sábado, 21 de fevereiro de 2009

De braços cruzados

Não se deixe levar pela mise-en-scène presidencial. Lula simula indignação. Ameaça bater na mesa e chamar a Embraer às falas. Afinal, uma empresa daquele porte demitindo, de uma só tacada, cerca de 20% de sua força de trabalho é mesmo um péssimo exemplo. Não é uma empresa qualquer. de jatos comerciais do mundo e que, até os anos 90, foi o orgulho do setor público aeroespacial, até que foi criminosa e covardemente privatizada. O próprio Lula admite que o governo, através do BNDES, investiu muito para fortalecê-la nos últimos anos. Mais: as demissões em massa são um péssimo sinal, confirmando que a crise é muito mais séria, profunda e duradoura, e que seus efeitos estão se alastrando como um câncer em metástase.
Diante disso tudo, o que Lula faz? Finge indignação, promete chamar empresários para que se expliquem, convoca reuniões com ministros para manter o noticiário sempre aquecido. Mas, na prática, não faz nada. Cruza os braços e deixa que o mercado dite o ritmo e o impacto de mais um pacote de maldades. Este sim, efetivo e cruel. Só em janeiro mais de 350 mil brasileiros foram postos no olho da rua, apenas nas seis principais regiões metropolitanas. As taxas de desemprego não param de crescer e por trás das estatísticas são centenas de milhares de famílias jogadas no sorvedouro da miséria e da impotência.
Lula pode descruzar os prazos. Caminhando alguns passos ele chegará até a grande mesa presidencial no mais importante salão do Palácio do Planalto. Sobre a mesa, algumas folhas de papel. E, ao lado, uma caneta. Qualquer caneta. Pode seu uma luxuosa Mont Blanc ou uma simples e econômica Bic. Pouco importa. Armado desses singelos instrumentos - uma folha de papel e uma caneta, qualquer caneta - Lula pode assinar uma Medida Provisória, que todos sabem tem força de lei até que o Congresso a chancele ou a detone.
Armado, isto sim, de uma indignação verdadeira, Lula deveria assinar uma MP gravando fortemente as demissões - nem precisaria proibi-las por decreto. Bastaria tornar o ato de demitir tão oneroso que os patrões pensariam três vezes antes de jogar sobre as costas dos trabalhadores o peso medonho da crise. Simples, assim.
Mas se fizesse isso, Lula não seria mais o Lula realmente existente. Estaria retornando a um passado que, convenhamos, talvez nunca tenha existido de verdade. Em um tempo em que muitos outros braços estavam cruzados e os corações, ah, os corações, estavam repletos da mais legítima e bela de todas as esperanças.

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