sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Memória de fogo - Cabanos, Cabanos, desvelem-se

"Jamais compreendereis a terrível simplicidade das minhas palavras
porque elas não são palavras: são rios, pássaros, naves...
no rumo de vossas almas bárbaras."

Mário Quintana (Epístola aos novos bárbaros, em Baú de espantos, Record, 1986).




Quem são estes rostos por trás das sombras que se movem, em escrupuloso silêncio, enquanto a Belém de 7 de janeiro de 1835 ainda dorme o sono dos injustos?
A historiografia dos vencedores os chamarão - para todo o sempre - como os malvados. Mas serão efetivamente más as mãos escravas ou semi-escravas que portarão a chama da rebeldia e da desconstrução da ordem iníqua e criminosa que há séculos nos sangrava?
Eram tapuios, índios, filhos, netos, tataranetos dos guerreiros massacrados às margens do rio grande, quando os invasores enfim revelaram que traziam a morte e a desgraça em seus alforjes coloniais.
Eram negros, muitos negros, escravos e sempre escravos, que viram se abrir uma janela pela qual poderiam, enfim, romper as cadeias da ordem escravagista que os dizimava.
Eram brancos, donos de terras e de gentes, cansados do jugo espoliador que daqui tudo sugava sem deixar nada em troca.
Mas, todos eles, com raras exceções, permaneceram anônimos, submetidos à alcunha de malvados, sanguinários, bandidos.
É hora, 176 anos depois, de rasgar o véu de silêncio que os aprisiona.
É hora de gritar seus nomes e de nominar ruas e praças em homenagem à coragem de uma geração trucidada pela ordem do alto e de fora, que tanto tempo depois ainda insiste em tratar os povos da Amazônia como brasileiros de segunda classe.
Que ressoem os tambores!
Que retubem todos os atabaques!
Venham, cabanos!
Desvelem-se, mostrem, finalmente, seus rostos.
Das entranhas dos processos montados para punir os revolucionários, pela pena nada imparcial de Domingos Antônio Raiol (Motins Políticos, 3º volume, p. 1013-1014), uma pequena amostra dos que integraram as fileiras da mais importante revolução popular no Brasil dos Oitocentos:

"(...) os seguintes réus: Eduardo Francisco Nogueira Angelim, presidente intruso e chefe dos rebeldes, Francisco Pedro Vinagre, também presidente intruso e chefe dos rebeldes, Antonio dos Santos Vasques, português e ajudante-d'ordens do governo intruso, Antônio Leocádio, capitão do estado-maior dos rebeldes, André, carapina, preto forro que foi escravo do tenente-coronel Prestes, Bendito de Aquino, preto fôrro, comandante do ponto do hospital de caridade, Benedito José, 1º tenente de artilharia dos rebeldes, Crispim dos Santos, carafuz, 2º tenente de artilharia dos rebeldes, Francisco Fernandes de Macedo, capitão reformado, diretor do arsenal de guerra, Francisco Veado, mulato, sapateiro, Filipe dos Santos, capitão dos rebeldes, Geraldo Nogueira Gavião, tenente-coronel comandante das expedições, Inácio Vieira Lima, secretário do governo intruso, Inácio Furtado, Jerônimo Furtado, João Fernandes Caraipuna, comandante dos rebeldes, José Leocádio, calceta, comandante do hospital, José Agostinho Vinagre, irmão de Francisco Vinagre, Lourenço Ferreira, filho do tambor-mor, comandante do Fortim, Manuel Antônio Nogueira, irmão de Eduardo, chefe de expedições, Manoel Cavalcante, capitão ajudante-d'ordens de Eduardo, Manuel da Silva Paraense, Manoel Pedro dos Anjos, tenente-coronel de Muaná, Manoel Sabino Lopes, coronel comandante, Raimundo de Oliveira Vinagre, chefe de expedições, Tomás Lourenço Fernandes, coronel comandante de armas, Vicente Ferreira da Silva, primo de Eduardo, Antôno Faustino, carafuz, major d'artilharia, Francisco Xavier da S. Paio, comandante do ponto do Chapéu-virado, João Evangelista Paranauaçu, comandante do ponto da Estrada, João Nepomuceno, major comandante, João Manuel Rodrigues Piroca-cana, coronel de artilharia, João Manuel do Espírito-Santo, preto Diamante, José Anastácio da Cruz, capitão comandante, Manuel Garcia, encarregado do troco, Manuel Henriques, tenente-coronel d'artilharia, Albino José Ato Rodrigues, tenente-coronel de cavalaria, Alexandre José Cardoso, tenente de artilharia, Auto Lourenço, comandante do Chapéu-virado, Antônio José de Oliveira Pantoja, comandante do porto das Mercês, Bonifácio José da Costa, tenente-coronel de cavalaria, Bernardino Mundurucu, comandante de uma barca artilhada, Dionísio Ferreira, major comandante do Fortim, Domingos Ramos, comandante do rio Maguari, Estevão da Silva, capitão de artilharia, Esequiel José de França, capitão de artilharia, Félix José Custódio, 2º tenente de artilharia, Francisco Pedro Leal, comandante do ponto da Memória, Jorge de Araújo, alferes de artilharia, Jeremias dos Santos, comandante de Valdecães, João Amorim, comandante do ponto da Olaria, João Antônio de Faria, 2º comandante da guarda municipal, João Salvaterra, capitão de artilharia, João Francisco da Silva, tenente quartel-mestre, João Venâncio, preto ouríves, tenente-ajudante e comandante do ponto da Pedreira, José Antônio Maciel, comandante do Fortim, José Agostinho de Oliveira, major comandante, João Francisco Terra, capitão de artilharia, José Paulino da Silva, comandante do Castelo, José Henriques, comandante do ponto de Valdecães, José Ferreira Pestana, comandante do ponto do Carmo, José Custódio Coutinho, comandante do ponto de Benjamim, José Francisco Ferreira, capitão de artilharia, Isidoro José Pereira, 3º comandante da guarda municipal, Luís Antônio Cordeiro, 2º comandante da mesma, Macário José Teixeira, comandante da estrada da Olaria, Manoel dos Santos, segundo-tenente de artilharia, Manuel Domingos Machado, tenente-coronel comandante da Pedreira, Marcos José, capitão comandante do Fortim, Nicolau José, inspetor comandante do Mosqueiro, Pedro de Sousa, tenente de artilharia, Quintiliano Barbosa, Romão da Graça, Rufino Barbosa, comandante do Castelo, Rufino da Silva Campos Jacarecanga, oficial maior da secretaria de governo, Roberto de Oliveira Pantoja, tenente secretário de artilharia, Elias de tal, mulato fôrro de Genipaúba, Florindo, mulato, Silvério, preto fôrro, sapateiro. (Alguns dêstes presos já se acham mortos, porém não consta em juízo.). O escrivão os lance no rol dos culpados e passe ordem para serem presos os que ainda não estejam; recomende os outros na prisão, e prepare estes autos para subirem ao júri do distrito. Pará, 26 de junho de 1837. Matias José da Silva e Cunha."