domingo, 1 de fevereiro de 2009

Dialética do tempo e de seus mistérios

"O Relatório da Coisa

Esta coisa é a mais difícil de uma pessoa entender. Insista. Não desanime. Parecerá óbvio. Mas é extremamente difícil de se saber dela. Pois envolve o tempo.
Nós dividimos o tempo quando ele na realidade não é divisível. Ele é sempre e imutável. Mas nós precisamos dividi-lo. E para isso criou-se uma coisa monstruosa: o relógio.
Não vou falar sobre relógios. Mas sobre um determinado relógio. O meu jogo é aberto: digo logo o que tenho a dizer e sem literatura. Este relatório é a antiliteratura da coisa.
O relógio de que falo é eletrônico e tem despertador. A marca é Sveglia, o que quer dizer "acorda". Acorda para quê, meu Deus? Para o tempo. Para a hora. Para o instante. Esse relógio não é meu. Mas apossei-me de sua infernal alma tranquila."

Clarice Lispector (1920-1977). Onde estivestes de noite (1a edição: 1974; Nova Fronteira, 1980, p.75).

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