quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Cópia Pirata

Não se espere chuvas e trovoadas durante a sabatina que o Senado fará hoje com o indicado de Lula para uma vaga do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Toffoli, atual Advogado-Geral da União. Ele será aprovado, com um ou outro arranhão superficial. Nada sério, porém. O que deve ficar claro é que não se trata de um candidato de esquerda, longe, muito longe disso.
Uma pessoa de esquerda, na melhor acepção da palavra, jamais patrocinaria a posição que a AGU encaminhou ao STF sacramentando a tese de que a lei da Anistia, de 1979, impede que os assassinos fardados possam pagar por seus crimes. Tudo na contramão do legítimo pensamento progressista tem acumulado nas últimas décadas.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Antes que seja tarde

Uma parte do estrago já está feito, ameaçando a existência de duas etnias indígenas isoladas - Yvyraparakwara e Jurureí - além de um inestimável patrimônio arqueológico existente no sul de Rondônia. É que o governo Lula, através do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), abre a qualquer custo a rodovia BR-429, avançando sobre áreas de floresta nas proximidades da fronteira com a Bolívia.
Tentando deter a rota da destruição, o Ministério Público Federal (MPF) resolveu agir e pediu que a Justiça paralise a obra, cuja realização repete um conhecido enredo que mistura ilegalidade com trapaça.

Patíbulo sobre rodas

Chegamos ao fundo do poço? Não, não existe limite quando a barbárie se instala. Ontem, passageiros de um ônibis assaltado por três jovens na periferia de Belém espancaram até a morte um deles, que possuía apenas 16 anos e estava vestido com a farda da escola. Uma facada no pescoço e pronto. O corpo estendido no assoalho do ônibus, sangue por todo lado e aquele gosto acre de que a última fronteira foi ultrapassada.
Pena de morte, julgamento sumário, vingança coletiva e, no momento seguinte, desce o manto da impunidade. Matar ladrão não é crime, ora pois. O Estado que não protege o cidadão é estranhamente eficaz quando cruza os braços e não investiga a ocorrência de um homicídio. Por que é sempre tão difícil descobrir a autoria dos crimes praticados por turbas enfurecidas? Não há testemunhas, nem indícios a investigar? Ou o adolescente infrator foi fulminado por alguma força não-identificada?
Quem executou o golpe fatal, utilizando a mesma arma que o assaltante havia levado para cometer seu crime - uma faca de cozinha - não é mesmo criminoso. É tanto quanto, ou ainda mais.
A não punição pelas mortes decorrentes de linchamentos funciona como estímulo, uma espécie de licença para matar. Tal qual aquela que os assaltantes e outros homicidas já gozam em larga medida.
Hoje a mídia, em particular aquela que vive de explorar a tragédia alheia, fará mais uma campanha a favor da brutalidade sem limites. Estará com as mãos alagadas em sangue. De inocentes e de culpados, estes, por sinal, cuja existência em grande medida vai muito além, mas muito além mesmo, dos limites do macabro ônibus que cruzou o caminho de nossa insuportável tragédia de todos os dias.

domingo, 27 de setembro de 2009

Muitas dúvidas e (quase) nenhuma certeza

Cresce a resistência contra o ritmo a toque de caixa que o governo está imprimindo ao processo de licenciamento ambiental da polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. As vozes que clamam por mais cautela não se restringem aos movimentos sociais e aos combativos procuradores do Ministério Público Federal. Dezenas de pesquisadores, de grande respeitabilidade e décadas de estudo sobre os dilemas dos grandes projetos na Amazônia brasileira, insistem em apontar contradições, lacunas e outras graves fragilidades no estudo de impacto ambiental, elaborado, não por acaso, por um consórcio de empreiteiras interessadas nos bilhões que seram dispendidos se a obra for de fato iniciada.
Aliás, sequer há acordo sobre o custo total do empreendimento: a Eletrobras fala em R$ 20 bi, mas empresas privadas, como a Alston, potencial fornecedoras das turbinas, projetam algo em torno de R$ 30 bi, uma variação de 100% em relação aos R$ 16 bi estimados pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério das Minas e Energias.
Em meio a um consenso cada vez mais distante e improvável, cientistas vinculados ao Ipea e à UnB colocam o dedo na ferida: o elevadíssimo custo socioambiental de obras como Belo Monte, voltadas para atender a cadeia eletrointensiva do alumínio, comprova que estão muito longe de "contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais, que colocam os índices de desenvolvimento humano da região abaixo dos índices nacionais". Com todas as letras, no O Boletim Regional, Urbano e Ambiental, do Ipea (julho de 2009).
Essas e outras críticas podem ser lidas na coluna do jornalista Washington Novaes, no Estadão desta sexta-feira, 25.

Aprendizes de feiticeiros

Honduras, pequeno país centro-americano, está sob virtual estado de sítio. O regime militar instalado há poucos meses endureceu o controle sobre o país. Toque de recolher, fechamento de aeroportos e fronteiras, censura à imprensa e ataques sistemáticos à liberdade de manifestação fazem do cenário atual hondurenho a expressão mais acabada de uma ditadura, tal qual tantas que enfernizaram o continente de 1960 até quase o fim dos 80.
Apesar disso, a imprensa brasileira não consegue disfarçar sua simpatia pelos golpistas. Manuel Zelaya, o presidente constitucional deposto, é apresentado como um destrambelhado seguidor das ordens da Venezuela de Chavez, um satélite de Cuba e outras baboseiras do mesmo quilate.
Pouco importa se o referendo possibilitando a reeleição - apresentado como causa imediata do golpe - fosse valer para o próximo mandato, não beneficiando diretamente Zelaya. Ou ainda: o que dizer do colombiano Álvaro Uribe que acaba de conquistar no parlamento a realização de uma consulta popular que deverá lhe conceder o direito à segunda reeleição, num eventual terceiro mandato para bem servir aos interesses da Casa Branca e seguir transformando a Colômbia num gigantesco porta-aviões de Washington?
Ainda assim a presença de Zelaya na embaixada brasileira, na qual está abrigado desde o início desta semana, é apresentada como uma "armadilha" na qual a diplomacia de Lula, na melhor das hipóteses, deixou-se envolver também sob as ordens do demoníaco ocupante do Palácio Miraflores.
A foto de Zelaya com seu indefectível chapelão cobrindo o rosto, dormindo num sofá da embaixada corre o mundo e é repetida à exaustão. Um trapalhão, um aloprado a expor o Brasil na arena internacional...
Sobre o golpe militar e a ditadura que o mundo inteiro tem repudiado, inclusive a ONU, a OEA, a União Europeia, pouco se fala, como se isso não passasse de um detalhe acessório, sem importância.
A bem da verdade, dos grandes meios da imprensa, apenas a Folha de São Paulo tem procurado manter uma cobertura mais ou menos isenta. Chama de golpistas - sem meias palavras - o governo de "facto" acantonado em Tegucigalpa e mantém uma equipe de reportagem no interior da embaixada brasileira, sitiada por um cerco policial-militar cada dia mais rigoroso. Talvez a cúpula do jornal paulista esteja escaldada com o escândalo de ter chamado o golpe militar de 1964 de "ditabranda", num ato falho que revelou as incontidas simpatias que as empresas do grupo nutriram por longos anos pelo regime fardado de Brasília.
Já o Estadão arreganhou os dentes e faz a defesa enfática e fundamentalista dos gorilas e seus sequazes que se apossaram do poder e depuseram pela força o presidente Zelaya. Quando muito, os editorialistas concedem chamar os miliatres de "desastrados", talvez por não terem mantido o presidente preso no próprio país. Ao expulsá-lo, simplesmente, adiram a solução do "problema", que agora está de volta para atrapalhar os planos de estabilização das oligarquias locais.
Para os que ainda se confundem com a real situação hondurenha vai uma sugestão: assistir, aqui mesmo na blogosfera, ao documentário A revolução não será televisionada (The revolution will not be televised, 2002, 74 minutos), dos cineastas irlandeses Kim Barthey e Donnacha O' Briain, retratando em detalhes o golpe que em abril de 2002 tentou - sem sucesso - apear Hugo Chavez do poder. Qualquer semelhança com a quartelada hondurenha ou com os pendores golpistas de parte da mídia brasileira não será mera coincidência.


sábado, 26 de setembro de 2009

Dialética da objetividade mitificada

"Se já não é possível, no mundo contemporâneo, separar "notícia" da "imagem da notícia", isso coloca uma outra indagação, de certa forma angustiante: as imagens que vemos do mundo não são neutras, não são "objetivas", embora construam a ilusão de o serem, com muito mais competência que o texto. Raramente paramos para pensar que aquilo que vemos na televisão ou impresso nas páginas dos jornais não é "o" mundo, mas "um" mundo, entre muitos outros mundos possíveis."

José Arbex, jornalista e escritor, prefaciando o excelente Palestina, uma nação ocupada, do cartunista, escritor e jornalista Joe Sacco (Conrad Livros, 2004, 3a edição, 142 páginas).

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sinal de alerta

Ana Julia e Duciomar juntos, conversando sobre uma variada pauta de assuntos administrativos e políticos, não deve passar por um fato corriqueiro. Ao contrário, encontros assim deveriam acionar o alarme de que algo danoso, do ponto de vista da sociedade, está em gestação.
Não que eles não conversem com relativa frequência, diretamente ou por meio de prepostos. O nó da questão está na extensão e a profundidade desse relacionamento sempre de caráter nebuloso e difuso. É daí que fermentam as suspeitas de os máximos governandes do Estado e da capital trafeguem por vias de mão dupla, repletas de pequenas e grandes armadilhas, de um lado, e de amplas oportunidades, de outro. E essas - oportunidades, bem entendido - podem abrigar tudo, menos o há muito dessangrado interesse público.

Academia na blogosfera

Quem quiser informações com qualidade e profundidade sobre a Amazônia e seus múltiplos dilemas e permanentes ameaças não deve deixar de visitar o Blog do pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia . Suas primeiras postagens desmontam, sem dó nem piedade, algumas das falácias abrigadas no volumoso e pouco consistente relatório de impacto ambiental de Belo Monte. Vale a pena ler, refletir e agir.

Farinha de feira

Puxem pela memória: nos últimos tempos, quantas foram as denúncias envolvendo a existência de esquadrões da morte - milícias ou grupos de extermínio, tanto faz - somente no distrito de Icoaraci, em Belém?
Várias e diversas, certamente. Aqui mesmo neste espaço este assunto veio à baila quando a navalha da polícia penetrou - não tão fundo quanto se esperava - na carne de um desses grupos de delinquentes fardados. E algum tempo antes, postava-se aqui um apelo desesperado diante da ação criminosa que se desenvolvia protegida por uma barreira de silêncio e medo.
Mas a revelação de que o cabo da PM, Bernardino Costa , acusado de assassinar a sangue frio dois jovens e deixar um terceiro bastante ferido, em crime ocorrido nesta semana, em uma área periférica do distrito, era integrande de mais uma dessas quadrilhas de supostos "justiceiros", sinaliza para a existência - e multiplicação - de muitos outros bandos que continuam a agir à soldo de comerciantes e de outras quadrilhas relacionadas as tráfico na área.
Não é tão difícil descobrir que a culpa (e sempre ela existe) deve ser buscada sempre em andares bem melhor situados do que aqueles pelos quais costumam circular os pistoleiros que acabam atrás das grades. A omissão mata. E cada vez mais.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Abismo entre intenção e gesto

Barack Obama rompeu, pelo menos formalmente, com o alinhamento automático entre os Estados Unidos e Israel. Foi ontem, 23, durante seu discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas. O mandatário estadunidense disse não "aceitar a legitimidade dos assentamentos israelenses" em territórios palestinos. Mas, sempre existe um "mas", apelou para que os palestinos parem com as "provocações" em nome de "relançar as negociações em precondições". É preciso decodificar o discurso, abrindo caminho por entre um intrincado jogo de palavras.
Todo mundo sabe que Israel não se sustentaria um mês sequer sem os bilhões que recebe do contribuinte norte-americano. Assim, entre a fala e a ação efetiva pela paz existe a chave que pode amolecer os corações dos falcões israelenses: a chave do cofre, é claro.
Por isso, a crítica expressa por Obama perde o conteúdo, vira jogo de cena. O governo direitista de Israel só ouve o que quer. Há poucos semanas, em aberto confronto com Washington, anunciou a aprovação de um plano para expandir as colônias judaicas na Cisjordânia. Algo como 700 mil novas residências para colonos, consolidando a expulsão de milhares de famílias palestinas e a completa inviabilização do que, um dia, poderia ser um estado palestino viável e independente, "com território contíguo que encerre a ocupação de 1967", como repetiu Obama em sua oratória cheia de promessas desprovidas de eficácia.
Obama enquadra a guerra neocolonial que Israel promove há décadas como um conflito isonômico, onde ambas as partes possuem idêntica responsabilidade e, portanto, devem expiar suas culpas conjuntamente. Não há, assim, agressor e vítima, nem um lento e pertinaz genocídio que se desenvolve sob o olhar cúmplice da mesma ONU que, embevecida, aplaudiu 13 vezes um homem e as circunstâncias ditadas pelas razões do império.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Diz-me com quem andas

André Puccinelli não é apenas governador de um estado da importância do Mato Grosso do Sul. Ele é um dos expoentes dos ruralistas, que antigamente andavam por aí dando tiros e matando gente em nome da malfada UDR e hoje agem com maior desenvoltura através da CNA e de outros modernos aparelhos de difusão de um conservadorismo medular. Tutti buona gente, frequentadora de colunas sociais, como se diz por aí. Ele é do PMDB, mas não chega a ser algo contrastante. Políticos de sua índole estão espalhados democraticamente por quase todas as legendas do consórcio governista e das alianças opositoras de direita.

O que chama atenção, porém, é que se trate de um desqualificado, um celerado. De colarinho e gravata, mas ainda assim um deliquente que deveria estar segregado do convívio social em nome da proteção das pessoas de bem desse país.

Quem ainda possuir alguma dúvida a este respeito basta ler sua última manifestação fascistoide e homofóbica. Nas páginas de O Globo, de hoje.

Quem sabe faz a hora

A diplomacia brasileira agiu certo ao abrigar o presidente constitucional de Honduras, Manoel Zelaya.
A ditadura hondurenha conseguiu fazer o que nem os mais despóticos regimes golpistas jamais haviam feito: violar a integridade diplomática da embaixada brasileira em Tegicigalpa.
Ou ninguém se lembra mais que foram nas embaixadas que centenas de chilenos e estrangeiros escaparam da morte certa naqueles tempos de terror há 38 anos em Santiago do Chile?
Enquanto a mantança corria solta, os jardins e dependências das embaixadas em território chileno, nos primeiros tempos do golpe de Pinochet, foram o refúgio garantido e jamais atacado pelos gorilas. Muitos brasileiros tiveram suas vidas salvas por meio do respeito à inviolabilidade diplomática.
Por tudo isso é escandaloso e não pode ficar sem firme resposta as agressões sofridas pela soberania brasileira no dia de ontem, 22, em Honduras. Bombas de gás e balas de borracha foram lançadas contra a embaixada do Brasil e seus funcionários, diplomatas e dezenas de cidadãos que se encontram sob o abrigo de nosso país foram agredidos. O fornecimento de água e energia elétrica foi cortado durante horas, assim como interrompidas as conexões de telefone e internet, representando um cerco militar contra um pedaço de nosso território encravado no centro da capital hondurenha.
A escalada da crise está longe de ser resolvida. Zelaya denuncia que a invasão do prédio e seu provável assassinato podem acontecer a qualquer momento.
Que todos se levantem, denunciando com vigor a perversa ação dos golpistas, que não agiriam com tamanha truculência se não tivessem obtido - pela vergonhosa omissão de muitos, em particular da tibieza com que age a administração Obama - algum tipo de consentimento velado.
E a direita brasileira - na política e na mídia - deve enfiar sua viola no saco e parar de flertar com o que há de mais retrógrado e abjeto na cena política do sempre conflagrado continente latino-americano.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Procura-se

Precisa-se de motorista profissional. Salário compatível, gratificação de tempo integral e outras vantagens.
Interessados devem se dirigir à Rod. Augusto Montenegro KM 9. CEP 66823-010. Belém - PA..
Obrigatório: além da carteira de habilitação, os candidatos devem apresentar certidão de antecedentes criminais.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra sair dessa maré

Depois que a VEJA e a musa da bancada da devastação, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), orquestraram mais uma investida contra o MST, que tal ouvir outras vozes, sobretudo quando se trata de gente do quilate de Plínio de Arruda Sampaio, Hamilton Pereira e Osvaldo Russo? Eles, que possuem décadas de luta pela reforma agrária no Brasil, têm muito a dizer.

Bufonaria

Por trás de cada cortina, outra cortina, e assim sucessivamente, tornando o que acontece atrás do palco muito mais importante - ou relevante - do que o que se passa aos olhos da embevecida plateia. À frente do povo, bufões se revezam em seus números ora cômicos, ora trágicos, mas sempre marcados pela nódoa da total falta de escrúpulos.
É assim, neste triste cenário paraense, que vão sendo movidas as peças do intrincado tabuleiro eleitoral de 2010, algumas oxidadas pelas décadas de exposição, outras cuja senilidade precoce salta aos olhos.
Tudo somado, chega-se a triste conclusão de que ao eleitor será dada a opção de escolher entre o fogo e a frigideira.

Chamas do extermínio

As forças armadas do latifúndio, acantonadas no Mato Grosso do Sul, agem sem medo de nada, nem de ninguém. Em 72 horas realizaram dois atentados contra dois acampamentos de Guarani-Kaiowá. Os agressores atearam fogo nos barracos e feriram a bala pelo menos um índio.
O terror não é gratuito: pretende demonstrar que, se depender dos grandes proprietários de terra, os indígenas não terão suas ocupações pacíficas toleradas e pagarão - na verdade, continuarão a pagar - com o proprio sangue a ousadia de tentar recuperar seu Tekoha, o chão de seus ancestrais.
Tão criminosa quanto a mão que ateia o fogo é aquela que cruza os braços, cúmplice da matança, pois é naquele estado que pontifica com mais eloquência a espúria aliança entre o governo Lula e o agronegócio, pedra de toque de um modelo que reproduz em pleno século XXI as barbaries dos tempos em que a cruz e a espada fizeram a enorme ferida que na América sangra até hoje.

domingo, 20 de setembro de 2009

Dialética da Belém inundada de cores, olhares e cheiros no Círio

"(...)

Debaixo das mangueiras do Largo do Palácio, espalhavam-se famílias que só vinham mesmo para ver a transladação e o Círio e voltarem logo. Não tinham conhecidos, parentes e aderentes na cidade para uma hospedagem. Esperavam, pediam que a noite chegasse. Então, eram aqueles seus penteados, as saias gomadas, descalças por promessa, pés enormes na calçada, pés de roçado e beira d´água. As moças, saquinhos e lenços cheios de doces na mão e no colo, sentavam nos bancos do Largo, cruas da cidade e silenciosas espeiavam. Ah, mas como espiavam. Senhoras davam o peito aos seus curumins e havia uma, de seio cor de chocolate e teso, pronta, aos olhos de Alfredo, para amamentar as outras crianças ali por perto chorando. A gitinha dela, farta, brincava era com o bico do peito, que a mãe tinha esquecido de recolher. A população romeira se derramava dos barcos, canoas, igarités, curicacas, batelões, traqueteiras, vigilengas, todas as embarcações a remo, vela e algum motor. Habitavam o Largo, corriam a ver a cidade. A Cidade. Alfredo olhava. Via os telhados, as mangueiras cobrindo aquele acampamento, as andorinhas. Errava um cheiro de criancinha verde e doces, de peito de mãe. Subiu um foguete. E pela beira da praia o peixe frito se misturava ao azeite de andiroba, cumaru e ervas. Blocos de gelo nas canoas geleiras atiçavam as sedes e a curiosidade. Descarregavam o peixe. Alfredo reparava nas bocas. Umas comiam, quantas fumando, aquelas gritavam, cantavam, cuspiam. As bocas. Aquele tapuio agarrado a um cabo de proa, corpo liso, lustroso, só de calção, os dentes rasgavam-lhe a boca numa risada que era uma arte, de tão bem rir. (...)".

Dalcídio Jurandir (1909-1979). Belém do Grão-Pará (2004, EDUFPA, p. 455-456)

Tudo por dinheiro

Em mais uma vitória das transnacionais que controlam o lucrativo mercado das sementes transgênicas, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou nesta semana a liberação de quatro variedades de milho geneticamente modificados. Festa para os executivos da Syngenta e da Mosanto que detém as patentes dos produtos que, a partir de agora, serão livremente comercializados no país.
Aliás, já são nove variedades de milho que foram liberadas no Brasil, fazendo de nosso país um paraíso para esse ariscado - mas, por isso mesmo, altamente rentável -, negócio que cresce a 6% ao ano, o triplo do índice alcançado pelas sementes tradicionais.
O Brasil, desde que as portas foram escancaradas por ordem direta do governo Lula, a partir de 2003, integra o seleto grupo de 25 países onde é permitido o cultivo e comercialização de transgênicos, com variedades de soja, algodão e milho que alcançam 15,8 milhões de hectares.
Para piorar a situação, o milho que foi liberado é do tipo "piramidado", isto é, deriva de cruzamento entre plantas transgênicas, o que amplia enormenente os riscos de contaminação e torna ainda mais incerto os eventuais reflexos na saúde dos consumidores brasileiros.

Da arte de perder tempo (e dinheiro)

Se governar é saber escolher prioridades, alguém, por favor, explique o que a governadora Ana Julia, com uma entourage de sete assessores, vai efetivamente fazer em seu périplo de uma semana ensolarada pela Califórnia do republicano Arnold Schwarzenegger, num colóquio de governantes dos trópicos em busca de migalhas - fantasiosas, em boa medida - a serem arrancadas dos países ricos em nome de uma suposta preservação da floresta em pé.
Ao que se sabe, Schwarzenegger, este ex-ator austríaco naturalizado norte-americano, um dos expoentes mais exóticos do neoconservadorismo ainda tão em voga nas terras do Tio Sam, pode ser tudo, tudo mesmo, menos uma voz autorizada em preservação ambiental.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Cada um no seu quadrado

O PT mudou de lado, disso quase ninguém duvida. Atravessou para a outra margem e hoje está muito bem, sem nenhum drama de consciência, compartilhando a mesa - sempre farta, por sinal - com as grandes empreiteiras e os monopólios industriais e minerais. Não lembra, nem vagamente, aquele partido que, nascido das lutas sociais, funcionou durante muitos anos como a voz dos que não tinham voz.
Nada mais ilustrativo, portanto, que a governadora Ana Julia ter escolhido a companhia dos executivos da multinacional Alcoa, na festiva inauguração de mais uma mina em território paraense, em Juruti, enquanto os movimentos sociais sentiam o calor dos músculos da Força Nacional na tumultuada e anti-democrática audiência pública do EIA-Rima de Belo Monte, em Belém.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Conserto de porta arrombada

Tardiamente o governo despertou para o avanço de estrangeiros - empresas ou pessoas físicas - sobre largas extensões do campo brasileiro. Estima-se que hoje os estrangeiros possuam cerca de 3,6 milhões de hectares, algo próximo à extensão da ilha de Taiwan. Mas, sabe-se, que isso nem de longe espelha a real participação do capital forâneo na farra do latifúndio nacional. Através de "testas de ferro" - anônimos ou ilustres - os de fora devem abocanhar uma fatia muitas vezes superior.

Agora, diante do fato consumado, mas ainda pisando em ovos (de ouro, como sempre), Lula e seus ministros ensaiam uma reação, que tudo indica deve chegar tarde e marcada por uma desmoralizante fraqueza.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gatunagem

Enquanto brasileiros morrem sem assistência médica, os governadores e o governo federal metem a mão no dinheiro da saúde. E ainda têm a cara de pau de ensaiar a recriação da malfadada CPMF, com outro nome, para tentar ludibriar os incautos.

domingo, 13 de setembro de 2009

Dialética do cerco que se fecha

"MUROS

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha tanta coisa para fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse."

Konstantinos Kaváfis. "Poemas" (tradução José Paulo Paes, Editora Nova Fronteira, 1998)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Flores em La Moneda

Hoje é de dia de honrar a memória de um heroi latino-americano: Salvador Allende. Socialista e radicalmente libertário, ele protagonizou um dos momentos mais dramáticos da história recente dessa América que continua a sangrar. Naquele 11 de setembro de 1973, diante da brutal e covarde investida dos tanques e da aviação golpista - armada e financiada pela Casa Branca - Allende escolheu o caminho da resistência e do inevitável martírio.
Sua morte física não representou o fim de sua luta, nem o abandono de suas rubras bandeiras.
Nestes tempos cinzentos, onde muitas vezes pontifica a desesperança, nunca é demais lembrar que as alamedas pelas quais irá transitar o homem novo estão aí para serem construídas. E que é igualmente necessário - aliás, indispensável - juntar vontades e agregar rebeldias, fontes primeiras das verdadeiras transformações sociais.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Quanto menos, melhor

Ao invés de somar, subtrair. Diante de uma cidade em frangalhos, a prefeitura de Belém resolve conceder um presentão aos empresários de ônibus: uma anistia fiscal de muitos milhões de reais. Parece algo sem nenhuma lógica, mas só para os desavisados.
Toda vez que o Tesouro perde, e perde muito, alguém na outra ponta ganha a bolada. E, como uma mão suja sempre lambuza a outra, sempre sobra uns trocados para molhar o bico de várias e diversas aves de rapina.

Encontro marcado

Será dia 15, às 18h, no Centur, a audiência pública sobre o licenciamento ambiental da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte. Quem esperar silêncio obsequioso e clima de confraternização no estilo dos convescotes que os antigos e os neobarragistas tanto adoram pode cair do cavalo. No meio do caminho, agregando energias rebeldes do campo e da cidade, está se armando um ato público dos que preferem remar contra a maré de um desenvolvimento excludente e predador.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A noite eterna

Cesare Battisti estará, de novo, no banco dos réus.
Os ministros do Supremo não estarão julgando o jovem de vinte e poucos anos, militante de um dos muitos grupos de ação armada que marcaram, para sempre, a história da Itália entre os 70 e os 80, nos chamados anos de chumbo.
Estarão, isto sim, julgando um estereótipo, um ser mitificado e demonizado pelos que venceram aquela guerra suja e sangrenta.
Decidirão, por maioria de votos e por um imprevisível placar, a sorte (ou o azar perpétuo) de um ser humano que há nos prova sua inocência e desmonta, peça a peça, a armação perpetrada pelos fascistas incrustrados em todas as instâncias do aparato estatal italiano. É dele a façanha de desconstruir, ao longo de duas décadas e de infindáveis julgamentos em vários países, as "provas" e "confissões" obtidas através de tortura e de mentiras repetidas à exaustão, material básico usado para sua condenação. Apesar de tudo, segue pagando a pena de exílio e tratado como uma fera a ser caçada impiedosamente.
O Brasil tem a oportunidade de se manter de pé e de reiterar sua tradição de nação consagrada ao direito à proteção de perseguidos.
Ou poderá, sob forte pressão da direita com suas múltiplas faces, se postar de joelhos, como uma republiqueta de quinta categoria.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O mundo é dos espertos

A mega-empreiteira Odebrecht parece ter mesmo padrinhos muito poderosos. Como um Cavalo de Tróia, eis que ela ganhou um bom naco do pacote bilionário acertado entre o Brasil e França. Fala-se em R$ 22 bilhões, mas há quem calcule que nas próximas décadas o negócio pode atingir 10 vezes mais.

Como um relógio suíço. Falsificado.

O enredo é sempre o mesmo: terminado o esforço eleitoral - período de grandes dispêndios orçamentários e negócios nebulosos idem -, reina o silêncio e a omissão quase total da prefeitura sob Duciomar reeleito. A cidade entregue à sua própria sorte. Ou ao seu azar, para ser mais claro.
Acumula-se, em todos os cantos e em todas as áreas, as marcas do desgaste. Mas, meses a fio, a administração petebista da capital paraense recolhe-se disciplinada, como se não fosse com ela, ou por causa dela que a cidade sofre.
Chega o verão e, ao mesmo tempo, o calendário eleitoral vai sinalizando que já estamos, de novo, às portas de mais uma eleição. É hora de se abrir espaço, devagar mas de forma contínua, para que se confirme a pedra angular da propagando do prefeito: o povo é que nem peixe, tem pouca ou nenhuma memória.
É por isso que as periferias, abandonadas desde o final do ano passado, voltaram a receber máquinas e homens, despejando asfalto em ruas e vielas. É por isso, também, que a mídia sempre faminta voltou a receber os tão esperados comerciais repercuntindo a suposta "presença" do prefeito e de suas obras de fachada.
Alegria para uns poucos. Mais uma desgraça que se desenha no horizonte.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Pisando em falso

Quanto vale a palavra de um presidente da República?
Quanto vale um compromisso assumido solenemente pelo governo Lula, por meio de seus ministros da Casa, tendo à frente Luiz Dulci, um dos ministros petistas mais próximos e respeitados?
Quando o assunto envolver os interesses dos grandes proprietários de terra - herdeiros das Capitanias Hereditárias - e de seus sócios do agronegócio exportador, parece que não vale nada ou quase nada.
Depois de prometer editar em 15 dias a portaria interministerial atualizando os índices de produtividade da agricultura - os que estão em vigor remontam a meados da década de 70 -, o governo federal dá mostras de ter se rendido, mais uma vez, às pressões dos ruralistas. O prazo se esgotou e o que se vê é a arrogante postura do ministro da Agricultura, o peemedebista Reinhold Stephanes, em aberta oposição à suposta "ordem" presidencial.
De duas, uma: ou Lula não deu ordem alguma, tendo encenado um jogo de faz-de-conta para enrolar os milhares de manifestantes do MST em Brasília; ou, se ordem houve, estamos diante de uma quebra absurda da autoridade de quem foi eleito para dirigir o país, mas tem se especializado desde 2003 a realizar a maior fraude política de que se tem notícia nas últimas décadas.

domingo, 6 de setembro de 2009

Dialética dos usos e abusos das hecatombes humanas

"Quando todo protesto contra as atividades das Forças de Defesa de Israel na Margem Ocidental é denunciado como expressão de anti-semitismo e - pelo menos implicitamente - colocado na mesma categoria da defesa do Holocausto - ou seja, quando a sombra do Holocasto é permanentemente evocada para netralizar toda a crítica a qualquer operação militar ou política de Israel -, não basta insistir na diferença entre anti-semitismo e a crítica de medidas particulares adotadas pelo Estado de Israel; é necessário avançar mais um passo e afirmar que é o Estado de Israel quem, nesse caso, profana a memória das vítimas do Holocausto: manipulando-as impiedosamente, instrumentalizando-as como meios de legitimação das atuais medidas políticas. Isso quer dizer que devemos rejeitar radicalmnte a própria noção da existência da ligação entre o Holocausto e as atuais tensões palestino-israelenses: são dois fenômenos completamente diferentes - um é parte da história europeia de resistência da direita à dinâmica de modernização; o segundo é um dos capítulos mais recentes da história da colonização."

Slavoj Zizek, filósofo esloveno, professor e pesquisador do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. Bem-vindo ao deserto do real (Boitempo, 2003, p.153).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Jogo de armar

Pense rápido: o que têm em comum Comalapa, Palmerola, Larandia e 3 Esquinas? Está difícil descobrir, então reflita sobre o elo que une Iquitos, Nanay, Mariscal Estigarribia e... Guantánamo? Agora ficou fácil: todas essas localidades abrigam bases militares norte-americanas que cercam, com uma cortina de mísseis e da mais moderna engrenagem de guerra, a América do Sul e o Caribe. São 13 bases em funcionamento e, dentro de pouco tempo, mais sete serão implantadas na Colômbia, espaço neocolonial por excelência.

Sombra e água fresca

A vida dos multibilionários, mesmo aqueles que frequentam o noticiário policial, pode ter tudo menos espaço para a monotonia. Afinal, não é todo dia que se resgata a bagatela de US$ 242 milhões de uma conta bem discreta nas ensolaradas ilhas Cayman.

Um citricultor de sucesso

Merece o prêmio "Ingênuo do Ano" quem imagina que a lavoura de laranjas atribuída às operosas mãos do prefeito Duciomar Costa (PTB) está limitada aos domínios cinzentos da famosa Belém Ambiental, que responde pela alcunha singela de BA. Em toda a árvore da administração municipal de Belém, de cima abaixo, um olhar mais atendo será capaz de encontrar muitos, muitíssimos, frutos dessa prodigiosa plantação de reluzentes fortunas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dicionário do terror sobre as águas

Balsete (substantivo feminino) - Mulher, geralmente com idade inferior a 18 anos, que se prostitui, por qualquer trocado - um prato de comida, pequenas quantidades de óleo dielsel - nos barcos que singram os vastos rios da Amazônia paraense, sobretudo no arquipélago marajoara.
Pronuncia-se Balséte, palavrão indecoroso, cobrindo de vergonha uma sociedade que aceita como natural que suas filhas sejam oferecidas em holocausto, todos os dias e o dia todo, sob o olhares tão cúmplices quanto igualmente criminosos.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Som e fúria

Madrugada de 1º de setembro de 1939. Rompendo as sombras da madrugada a canhoneira nazista banha de chumbo, fogo e pólvora o porto de Gdansk, na Polônia dilacerada pelas garras de tantos impérios. Eclodia, naquele exato momento, o mais sangrento de todos os conflitos bélicos do finado século XX. Logo, 70 milhões de seres humanos estariam mortos em meio a uma sanha destrutiva sem par.
Sete décadas depois, infelizmente, o mundo parece não ter aprendido a lição.