terça-feira, 11 de novembro de 2008

A voz que não se cala

A África está órfã. Estão órfãos também seus milhões de filhos, espalhados no enorme continente ou submetidos à diáspora pelo mundo afora. Ontem, 10, com o coração fulminado, calou-se, para sempre, a garganta da cantora e militante política sul-africana Miriam Makeba, a "Mama África", com 76 anos de vida e de incessante luta pela afirmação da felicidade humana. Radical, jamais compactuou com os opressores, nem emprestou o seu talento para enfeitar o palanque de ditadores ou de títeres coloniais. Por isso, foi perseguida e ultrajada, em sua própria pátria ensangüentada pelo abominável apartheid e em outras porções do planeta cuja democracia costuma terminar na porta das fábricas ou das cozinhas. Exilada por décadas, somente retornou à sua África do Sul quando Nelson Mandela alcançou, em 1990, a tão buscada liberdade e já era irreversível a revolução pacífica que varreu, para sempre, o monstruoso sistema de discriminação racial naquela porção do continente africano.
Um pouco antes de morrer, Makeba, mesmo com a saúde muito debilitada, em cadeira de rodas e amparada pelas netas, fez questão de participar de um ato público, em Castel Volturno, no sul da Itália, em protesto contra o assassinato de seis imigrantes africanos a mando da Camorra, em setembro passado. As vítimas pereceram nas mãos da máfia, que controla a ferro e fogo uma extensa rede de escravidão contemporânea, entre outros lucrativos negócios criminosos.
A grande voz da África insubmissa se calou, mas, paradoxalmente, será cada vez mais ouvida e apreciada, em todas as latitudes e por pessoas de todas as cores e credos. Seu canto, sua arte, sua mensagem de alegria e de crença na justiça, estarão presentes toda vez que alguém ousar manter vivo o sonho dessa mulher exemplar. Tão bela, tão doce e tão vivamente necessária.

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