sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Haiti é aqui

A França como potência colonial foi pródiga em desenvolver (e exportar) os métodos mais cruéis de exploração e controle das populações subjugadas. Marcas dessa brutalidade congênita ficaram registradas, como pegadas sangrentas, nas trilhas de muitos séculos em que a transferência líquida de riqueza, das colônias para a metrópole, foi conferindo às suas classes dominantes bem nascidas essa áurea de civilização e requinte típica de quem sabe aproveitar os prazeres da vida. Dormem tranquilos, sem remorsos, e não chegam a sonhar com os açoites e com os gritos que fizeram funcionar sua gigantesca máquina de moer gente.

A escravidão - palavra indigesta - acompanhava, feito sombra, a bandeira tricolor, contradição em termos do dístico "Fraternité, Equalité, Liberté", naqueles tempestuosos anos do final dos setecentos, até que os ventos da Revolução (com r maiúsculo) varreram as plantações do Haiti, cortando o mal pela raiz. A liberdade de homens e mulheres livres e iguais, como se sabe, durou muito pouco e o que sobreveio foi uma maldição que já se estende por mais de dois longos séculos.

Corte rápido. Brasil, 2009, Rondônia. Em plena selva amazônica, num moderno canteiro de uma das mais reluzentes obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), eis que foram flagrados 38 trabalhadores em regime de trabalho análogo à escravidão. Eles trabalhavam para a construtora BS, subcontratada da Energia Sustentável do Brasil (Enersus), consórcio que move céus e terras para construir a polêmica Usina Hidrelétrica (UHE) de Jirau, no Rio Madeira.

E, por que relacionar a tão simpática França, em seu festejado Ano no Brasil, a essa tragédia indigesta?

Simples: 50,1% da Enersus pertencem a GDF Suez, gigante transnacional de bandeira francesa, um dos mais poderosos oligopólios do ramo da energia em todo o mundo.

Uma vergonha, um disparate e um acinte sem tamanho. Ou melhor, do tamanho exato da pequenez de governantes que abdicaram do dever sagrado de defender seu povo contra a ganância que não reconhece fronteiras, mas sabe muito bem onde encontrar solo propício à preservação de seus imorais privilégios.

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