domingo, 30 de novembro de 2008

Loteamento na Lua. Há quem acredite

Existe uma outra faceta no ato-comício, custeado com recursos públicos, que cerca de 50 entidades sociais foram chamadas a realizar, nesta semana, no Palácio do Planalto. A pretexto de ter um encontro com o presidente Lula e expor a ele as alternativas para o enfrentamento da atual crise financeira, a manifestação serviu para que diversos oradores fizessem apologia ao nome da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) às eleições presidenciais de 2010, ali mesmo, numa cerimônia oficial. O que a imprensa pouco noticiou foi o teor da carta encaminhada à Presidência, na qual os movimentos pedem que o governo aproveite a crise para “mudar os rumos da política econômica”.
Seria apenas manifestação de ingenuidade, mas é coisa muito mais séria. O governo Lula não está em início de mandato. Ao contrário, em breve completará seis anos de gestão, tendo consumido a metade de seu segundo período. À luz de tudo que aconteceu neste tempo, é inconcebível que esses dirigentes ainda acreditem na possibilidade de uma alteração substancial na linha estratégica de um governo que desde seus primeiros atos fez questão de romper – na prática e simbolicamente – com os compromissos programáticos que haviam conduzido sua eleição em 2002, em meio a uma enorme expectativa de mudanças sociais, econômicas e políticas.
Apesar de acertar no diagnóstico e, em geral, nas medidas propostas, a
carta dos movimentos possui um pecado original, isto é, o de se eximir de quaisquer contrastes críticos aos descaminhos do governo – que pratica justamente o oposto do que os signatários do manifesto dizem professar. Ao agir assim, acabam servindo como instrumento de uma manobra ilusionista, na qual o governo tenta manter vivo o verniz de uma inexistente participação popular.
Em resumo, viraram a cereja do bolo. Por opção própria e consciente, diga-se.

sábado, 29 de novembro de 2008

Dialética da palavra de combate

"Nossa Marcha

Troa na praça o tumulto!
Altivo píncaros - testas!
Águas de um novo dilúvio
lavando os confins da terra.

Touro mouro dos meus dias.
Lenta carreta dos anos.
Deus? Adeus. Uma corrida.
Coração? Tambor rufando.

Que metal será mais santo?
Balas-vespas nos atigem?
Nosso arsenal é o canto.
Metal? São timbres que tinem.

Desdobra os lençóis dos dias
cama verde, campo escampo.
Arco-íris arcoirisa
o corcel veloz do tempo.

O céu tem tédio de estrelas!
Sem ele, tecemos hinos.
Ursa-Maior, anda, ordena
para nós um céu de vivos.

Bebe e celebra! Desata
nas veias da primavera!
Coração, bate a combate!
O peito - bronze de guerra.

1917"

Tradução: Haroldo de Campos

Vladimir Maiakóvski (1893-1930), maior poeta russo moderno. Poemas, 6a edição, 1997, p.83-84. Edição organizada por Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.

Liderança infame

O Pará lidera o vergonhoso ranking do desmatamento entre agosto de 2007 e julho deste ano. Foram 5.180 quilômetros quadrados desmatados, correspondendo a 43% do total da área devastada em toda a Amazônia. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) assegura que esse quadro está sendo revertido, com uma queda acentuada nas queimadas a partir do corte do crédito para proprietários ilegais. Esta resolução, entretanto, permanece sob forte ataque dentro do próprio governo federal, sempre sensível às demandas dos ruralistas e de seu influente lobby político. A restrição de financiamento aos devastadores, combinada com ações mais firmes dos órgãos fiscalizadores, teria conseguido reduzir, segundo dados do ministro, as derrubadas de floresta nativa em quase todos os 36 municípios mais críticos do chamada Arco do Desmatamento. Menos em Novo Repartimento, no sudeste paraense, onde a barbárie continua imperando, à vista de todos, aliás.

Um dia para não esquecer

Hoje é dia de lembrar da tragédia inesgotável do povo palestino, maior grupo de refugiados no mundo atual. Desde 1977, através da resolução 32/40 B, da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), o 29 de novembro ficou consagrado como "Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino". Não deixou de ser uma ironia que esta data tenha sido escolhida em função da resolução da Partilha (181, de 1947), quando a ONU ainda era um órgão frágil, nascido das cinzas da II Grande Guerra, mas ainda assim votou, por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções, conceder 55% da Palestina histórica, então sob Mandato britânico, aos judeus, que àquela época controlvam apenas 7% do território e eram cerca de 35% da população.
Para conhecer a coletânea das muitas (e inúteis) resoluções da ONU aprovadas entre aquele ano fatídico até 2001, buscando reparar seu erro histórico, basta clicar aqui.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Abatida em pleno vôo

Sob forte fuzilaria, parece que soçobrou, pela enésima vez, a mais recente tentativa do governo Lula aprovar uma reforma tributária no Congresso Nacional. Atacada por todos os lados, recebendo fogo de banqueiros, grandes mineradoras e, principalmente, dos Estados ricos do centro-sul, o parecer do deputado mensaleiro Sandro Mabel (PR-GO) submerge rapidamente. Ele próprio já admite que o projeto talvez desembarque no plenário em março, depois do Carnaval. Enquanto isso, os esquálidos governadores do Norte e Nordeste, apontados como os principais beneficiários da proposta, ensaiam um protesto rouco em Brasília. Ninguém acredita que terão qualquer sucesso.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Geografia da Fome

Entre os 34 municípios mais miseráveis do Brasil, com base no Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), do Ministério do Desenvolvimento Social, oito são paraenses.
O mapa da fome e do abandono passa, desde sempre, pelas veredas marajoaras de Muaná, Anajás, Chaves, Melgaço e Bagre, além de Porto de Moz, Pacajá e Nova Esperança do Piriá.

Homem com H

Do discurso à prática, sem escalas. Quem quiser firmar seu apoio à luta mundial pela erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, precisa dar apenas alguns cliques e pronto. Basta acessar a campanha "Homens Unidos Contra a Violência" que está no ar e recolhe assinaturas até o dia 6 de dezembro.

Mais chapa branca impossível

O ambiente lembrava um comício, com ensaio de palavras-de-ordem e tudo. Mas, segundo relato publicado na Folha de São Paulo de hoje (somente para assinantes), cerca de 500 representantes de movimentos sociais e sindicatos, todos ligados à CUT, PT e PCdoB, lotaram o Palácio do Planalto para um encontro com o presidente Lula. Lá pelas tantas, alguns oradores acharam por bem lançar, do microfone de uma solenidade oficial custeada com dinheiro público, a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência. Claro, a seleta platéia veio abaixo em palmas.
Resta saber se os decibéis do nada espontâneo coro "Dilma, Dilma, Dilma", gritado pelos afoitos manifestantes, terão alcançado, ali mesmo no Plano Piloto, o ouvido sempre atento do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

Sessão da Tarde

Hoje, excepcionalmente, o blog será atualizado apenas à tarde, a partir das 16h.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Baile de máscaras

Nem sempre o discurso do marketing ambiental funciona, mesmo para gigantes como a Petrobras. Por decisão inédita da BM&F Bovespa, ela acaba de ser retirada da carteira do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), o selo "verde" que dá status ecológico a papéis negociados na bolsa. A exclusão decorreu de denúncias da sociedade civil e dos governos estaduais de SP e MG devido ao não-cumprimento por parte da estatal da resolução 315 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que manda reduzir os níveis de enxofre no diesel comercializado no Brasil.
Também levaram cartão vermelho, flagradas como patrocinadoras de práticas nocivas ao meio ambiente, outras grandes empresas, como Aracruz, a Copel e a Iochpe-Maxion.

Quilhotina

Começou e não deve parar. A Vale, contrariando seu discurso oficial e sem alarde, iniciou o processo de demissão de, pelo menos, 400 de seus 56 mil empregados. As primeiras vítimas da degola foram escolhidas entre os trabalhadores da área do cobre, no Pará; na ferrovia, em Minas Gerais; e no setor de pelotização, no Espírito Santo.

Nova York sitiada

A megalópole está sob cerco. E não são os fantasmas do terrorismo internacional que a assustam. Seu implacável inimigo nestes tempos em que o sistema estremece e lança milhões na rua da amargura é um velhíssimo conhecido do ser humano: a fome. Só neste ano, segundo dados de entidades não-governamentais, cresceu em 28% o número de famintos na cidade. Agora, são famílias inteiras, incluindo crianças e idosos, que se espremem nas gigantescas filas nos postos de distribuição de alimentos destinados à indigência.
O pior, entretanto, é saber que mais da metade dos centros assistenciais não dispõe de recursos suficientes para atender à nova e crescente demanda. A Coalizão Contra a Fome, articulação similar à nossa Ação pela Cidadania, denuncia que houve nesse período uma sensível diminuição dos fundos governamentais. É a guerra contra os pobres em pleno andamento.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Terra em transe

As placas tectônicas da profunda e intermitente crise socioambiental paraense entraram novamente em atrito, renovando os sinais de que não se perpetua o modelo de concentração de riquezas e de socialização da miséria sem que a fatura seja posta sobre a mesa.
Paragominas explode sob o cerco orquestrado pelos meliantes de sempre, agora mais audaciosos e violentos.
Xinguara entra em combustão denunciando a insegurança que sangra o sudeste e o sul, impune e cruelmente.
Novo Progresso é um paiol prestes a ir pelos ares, órfão de autoridades e sem qualquer horizonte que não seja o mergulho cego no caos.
Belém e seus arredores temem pela chegada diária de mais uma fornada de histórias trágicas, na voragem de uma guerra civil não-declarada.
Desse caldo insuportável é que provém a matéria-prima que faz girar rotativas ávidas por transformar em lucro instantâneo essa mistura incandescente de sangue alheio e ganância mercantil sem limites.

O dia do caçador

Quem disse que o Brasil é o país da impunidade? A Operação Satiagraha já tem seu primeiro punido: o delegado Protógenes Queiroz acaba de ser afastado da Divisão de Inteligência da Polícia Federal. Ao retornar de um curso de especialização, o policial que coordenou as investigações que levaram à prisão - curta, mas dolorosa - do especulador Daniel Dantas, soube que estava à disposição do setor de recursos humanos. Na geladeira, isto sim, enquanto está no forno, em fogo alto, o golpe de misericórdia contra quem imaginou ser possível colocar banqueiro salafrário na cadeia.

Sinal dos tempos

E o outrora todo-poderoso Citigroup, segundo maior banco dos Estados Unidos e detentor de uma carteira de 200 milhões de clientes em 106 países, pediu clemência, ajoelhado diante dos cofres públicos, antes que seu valor de mercado virasse pó e sua debacle se tornasse a senha da derrocada em larguíssima escala do núcleo duro do sistema financeiro norte-americano. De outubro para cá, foram mais de US$ 350 bilhões jogados em um buraco de profundidade cada vez mais incerta, uma pequena parte da gigantesca bolsa-banqueiro que já beira dos US$ 5 trilhões, ou algo em torno de cinco vezes o PIB brasileiro.
Os otimistas sabem que tudo isso é o só o começo. O pior ainda está por vir nesse drama sem final feliz, pelo menos para os que pagarão no futuro imediato a amarga conta para que a roda da fortuna não deixe jamais de girar.

Apartheid na academia

Enquanto pouco a pouco o Brasil vai se reconhecendo negro ou mestiço, a docência em nossas universidades permanece esmagadoramente branca. De cada 10 professores, sete se autodeclaram brancos, enquanto apenas 1,7% admitem ter ascendência afro-brasileira. Os dados estão no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e foram sistematizados pelo professor e mestre em educação pela UNB, Luiz Araujo, cujo blog está entre os preferidos do Página Crítica.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Por trás da cenografia, Paragominas arde

De primeiro município paraense a divulgar um plano para se tornar uma "Cidade Verde", modelo de supostas práticas "sustentáveis", a palco de violento e organizado cerco a agentes de órgãos ambientais, com direito a carros queimados e depredação de prédios públicos. A velocidade com que o fantasioso marketing ambiental de Paragominas, a 300 km de Belém, veio abaixo só é proporcional à desenvoltura da ação criminosa que lá se instalou faz muito tempo.

Não deu zebra

Vencendo em 17 dos 23 governos estaduais em disputa, o presidente Hugo Chávez, através de seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), consolidou uma posição de força nas eleições realizadas ontem (23). Sob intensa fiscalização internacional e evidente torcida contrária por parte dos principais grupos midiáticos nacionais e estrangeiros, empenhados na ininterrupta cruzada para demonizar o líder venezuelano, o eleitorado compareceu em massa, alcançando 65,45% dos aptos a votar. Na Venezuela o voto é facultativo, o que representa em si uma contradição com o discurso dos que pretendem carimbar a democracia vigente nesse país vizinho como uma farsa a serviço de um totalitarismo caricatural.

Mortos, incômodos, perigosos

Se há mortos que não morrem jamais, um desses responde pelo nome de Zambem, Nzambi, Zumbi, "Deus da guerra" para alguns, "Senhor dos mortos" para outros tantos. Sua sombra passeia pela história, provocando ora pavor, ora esperança a depender de que lado escolhido pelo observador.
Lá está ele, com sua lança e seus adereços inbangalas, olhando ao longe a aproximação das primeiras naus do invasor. Angola, terra de seus ancestrais seria sangrada de morte quando o primeiro "civilizado" alcançasse a praia e deflagrasse a guerra sem fim.
Morto em combate, escravizado, violado, ele renasceu entre os cativos. Singrou o Atlântico no ventre de um navio-tumbeiro. Na placenta do horror indescritível temperou seu caráter.
Em Porto Calvo, entre a sacristia e a senzala, descobriu que não havia (re)nascido para sucumbir diante da palmatória da fé alheia ou do açoite inclemente que o reduzia a instrumentum vocale; Aos 14 emigrou para Palmares, na fértil serra da Barriga, e de lá somente sairia morto ou vivo para sempre.
Guerreiro tenaz não parou mais de lutar. Nem mesmo o seu tio, Ganga Zumba, rei de todos os quilombos do vasto território de Palmares, foi capaz de domesticá-lo.
25 de novembro de 1695, a traição encontra Zumbi isolado, fugitivo, mas ainda assim cavando trincheiras ao lado de uma meia dúzia de combatentes. É com eles que trava a última batalha. Nas palavras de Caetano de Melo e Castro, fidalgo português que governava Pernambuco à época, ele "pelejou valorosa e desesperadamente, matando um homem, ferindo alguns e, não querendo render-se, nem os companheiros, foi preciso matá-los, e só a um se apanhou vivo; enviou-se-me a cabeça de Zumbi, que determinei se pusesse em um pau, no lugar mais público desta praça (da cidade do Recife), a satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros, que supersticiosamente julgavam este imortal...".
Acabava-se Palmares, estava morto Zumbi. Será?
Há quem jure que ele foi visto, encarnado em marujo, entre os que tomaram o Minas Gerais e fizeram daquela nave de guerra a plataforma para por fim aos açoites que a Marinha impunha aos seus homens, todos pobres, quase todos negros. Corria o ano de 1910 e um, dois, muitos Zumbi marcharam ao lado de João Cândido, até que perecessem sob as balas da reação ou de fome e de sede nos cárceres de um Estado que renegou a anistia concedida tão pouco tempo antes.
Estava ele também, feito síntese primorosa dos que se unem para combater a escravidão de ontem e a de hoje, no fusca crivado de balas, à altura do número 806 da alameda Casa Branca, no aristocrático Jardins, São Paulo, capital. 04 de novembro de 1969, morria Marighella, nascia, no mesmo instante o eterno Zumbi.
Lá vai Zumbi-Oswaldão, corpo decapitado, preso à pá de um helicóptero verde-oliva. O sobrevôo é rasante, feito para provocar horror nos povoados do Araguaia, naqueles dias sombrios de 1974, o cerco se fechando como uma sucuri que vai esmagar, um a um, os ossos de sua presa.
Morrer, nascer, lutar, moto-contínuo. Afinal, não foi o olhar de Zumbi, misturado a outros tantos, que foi divisado, em meio à quase-escuridão do amanhecer, rompendo as cercas da morte de mais um latifúndio na Amazônia das Casas-Grandes e Senzalas?

domingo, 23 de novembro de 2008

O preço da pressa

A Justiça Federal em Rondônia acaba de proibir, através de decisão provisória (liminar), o início das obras da hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira. O juiz federal da 3a Vara, Élcio Arruda, determinou a suspensão da Licença Parcial de Instalação concedida pelo Ibama à Energia Sustentável - consórcio formado pela GDF Suez Energy (50,1%), Eletrosul (20%), Chesf (20%) e Camargo Corrêa (9,9%) -, que está sujeita a multa diária de R$ 100 mil em caso de desobediência.
Sob forte pressão do Planalto, o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) criou a figura esdrúxula da "licença parcial", que não está prevista na legislação brasileira. Agora, a obra deverá receber o licenciamento integral, cumprindo todos os ritos e exigências da Lei, tendo em vista o enorme impacto socioambiental que deverá provocar em Porto Velho e região.

Dentes arreganhados

Despropositada e inoportuna a reação brasileira ao gesto soberano do Equador em buscar a arbitragem de uma corte internacional para deliberar a legalidade ou não do pagamento de uma operação de crédito do BNDES à construtora Odebrecht. Os US$ 242,9 milhões foram utilizados na construção de uma hidrelétrica em território equatoriano suspeita de incontáveis ilegalidades, com as quais o governo de Rafael Correa não pretende compactuar.
A irritação de Lula, segundo seus porta-vozes, seria maior diante da inexistência de aviso prévio por parte do Equador. Ora, essa mentalidade senhorial que obrigaria o Equador a comunicar um país estrangeiro sobre um assunto de sua estrita competência deve empolgar apenas a quem possui vocação de lacaio, o que tudo indica não seja o caso das forças políticas e sociais que, a duras penas, sustentam o processo de mudanças democráticas e populares naquele país andino.
O gesto do Itamaraty de ordenar o retorno do embaixador em Quito correspondeu a uma posição de inusitada beligerância. Afinal, confundir interesses nacionais com os eventuais malfeitos de empresas brasileiras no exterior só apequena nossa diplomacia e nos faz parecidos, mesmo que de forma caricatural, com o grande irmão do Norte, acostumado, por séculos, a resolver suas pendências comerciais usando o argumento das canhoneiras.

Valha-nos quem?

A estimativa é do promotor Raimundo Moraes, do Ministério Público do Estado. A usina termoelétrica a carvão mineral, que a Vale pretende construir em Barcarena, uma região que já sofre impactos do pólo mínero-metalúrgico ali construído, vai despejar na atmosfera anualmente cerca de dois milhões e meio de toneladas de carbono, algo equivalente à poluição produzida por toda a frota de carros que circulam na cidade do Rio de Janeiro. Em tempos em que aumenta no mundo a consciência dos riscos do aquecimento global, trata-se de uma péssima notícia, cercando de desconfiança a ligeireza dos argumentos utilizados pela maioria governista do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), que há poucas semanas concedeu licença ambiental a este polêmico pojeto.

Dialética dos tempos da vingança em conta-gotas

Belém do Grão-Pará, cerca de 1815:

"(...)
Fecha o círculo da vida o Brigadeiro Inspetor de Milícias Joaquim Manoel Pereira Pinto de uma febre aguda; e segundo outros de veneno, que lhe propinaram em uma cuia de assahi por vingança dos cristeis de malagueta, das palmatoadas, e do carcere privado, com que vexava os Tapuyas. Subroga-o no Governo Provisional o Coronel Engenheiro Pedro Alexandrino Pinto de Souza."

Antônio Ladislau Monteiro Baena. Compêndio das Eras da Província do Pará (1a edição em 1838; reeditado pela Universidade Federal do Pará, Coleção Amazônia, Série José Veríssimo, 1969, p.291).

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ação entre amigos

O presidente Lula acaba de assinar o decreto que permite a concretização da compra da Brasil Telecon pela Oi, um negócio estimado em R$ 13 bi. Surgirá, então, uma supertele "genuinamente" nacional, dizem os apoiadores da controvertida medida. De certo mesmo, só a alegria de Daniel Dantas, o próprio, que deverá embolsar a mixaria de US$ 1 bi na venda de sua participação na BrT e, óbvio, dos controladores da Oi (ex-Telemar) tendo à frente Sérgio Andrade (da Andrade Gutierrez) e Carlos Jereissati (do grupo La Fonte), que passarão a dominar cerca de 65% da telefonia fixa, 43% da banda larga e 17% das linhas de celular existentes no país.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Franchising da trampolinagem

Com anos de atraso, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou ontem, 19, o notório Marcos Valério pelo esquema criminoso montado em 1998 para desviar e lavar dinheiro para os tucanos mineiros. Foi o começo de um lucrativo negócio que faria muito sucesso, tempos depois, quando o PT entrou com força no ramo da compra de políticos no atacado, tornando-se o principal franqueado do que parecia ser uma operação eficaz e isenta de riscos.
Apesar de todos os desgastes e solavancos, a total falta de punição para os envolvidos no escândalo do Mensalão, denunciados à Justiça desde 2006, demonstra que talvez Delúbio Soares e seus inúmeros cúmplices não tenham comprado gato por lebre como muitos podem imaginar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Shoá na terra prometida

Foram quase 15 dias de boqueio total. As tropas israelenses impuseram o cerco sobre os 750 mil palestinos que vivem confinados no "gueto" da faixa de Gaza em mais um castigo coletivo. Funciona assim: se há disparo de mísseis artesanais contra alvos de Israel ou, como no caso recente, a escavação de túneis dentro da área palestina, supostamente para facilitar o ingresso de armas e munições ou a captura de soldados das forças de ocupação, a resposta militar atinge a população inteira, sem discriminação. Assim, durante períodos que podem se estender por semanas ou mesmo meses, Gaza fica sem remédios, energia elétrica, água potável e até alimentos. Uma catástrofe - Shoá em hebraico - no interminável holocausto palestino.
Impossível não recordar os castigos que as tropas nazistas praticavam contra as populações civis dos países anexados - na França ou na Polônia, por exemplo - toda vez que os partisans atigiam algum alvo de guerra. Para a ONU e dezenas de ONGs humanitárias o que ocorre na Palestina é uma tragédia humanitária e uma violação flagrante do direito internacional, sob o olhar cúmplice dos demais países, sobretudo dos Estados Unidos e da Europa, que deveriam exercer pressão para deter a barbárie.
Nesse ritmo, não causará espanto se, em breve, algum tiranete de Israel, auto-proclamado como a "única democracia do Oriente Médio", tenha a idéia de afixar, em um dos portões de Gaza ou da Cisjordânia, uma placa com aquela frase carregada de irônica crueldade erguida pelos alemãs no portal dos campos de Auschwitz-Birkenau: Arbeit macht frei ("O trabalho liberta").

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Pânico na floresta

Caiu a fortaleza do jogo do bicho em Belém. Agentes da PF e do Geproc (Grupo Especial de Prevenção e Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público do Estado, estouraram o maior centro de processamento de apostas do grupo Parazão, principal banca paraense. Na ocasião, a polícia apreendeu R$ 900 mil em espécie e estima que a arrecadação diária da rede de contraventores deve alcançar R$ 1 milhão. Pode ser uma ótima oportunidade para desvelar a teia de proteção que sustenta, há tantos anos, essa lucrativa e sempre bem relacionada atividade ilícita.

Atualização às 10h00 de 19/11

Às vezes, como todos sabem, operações espetaculares são somo as montanhas: acabam parindo ratos. Os jornais de hoje retificam a informação do total de dinheiro apreendido durante a Operação Arca de Noé. Ao invés de R$ 900 mil, apenas algo entre R$ 81 e R$ 100 mil. Pode parecer um detalhe, e de fato é. O que vai qualificar (ou não) a iniciativa do MPE e da PF é o dia dia seguinte. Finalmente haverá uma repressão permanente e eficaz às quadrilhas que exploram o jogo do bicho no Pará?

Saco vazio se põe em pé

A propaganda opera milagres. Alguém duvida? Basta ler com atenção o encarte publicitário regiamente pago pelo governo do Estado e publicado na edição de O Liberal do domingo passado (16). Que outro governo, depois de quase 24 meses de mandato, teria a desfaçatez de apresentar como realização a compra de "20 mil novas carteiras escolares"?
O resto, como se sabe, cabe muito bem no alegre mundo da computação gráfica, que aceita absolutamente tudo, enchendo de carne e osso promessas de obras que transformarão o Pará num "canteiro de obras". Por enquanto, apenas existente no universo em 3D, mas que produz um som bastante concreto do tilintar de milhões nos cofres do insaciável mercado da propaganda institucional.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Dialética da palavra peregrina

"Conheci ontem uma celebridade. Estava comprando gazetas a um homem que as vende na calçada da rua São José, esquina do Largo da Carioca, quando vi chegar uma mulher simples e dizer ao vendedor com voz descansada:
- Me dá uma folha que traz o retrato desse homem que briga lá fora.
- Quem?
- Me esqueceu o nome dele...
Leitor obtuso, se não percebeste que "esse homem que briga lá fora" é nada menos que o nosso Antônio Conselheiro, crê-me que és mais obtuso do que pareces. A mulher provavelmente não sabe ler, ouviu falar da seita dos Canudos, com muito pormenor misterioso, muita auréola, muita lenda, disseram-lhe que algum jornal dera o retrato do Messias do sertão e foi comprá-lo, ignorando que na rua se só vendem folhas do dia. Não sabe o nome do Messias; é "esse homem que briga lá fora". A celebridade, caro e tapado leitor, é isto mesmo. O nome de Antônio Conselheiro acabará por entrar na memória desta mulher anônima, e não sairá mais. Ela levava uma pequena, naturalmente filha; um dia contará a história à filha, depois à neta, à porta da estalagem, ou no quarto em que residirem (...)".

Machado de Assis. Crônica publicada na revista A Semana, em 14 de fevereiro de 1897.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Uma ponte longe demais

Quem cumprirá o papel de interlocutor entre os empresários de ônibus e Duciomar na explosiva missão de desembrulhar o próximo aumento das tarifas de ônibus? É que Paulo Castelo, primeiro-amigo, conselheiro e pau-para-toda-obra do prefeito de Belém está em local incerto e não sabido, ganhando tempo tentativa de evitar sua iminente prisão decretada pela Justiça Federal. Dizem, inclusive, que Castelo teria sido visto bem longe daqui, desfilando na sempre agitada orla de Miami.

O senhor das armas

Desembarca dia 25 no Brasil o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev. Cercado de forte aparato de segurança, ele cumprirá o papel de caixeiro-viajante. De armas, é claro.

Conta macabra

Por ano, somente nas regiões metropolitanas, cerca de 13 mil pessoas, a maioria crianças e idosos, morrem prematuramente em decorrência de graves doenças pulmonares. Um dos principais agentes deste massacre silencioso, dizem os especialistas, é o elevado nível de poluição causado pela quantidade de enxofre no diesel vendido no Brasil - dez vezes mais poluente que o comercializado na Europa, por exemplo - e pela utilização de tecnologias ultrapassadas nos motores, algumas gerações tecnológicas atrás daqueles que são produzidos aqui somente para a exportação.
O acordo firmado entre o Ministério Público Federal, Petrobrás, Anfavea (representando as montadoras) e o ministro Carlos Minc, joga para 2014 a solução do problema, impondo um gradualismo inaceitável quando o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) já havia concedido um prazo de quase sete anos para que fosse realizado os ajustes industriais necessários. Diante deste escândalo, há ainda os que se escandalizam com os níveis indecentes da saúde pública brasileira.

Boi voador

Para a PF, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. Para o empresariado paraense, sempre dispostos a rastejar diante de buanas endinheirados, simplesmente um caso exemplar de sucesso. Assim, Daniel Dantas e sua Agropecuária Santa Bárbara penetram na história amazônica como donos de um dos maiores rebanhos de todo o país. Com um detalhe constrangedor: seriam 500 mil cabeças, ou o dobro, segundo estimativas confiáveis do mercado. O que poucos atentam é que além de tudo estes boizinhos pastam em terras públicas, cuja grilagem descarada está no cerne de antigas e de novíssimas fortunas.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Tempos de Cólera

Está frio, gelado como o vento que varre as estepes chinesas, o clima atual entre o prefeito reeleito de Ananindeua e seu pai, o todo-poderoso Jader Barbalho (PMDB). Tudo porque Elder insistiu, contra a vontade dos cardeais de seu partido, em integrar a seleta comitiva da governadora Ana Júlia (PT) no longo (e provavelmente inócuo) périplo pelas diversas províncias do gigante asiático. Afinal, quando a guerra se prenuncia no horizonte, não há nada mais grave que a suspeita de confraternização como os inimigos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Resíduos (muito) sólidos

Para quem ainda se surpreende com o repentino crescimento da empreiteira Belém Ambiental decorrente de seus milionários contratos na Prefeitura de Belém, é bom saber que seu poderio não se resume às estratégicas áreas da limpeza pública, da pavimentação de vias ou da gerência da frota municipal de caminhões e demais equipamentos herdados da Macrodrenagem. Os tentáculos da firma que é o verdadeiro xodó do prefeito Duciomar Costa (PTB) se estendem a territórios mais amplos e não menos lucrativos. No portfólio da emergente BA consta, por exemplo, o contrato 15/06, que prevê a construção, no lixão do Aurá, de duas novas células de armazenamento de resíduos sólidos. Por razões insondáveis, o tempo passa e nada da obra - se é que alguma coisa efetivamente está sendo feita - mas o contrato segue seu curso, estando neste momento já no sétimo termo aditivo, como comprova a confusa retificação publicada no Diário Oficial do município, de 30 de junho deste ano.
Veja o seguinte trecho: "Considerando que o Sétimo Termo Aditivo ao Contrato 15/06 foi assinado como Sexto Termo Aditivo e publicado como 8o Termo Aditivo, e republicado como Sexto Termo Aditivo, permanecendo a irregularidade (...)". Deu para entender? Não se preocupe. A Prefeitura garante que tudo está dentro da lei e o "vício" pode ser corrigido com a simples republicação do ato. Mais difícil vai ser explicar porque os prazos deste estranho contrato são consumidos com tanta avidez, só comparável à voracidade com que as verbas parecem ser consumidas pelo pagamento sempre pontual de gordas faturas.

Papai Noel existe

É quase inacreditável. À primeira vista fica a impressão de que houve um erro grosseiro, um lapso de algum burocrata sonolento. Porém, uma leitura atenta da medida provisória 446, editada pelo governo federal na última sexta-feira (7), não deixa margem a qualquer dúvida. Realmente a intenção foi anistiar, de uma só penada, milhares de entidades supostamente filantrópicas, que a partir de agora terão seus Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) validados em bloco, inclusive desconsiderando eventuais recursos ou impugnações que dormitavam nos suspeitíssimos escaninhos do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Para os mal-feitores que enriquecem através dos benefícios fiscais concedidos irregularmente, não poderia mesmo haver melhor e mais apetitoso presente de Natal.

Por águas abaixo

Depois de anos de violento lobby, prevaleceu o interesse das grandes empreiteiras do setor elétrico e das empresas de mineração. O presidente Lula acaba de publicar no Diário Oficial da União um decreto que coloca em risco de destruição milhares de grutas e cavernas em todo o país. Esse imenso patrimônio natural, composto de pelo menos 7.300 grutas, era protegido por lei, o que atrapalhava os planos de muitas obras, como é o caso da hidrelétrica de Tijuco Alto, na fronteira entre os Estados de São Paulo e Paraná, cuja construção está embargada pela existência de duas cavernas nos limites da área a ser inundada. Agora, as cavernas passam a ser classificadas levando-se em conta quatro níveis de relevância: máximo, alto, médio e baixo. Somente as formações de "máxima relevância" deverão continuar contando com a proteção da União. As demais, desgraçadamente, poderão acabar sob milhões de metros cúbicos de água ou destruídas por outras intervenções nada sustentáveis.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Chore por mim, Argentina

Desde 2003, quando o Congresso argentino declarou nula a infame Lei da Obediência Devida, herança maldita dos anos de traição e covardia de Raúl Alfonsín (1983-1989), passando pela histórica decisão da Suprema Corte daquele país, em 2005, declarando as atrocidades dos militares - de qualquer patente - como crimes contra a humanidade, já são 33 repressores condenados e centenas que respondem a processos na Justiça por tortura, morte e desaparecimento forçado de milhares de lutadores sociais.
Como se vê, nossos vizinhos do Prata não se deixaram enganar pela odiosa cantilena das viúvas da ditadura, nem de governantes tíbios que não se cansam de requentar os velhos argumentos que estiveram na base dos regimes sustentados pelo terrorismo de Estado, esta praga que vitimou a América Latina durante as décadas em que nossa região cumpria o triste papel de patio trasero dos falcões de Washington.

A voz que não se cala

A África está órfã. Estão órfãos também seus milhões de filhos, espalhados no enorme continente ou submetidos à diáspora pelo mundo afora. Ontem, 10, com o coração fulminado, calou-se, para sempre, a garganta da cantora e militante política sul-africana Miriam Makeba, a "Mama África", com 76 anos de vida e de incessante luta pela afirmação da felicidade humana. Radical, jamais compactuou com os opressores, nem emprestou o seu talento para enfeitar o palanque de ditadores ou de títeres coloniais. Por isso, foi perseguida e ultrajada, em sua própria pátria ensangüentada pelo abominável apartheid e em outras porções do planeta cuja democracia costuma terminar na porta das fábricas ou das cozinhas. Exilada por décadas, somente retornou à sua África do Sul quando Nelson Mandela alcançou, em 1990, a tão buscada liberdade e já era irreversível a revolução pacífica que varreu, para sempre, o monstruoso sistema de discriminação racial naquela porção do continente africano.
Um pouco antes de morrer, Makeba, mesmo com a saúde muito debilitada, em cadeira de rodas e amparada pelas netas, fez questão de participar de um ato público, em Castel Volturno, no sul da Itália, em protesto contra o assassinato de seis imigrantes africanos a mando da Camorra, em setembro passado. As vítimas pereceram nas mãos da máfia, que controla a ferro e fogo uma extensa rede de escravidão contemporânea, entre outros lucrativos negócios criminosos.
A grande voz da África insubmissa se calou, mas, paradoxalmente, será cada vez mais ouvida e apreciada, em todas as latitudes e por pessoas de todas as cores e credos. Seu canto, sua arte, sua mensagem de alegria e de crença na justiça, estarão presentes toda vez que alguém ousar manter vivo o sonho dessa mulher exemplar. Tão bela, tão doce e tão vivamente necessária.

A grande família

A família Wlad não pára de crescer. Depois de estender, em poucos anos, seus tentáculos do show business ao lucrativo mundo da compra e venda de concessões de rádio e TV, o deputado Wladimir Costa (PMDB) ingressa agora no seleto nicho dos produtos de beleza. Fiel a seu estilo algo histriônico, não faz qualquer esforço para disfarçar suas digitais, sempre delicadamente bem cuidadas, na nova marca Wlass, lançada em Belém, no último dia 5, em concorrido e perfumado coquetel.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Investigação seletiva

Soa no mínimo estranho - se for efetivamente verdade - que todas as delegacias e seccionais da Polícia Civil estejam mobilizadas na caça aos assassinos do advogado e diretor jurídico do Grupo Líder, José Francisco Vieira, morto a tiros na manhã da última sexta-feira (07), em Belém. Há pouco tempo, quando da morte dos irmãos Novelino, algo semelhante já ocorrera, sem que ficasse esclarecido o real combustível que sustentou a grandiosa mobilização de delegados e demais servidores policiais.
Não se questiona, antes pelo contrário, que deva haver o mais completo empenho na mais rápida apuração desse crime, com a prisão e punição exemplar de todos os envolvidos. O disparate reside na falta de isonomia: não se tem visto nada parecido diante dos inúmeros crimes de morte, fruto de latrocínio ou em decorrência de outras causas, que em todos os finais de semana banham em sangue a região metropolitana de Belém.

Macondo às margens do Guajará

Quanto custou a vitória de Duciomar Costa (PTB) em Belém? Quem não quiser esperar o realismo fantástico da prestação de contas oficial, pode ir fazendo projeções com base no levantamento da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), que projetou o custo médio de US$ 14 por cada voto obtido nas capitais. Assim, os 436.693 votos de Duciomar teriam representado quase 13 milhões de reais (contra os R$ 8 milhões estabelecidos como teto de gastos junto ao TRE), o que pode ainda ser considerada uma estimativa muito acanhada diante da fabulosa máquina de captação de votos que tomou conta das ruas da capital no mês passado. Há os que multiplicam por dez esse número e ainda acham que sobrou um bom troco.

Dignidade que vem dos Andes

O governo peruano acaba de anunciar a decisão de ingressar com uma demanda judicial a fim de recuperar milhares de peças arqueológicas da cidade inca de Machu Picchu, que desde 1912 estão na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, representando, porém, uma pequena parte do fabuloso saque que o patrimônio peruano sofreu ao longo de séculos de dominação colonial.
Diante do exemplo que parte de um governo assumidamente de direita, pergunta-se quando o Estado brasileiro tomará uma atitude de igual dignidade. O ponto de partida poderia bem ser a luta - judicial inclusive - para o resgate dos seis mantos Tupinambá, peças sagradas deste povo praticamente aniquilado pela guerra de ocupação, todos atualmente ornamentando coleções de museus da Europa. O mais famoso deles, por exemplo, depositado há séculos no Museu da Dinamarca, esteve no Brasil por um curto período durante a grande Mostra do Redescobrimento, organizada com toda pompa e circunstância no ano de 2000.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Dialética do dia que abalou o mundo

"...Quarta-feira, 7 de novembro de 1917, (...)

A sessão extraordinária do Soviet de Petrogrado terminara naquele momento. Fiz Camenev parar. Pequeno, movimentos vivos, quase sem pescoço, Camenev traduziu-me rapidamente para o francês a resolução que acabara de ser aprovada:
" O Soviet dos Deputados Operários e Soldados de Petrogrado saúda a Revolução vitoriosa do proletariado da guarnição de Petrogrado. Ao mesmo tempo, deseja salientar, em particular, a união, a organização, a disciplina e a cooperação admiráveis das massas, durante a sublevação. Poucas revoluções venceram com tão pouco derramamento de sangue, venceram tão rapidamente e de maneira tão completa.
" O Soviet declara que está firmemente convencido de que o Governo Soviético Operário e Camponês, que vai ser criado pela Revolução e que assegura a aliança entre o proletariado das cidades e as massas camponesas pobres, entrará no caminho que conduz ao socialismo, uma vez que o socialismo é a única maneira de eliminar para sempre a crise, a miséria e os terríveis horrores da guerra (...)."

John Reed (1876-1920). Dez dias que abalaram o mundo (p. 128-129)

Olha o regatão aí

Em São Paulo, centro propulsor da economia nacional, já são mil os empregados da construção civil (entre operários, engenheiros e outros profissionais) que perdem o emprego diariamente, invertendo de forma perversa a curva do emprego em um dos mais dinâmicos vetores de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Contra todas as evidências de uma crise social que se desenha dramática, o governo só tem olhos e ações para socorrer, às custas do contribuinte, os cofres de bancos e de diversos setores econômicos, das multinacionais automobilísticas aos insaciáveis barões do agronegócio. Que falta faz, nesta ante-sala de um novo período de retração econômica, a combatividade de um sindicalismo classista, como aquele das grandes greves do ABC, soterrado na poeira de um quarto de século.

Spy Vs. Spy

Está mais que evidente o caráter de retaliação que cercou, nesta semana, as operações da PF, amparadas em ordem judicial, mas em desacordo com o parecer dos procuradores do Ministério Público Federal, contra o delegado Protógenes Queiroz e outros policiais que estiveram à frente da rumorosa Operação Satiagraha, aquela que desbaratou a quadrilha do todo-poderoso Daniel Dantas. O objetivo declarado das buscas e apreensões realizadas em vários estados era recolher provas do vazamento de informações para jornalistas na véspera das prisões. Isso mesmo. Não se está focalizando os crimes do banqueiro e de seus endinheirados clientes - acusados de lavagem de bilhões de reais, entre outras falcatruas contra o sistema financeiro. Não, isso fica para depois, no dia de São Nunca, provavelmente.
Entrementes, distante dos holofotes e das sirenes que cortam as madrugadas, Daniel Dantas vai amealhando vitórias expressivas em seu manifesto propósito de demolir, uma a uma, as provas recolhidas contra ele. No final, acreditem, não sobrará nada. Aliás, restará apenas o gosto acre de que no Brasil o dinheiro - muito dinheiro, por certo - continua sendo o mais eficaz argumento de defesa.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Trópico do pecado

A Monsanto resolveu entrar com tudo no promissor mercado da produção de etanol. Por R$ 630 milhões (cerca de US$ 290 milhões), a gigante estadunidense comprou duas empresas de biotecnologia, especializadas em melhoramento genético da cana-de-açúcar, que pertenciam ao grupo Votorantin, um dos maiores conglomerados indústrias do país. E isso é deve ser só o começo de um processo de desnacionalização do cobiçado setor dos agrocombustíveis.

Los hermanos

Já estão praticamente prontos os crachás de convidados especiais ao Fórum Social Mundial (FSM) para Hugo Chávez, Evo Morales e Fernando Lugo. Eles desembarcarão em Belém, acompanhados de uma forte comitiva formada pelos movimentos sociais da região, no finalzinho de janeiro.

Rede de intrigas

O que apenas freqüentava as conspirações palacianas ganhou, ontem (5), em O Liberal, ares de versão semi-oficial. Um artigo assinado por Raul Meireles, ex-petista hoje aboletado no PDT e tido como principal ponte de ligação entre Ana Júlia e Duciomar Costa, faz uma apaixonada defesa da política da governadora e de seu grupo, revelando o que estaria subjacente à suposta neutralidade praticada durante o 2o turno em Belém: isolar seus adversários internos ao PT (Paulo Rocha e a maioria dos cardeais do partido) e arreganhar os dentes para seus incômodos aliados (Jader e o PMDB). Mais que isso, a estratégia lançaria as bases de um palanque para 2010, onde o PT (de Ana Júlia, bem entendido) conviveria harmoniosamente com o PTB (Duciomar et caterva) e seus satélites convenientemente abrigados no PR e PDT. Só o tempo dirá se esse sonho dourado terá mesmo alguma consistência, ou não terá passado de um salto mortal entre o fogo e a frigideira.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Terapia do riso

Em tempos de bombardeio midiático das supostas maravilhas do sistema político norte-americano, e ainda em pleno festejo pela eleição de Barak Obama, apresentada como sinal da "vitalidade do processo democrático" vigente nos Estados Unidos, não custa recordar uma piada que nunca saiu de moda nos países abaixo do Rio Grande. É mais ou menos assim:

- Por que nunca houve um golpe de Estado nos Estados Unidos?
- A razão é simples. É porque lá na terra do Tio Sam não há ... (silêncio) uma embaixada dos Estados Unidos!

Bem-vindos a 2122

Mantidos os atuais anêmicos indíces de investimentos em saneamento básico - de apenas 0,22% do Produto Interno Bruto (PIB)-, o Brasil universalizará os serviços de esgoto tratado para toda sua população somente no distante - e incerto - 2122. É o que garante a Fundação Getúlio Vargas (FGV), que registra o vergonhoso indicador de um em cada dois brasileiros sem rede de coleta de esgoto. Mas, atenção: isto é uma média. No Pará, por exemplo, o déficit é muito, muito maior.

Amigos para sempre

Nem a iminente prisão de Paulo Castelo, condenado a cinco anos de prisão em regime fechado pelo crime de extorsão, será suficiente para abalar sua amizade com o prefeito Duciomar Costa (PTB). Unidos há anos, nem a desgraça que se abaterá sobre seu mais fiel colaborador deverá colocar em risco laços de apoio recíproco e de sólida cumplicidade que vem dos tempos em que Duciomar era deputado estadual e Castelo ainda se metia em perigosas estripulias no comando do Ibama no Pará, naquele não tão distante maio de 2000.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Do jeito que o diabo gosta

Que o brasileiro respira um ar cada dia mais poluído quase todo mundo sabe. O que ainda paira como um mistério é a responsabilidade pela tragédia ambiental da elevada concentração de enxofre no óleo diesel, responsável por incontáveis mortes por doenças respiratórias, especialmente nos grandes centros urbanos.
Desde 2002, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) determinou através da resolução 315, que o teor de enxofre fosse reduzido dos atuais 500 ppm para 50 ppm, a partir de 1o de janeiro de 2009. Ocorre que a Petrobrás, em acordo com as montadoras de veículos e distribuidoras de combustíveis, propõe esticar ainda mais este cronograma, alegando dificuldades técnicas para cumprir uma determinação para a qual já havia sido concedido um prazo de 6 anos.
Assim, o Brasil continuará no topo do ranking do diesel mais sujo do mundo, na vergonhosa companhia de países como Argélia, Namíbia, Botsuana e Líbia.

Prisão perpétua?

Para quem ainda duvida do enorme peso das dívidas externa e interna sobre a sociedade brasileira alguns números mais que escandalosos: entre 1979 e 2007, a dívida externa brasileira saltou de US$ 2,8 bi para US$ 243 bi, mesmo que o país tenha pago, no mesmo período, 262 bilhões de dólares a mais do que recebeu. Enquanto isso, a dívida interna sangrou os cofres públicos, somente nos últimos 12 anos, em US$ 651 bilhões em juros, muito embora o seu valor tenha sido multiplicado por 20, beirando agora os US$ 1,4 tri.
Ainda assim tem banqueiro reclamando da vida e clamando pela inevitável ajuda do tesouro, que virá com a presteza de sempre.

Tão perto, tão longe

Daqui a pouco, o presidente Lula inaugura em Tucuruí, sudeste do Pará, a segunda casa de força da hidrelétrica de Tucuruí, depois de longos dez anos de construção e R$ 3, 7 bilhões em investimentos. Festa para os grandes conglomerados eletrointensivos, a Vale à frente, que continuarão a ter o fluxo permanente de energia boa e barata (às custas de enormes subsídios estatais). Nada mais distante da realidade das milhares de famílias de trabalhadores sem ou com pouquíssima terra, que no entorno da terceira maior geradora de energia do país, vegetam na mais completa escuridão.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Papel passado

Todos os barracos foram todos queimados e as 300 famílias de trabalhadores sem terra obrigadas a subir nos caminhões e deixar a fazenda Nega Madalena, em Tucumã, sul do Pará. Seria mais um despejo violento como tantos não fosse um detalhe: os autores da truculência estavam fardados e usavam distintivos. Eram policiais federais, civis e militares e cumpriram mandado judicial expedido pela 5a Vara da Justiça Federal de Goiás. As terras pertenceram aos narcotraficantes Leonardo Mendonça e Fernando Beira-Mar, servindo para a lavagem de dinheiro e como ponto de recepção de drogas vindas do exterior.
A ação violenta, ao estilo dos sindicatos do crime tão ativos na região, quebrou um acordo que estava firmado entre o juiz federal e o Incra de Marabá, que já havia manifestado interesse em arrematar as propriedades em leilão. O MST, porém, promete apoiar a reocupação da área para denunciar o que considera a falência da política de Reforma Agrária do governo federal.

Sem açúcar e sem afeto

Quando a crise se abate, a saída é sempre a mesma, pouco importando o tamanho da empresa: diminuição da produção, férias coletivas, retração de investimentos e, no horizonte não tão distante, demissões. É este roteiro, tantas vezes repetido em tempos em que os lucros sinalizam baixa, que a gigante Vale começou a executar a partir de sexta-feira, 31, ao tornar público um conjunto de medidas de desaceleração de suas plantas ao redor do mundo.
Em meio a discursos que ainda simulam tranquilidade, revela-se toda a extensão da extrema fragilidade de uma economia sustentada na volátil bolha de investimentos especulativos e subordinada aos humores do mercado mundial de matérias-primas.
Que ninguém se engane: a crise veio para ficar e sua extensão e profundidade serão determinadas pelos centros de decisão do outro lado do oceano.

Do pó ao pó

Um grande incêndio, ainda de causas desconhecidas, consumiu na tarde de ontem (2) o prédio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), órgão responsável pela política social da Prefeitura de Belém. Boa parte do patrimônio físico da entidade virou cinzas em decorrência de um evento que talvez jamais seja completamente esclarecido. Mas, são bem conhecidos os responsáveis pela destruição, já nos primeiros meses de 2005, de todas as políticas públicas voltadas à infância e à juventude, o que transformou a Funpapa numa sucursal do que há de mais atrasado em termos de clientelismo.

domingo, 2 de novembro de 2008

Dialética da guerra amazônica (vista pelos de cima)

"(1725)



...Expede o Governador (e Capitão General do Estado do Maranhão e Gran-Pará João da Maia da Gama) a Belchior Mendes de Moraes para socorrer as povoações indianas do Rio Negro, e devassar do Princial dos Manáos denominado Ajuricada, e dos seus irmãos Dejari e Bebari, que estão comprimindo ações guerreiras a parte superior do dito rio de tal maneira que se vê o Governador na precisão de dar conta a El-Rei (...)



(1727)

...Envia o Governador em Junho uma força armada sob as ordens do Capitão João Paes do Amaral para o Rio Negro encorporar-se a Belchior Mendes de Moraes, e alli segundo a determinação do Gabinete de Lisboa profligar os Manáos, que conduzidos pelo seu Principal Ajuricaba em grandes Esquadrilhas de canoas com bandeira dos Estados de Hollanda estavam praticando estragos com suas frequentes incursões nas aldeias, e aprisionando os habitantes dellas, e alienando-os como escravos aos Hollandezes."



Antonio Ladislau Monteiro Baena (Lisboa, 1782 - Belém, 1850), militar e cronista, autor do essencial Compêndio das Eras da Província do Pará (Universidade Federal do Pará, 1969, pp.146-147).