Luiz Arnaldo Campos. Ele esteve na Ilha na semana entre 6 e 13 de abril, participando, na qualidade de palestrante-convidado, do Encontro Hemisférico contra os Tratados de Livre Comércio, que ocorreu em Havana.
Eis as impressões de alguém que acompanha o processo cubano - seus êxitos e seus impasses - com olhos solidários e com coração latino-americano, batendo firme sempre no lado esquerdo do peito:

Na semana passada regressei à Cuba depois de vinte e tres anos. Ao invés da terra arrasada, anunciada pela VEJA e publicações do mesmo naipe, encontrei a ilha num estado de alegre trepidação, indicando que vão ficando para trás os tempos duros do período especial, adotado após a queda da União Soviética. Nas ruas de Havana, modernos ônibus articulados made in China, trazem conforto à população que passou anos submetida aos caminhões transformados em transporte de passageiros. No fim de semana, famílias cubanas já marcavam presença nos hotéis, antes reservados exclusivamente aos estrangeiros, desfrutando das delícias do turismo internacional. Num passeio noturno pelo Malecón, a avenida beira-mar que nos sábados à noite reúne todas as tribos da cidade, foi possível surpreender jovens cubanas exibindo seus novos aparelhos celulares para as amigas.
Hotéis internacionais, celulares, aluguel de carros de passeio estavam proibidos aos cubanos durante o período especial como forma de não permitir o alargamento ou a manifestação do alargamento das diferenças sociais, inevitáveis quando se tem que apelar ao turismo intensivo como forma de sobrevivência. Agora,as direções partido e do governo parece que chegaram à conclusão de que tantas proibições faziam mais mal que bem e o relaxamento das medidas draconianas conta com o visível apoio da população.
Turistas europeus e japoneses estão por todos os lados, principalmente em Habana Vieja, onde a restauração do belíssimo casario colonial segue acelerada. Na verdade, a recuperação econômica em curso deve muito à eles que gastam em CUCs , o peso conversível, a moeda forte cubana cujo valor excede em vinte e cinco pontos, o peso cubano normal, utilizado pela população da Ilha. É claro que tal invasão não poderia deixar de imprimir algumas marcas desejáveis ou indesejáveis, segundo o ponto de vista de cada um. Nos hotéis, pelo menos, a antes orgulhosa recusa da gorjeta, citada por Fernando de Morais no seu famoso livro, foi deixada inteiramente para trás. E é claro existem as famosas jineteras, as moças que buscam prosperar através do sexo, espalhadas ao longo das avenidas mais afastadas do centro ou que voejam como pássaros ao redor de estabelecimentos que oferecem rum, tabaco e a boa música cubana. Existe também um mercado negro de produtos buscados por turistas, como charutos. Ao se aproximar da fábrica Habanos que oferece visitas guiadas pela linha de produção, o visitante é abordado por indivíduos que oferecem os puros, legítimos, por preços bem inferiores aos da loja oficial. As caixas de charuto, obviamente retirados de forma sorrateira da fábrica são oferecidas num cômodo de um prédio decadente, transformado em cortiço. Todos estes expedientes são condenados em variados artigos do Gramma e da Juventude Rebelde – os diários do país- e sofrem perseguição policial, mas, fazem parte da paisagem atual de Havana e pelo menos no caso da prostituição gozam de uma tolerância social, como se muitos cubanos reconhecessem que a mais antiga profissão do mundo não pode mesmo ser debelada por leis e decretos. Diga-se de passagem que esta tolerância estendeu-se também aos homossexuais;antes ignorados ou discriminados possuem , agora , um point no Malecón, onde se encontram à vista de todos.
Com tudo isso Cuba está muito longe do final apocalíptico anunciado pelos jornalistas à soldo de Washington. Caminhar pelas ruas de Havana continua sendo um experiência emocionante para quem tem no coração os sonhos de justiça e igualdade social. O povo, com suas diversas cores, vestido modestamente, mas bem vestido, alimentado, circula tranqüilamente pelas lojas e armazéns que apesar da ausência de artigos de luxo estão bem sortidas daquilo que é básico. Nada da sujeira ou da tensão das grandes cidades do Terceiro Mundo. Um amigo meu que trabalha no Centro Martin Luther King, vinculado à Igreja Batista, assegurou-me que é literalmente impossível alguém ser vítima de um assalto à mão armada e por todo lado se compartilha da proverbial alegria cubana e do orgulho por continuarem de pé, resistindo ao bloqueio, os atentados e ameaças provenientes do maior Império da história mundial.
A passagem de comando de Fidel para Raul Castro vai bem, obrigado. Amigos, militantes do partido, me revelaram que a expectativa com o atual processo de debate, aberto publicamente pelo atual mandatário é melhorar a qualidade do socialismo cubano, ampliando a participação popular. É claro que manifestam preocupações a longo prazo. Afinal de contas não é fácil a um pequeno país com limitados recursos naturais, manter-se socialista num quadro mundial adverso, porém enfatizam que a possibilidade de alteração do sistema é algo que só existe nos sonhos delirantes de Bush. A impressão geral é que o partido mantém firme o leme ao mesmo tempo que proclama a importância das divergências serem reconhecidas, valorizadas e discutidas, como fez Raul Castro no encerramento do Congresso da União de Escritores e Artistas Cubanos, ocorrido na semana passada. Quanto a Fidel, este prossegue publicando seus artigos – As Reflexões do Companheiro Fidel - textos que primam por enfatizar os valores éticos e morais da Revolução e a necessidade de serem defendidos a qualquer custo. Nas ruas, Fidel continua merecendo carinho ou, no mínimo, respeito. Nos atos e manifestações os militantes o citam diversas vezes com um amor e admiração sinceros . É impossível escapar da sensação que estão se despedindo do seu grande Comandante.
Depois de ter seu fim anunciado diversas vezes, Cuba Socialista continua navegando e o segredo desta Revolução que em janeiro próximo completará seu cinqüentenário parece estar na força e firmeza dos seus ideais. Tive a oportunidade de assistir vídeo intitulado Como Um Anjo, uma reportagem sobre o trabalho de solidariedade realizado pelos médicos cubanos em países da África, Ásia e América Latina. Não há como não se emocionar diante dos relatos e testemunhos que comprovam o compromisso solidário de enfrentar a miséria nos quatro cantos do mundo e elevar , por pouco que seja a quota de felicidade da população terrestre. Para além das missões médicas,o governo cubano ministra tratamento na própria Ilha para os despossuídos do mundo, fornece ensino médico à estudantes de diversos países e funda escolas de medicina e enfermagem nos mais distantes rincões do globo. Certa vez referindo-se ao apoio cubano (civil e militar) às lutas de libertação dos povos africanos, Amílcar Cabral, líder da independência de Guiné-Bissau, disse: ¨quando os cubanos se retiraram não levaram com eles nenhuma grama de ouro, nem uma folha de árvore, levaram tão somente os corpos de seus soldados que lutaram pela liberdade¨. Vendo o vídeo e pensando nestas palavras imediatamente me assaltou a idéia de que a ONU, ou na ausência dela,o s povos do mundo inteiro deveriam conferir ao povo cubano o título de Benfeitores da Humanidade.

3 comentários:

Mauricio Leal disse...

fiquei emocionado com esse relato, nossos sonhos de uma sociedade livre, justa e socialista ainda tem em cuba o nosso espelho para mostrar q outro mundo e possivel

Anônimo disse...

Quem bom saber que Cuba continua livre, e que a futura ausencia de Fidel em nada mudará a revolução cubana. Estarei lá comemorandoos 50 anos de revolução, vamos organizar uma delegação.

Anônimo disse...

Isso me pareceu roteiro turístico.
Cláudio