segunda-feira, 31 de maio de 2010

Um Estado fora da lei

A frota de navios de bandeira turca, com mais de 750 passageiros a bordo, estava em águas internacionais.
Vale dizer: sob a proteção de leis e convenções aceitas por quase todos os países do mundo.
Por quase todos, bem entendido.
Israel, por exemplo, é um Estado que se julga acima dessas leis.
Na verdade, em bom português, trata-se de um estado fora da lei, que pratica a violação do direito internacional de forma contumaz. E não é de hoje. Desde 1948, quando nasceu como país, não faz outra coisa senão praticar a lei da selva e a apologia da barbárie.
Por isso mesmo, não deve causar surpresa que tropas especiais israelenses tenham atacado, como bucaneiros modernos, os navios que traziam toneladas de ajuda humanitária à população palestina da etermanente sitiada Faixa de Gaza.
Ajuda humanitária e não armas, que fique claro.
Os ativistas, desarmados, usaram seu inalianável direito à resistência.
E pagaram caro pela ousadia: pelo menos 19 mortos e muitos feridos.
Um massacre.
Mais um massacre que permanecerá impune.
Até quando?

domingo, 30 de maio de 2010

Tem gato na tuba

Se a candidatura do deputado Domingos Juvenil (PMDB) ao governo do Estado vai ter ou não longevidade só as próximas semanas poderão responder.
Por trás desta inusitada aventura já se pode enxergar uma ou outra figura política exótica, o que deveria acender de imediato o sinal de alerta.
Uma das digitais, por exemplo, responde pelo nome de Mário Couto.
O histriônico senador tucano foi um dos maiores lançadores de lenha nessa fogueira (de tantas vaidades e interesses).
A ação encoberta (?) sinaliza uma traição antecipada ao candidato consagrado pelo partido, o ex-governador Simão Jatene.
O fato de Almir Gabriel também integrar a célula semi-clandestina que trabalha pela viabilização desta suposta - e pouco crível - terceira via, só acrescenta componentes de imponderabilidade em todo o quadro.
Prepara-se, então, uma Noite de São Bartolomeu. Falta apenas definir quantos - e quais - serão imolados quando a hora decisiva chegar.

sábado, 29 de maio de 2010

Dialética das dores&delícias do jornalismo

"(...)

No melhor dos cenários, jornalistas instalam-se à margem da história da mesma maneira que vulcanogistas escalam uma cratera fumegante, tentando olhar para seu interior em meio a fumaça e cinzas, esticando os pescoços sobre a beirada que ameaça cair. Os governos procuram assegurar que tudo permaneça como está. Suspeito de que seja isto de que trata o jornalismo - ou pelo menos aquilo que deveria ser: assistir à história e testemunhá-la e, então, apesar dos perigos e restrições e de nossas imperfeições humanas, registrar tudo da maneira mais honesta possível."


Robert Fisk (1946), jornalista e escritor inglês, considerado o mais importante e completo correspondente de guerra em atividade. Pobre Nação. As Guerras do Líbano no século XX ( Rio de Janeio: Record, 2007, p.10)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Velas ao mar

A blogosfera é como um enorme oceano.
Ao jogar sua rede tudo pode acontecer.
Não raro, ao invés de um belo e copioso cardume a pescaria pode resultar em frustração total.
Sua rede pode vir à tona lotada de lixo devidamentecoberto com o fino verniz do embuste.
Encontrar grãos de trigo misturados em tanto joio é uma tarefa tão difícil quanto indispensável nestes dias turbulentos.
Por isso mesmo, merece destaque o surgimento do Blog da Repórter, que acaba de ser trazido ao mundo pelas mãos competentes da jornalista Rita Soares.
Eis aí uma leitura obrigatória para quem pretende navegar em busca de informação correta e de qualidade.

Quem tem medo do lobo mau?

Hillary Clinton abriu a caixa de ferramentas.
Sem dó nem piedade, desancou o esforço de Brasil e Turquia para pavimentar uma saída diplomática à crise nuclear iraniana.
A dama estadunidense fez cara de brava e arreganhou os dentes: o Brasil dá "tempo" ao Irã e torna o mundo "mais perigoso".
A retórica da chanceler dos Estados Unidos está no limite da hidrofobia. Não faz qualquer contraste com seus antecessores diretos quanto alertavam o mundo contra o "Eixo do Mal" e tratavam de criar o clima para a guerra, que acabou chegando com choque e pavor.
As armas de destruição em massa de Sadam viraram um traque. Era uma impostura da CIA e do Pentágono.
A suposta capacidade de fabricação de artefatos nucleares pelo Irã - que está longe, mas muito longe disso - também não passa de uma piada de péssimo gosto.
Brasil e Turquia estão se comportando como gente grande, de espinha ereta e com olhos para o futuro.
O tempo - senhor do destino - dirá quem tinha razão quando o que hoje parece ser apenas mais uma ópera bufa explodir em pólvora e aço. E, quando o petróleo - sempre ele - estiver no centro de uma nova e ainda mais sangrenta guerra colonial.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Uma Gestapo verde e amarela?

Estudantes correndo em desespero.
Uma enorme nuvem de gás e muita pancada distribuída fartamente.
Os portões da Universidade são invadidos pelas tropas.
O que ainda existia de autonomia foi pelo ralo na mesma proporção em que os soldados passam a prender os manifestantes. Agem como uma soldadesca furiosa, típica de qualquer ditadura.
Mas, muita atenção: esses militares são brasileiros, pagos com o dinheiro do contribuinte de nosso país.
A missão deles - supostamente, of course - é levar "Paz e Estabilização" ao destroçado Haiti.
Ao reprimir, com violência típica das tropas de ocupação, um ato de protesto civil, pácífico e constitucional, revelam sua verdadeira face de títeres a serviço de potências imperiais.
A propósito, a jornada dos estudantes haitianos que foi duramente reprimida levantava duas bandeiras singelas: a renúncia do presidente-fantoche René Preval e a retirada imediata das forças da ONU, lideradas pelo Brasil.
É hora de nossos soldados voltarem para casa.
Antes que cubram definitivamente de vergonha (e de mais sangue inocente) a bandeira que juraram defender.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Guerra nas Estrelas

Carlos Slim, o plutocrata mexicano que soube como ninguém crescer - e crescer extraordinariamente - na farra das privatizações nos anos 90, está cada vez mais guloso.
Quer lucrar mais, e para isso vai montando e remontando suas múltiplas empresas, no exterior e no Brasil.
Para disputar em melhores condições com a concorrência, quase toda multinacional, sob a bandeira dos portugueses, italianos e, agora, franceses que pretendem ingressar no lucrativo filão da banda 3G.
Aqui, ele controla a Claro, a Embratel e 49% da Net, em sociedade com a família Marinho.
Seu sonho de consumo, porém, é ampliar seus domínios sobre a TV aberta, enfeixando num mesmo pacote as quatro áreas (telefonia fixa, móvel, TV aberta e Tv paga).
Para isso, sonha com a aprovação do PL 29/2007 que tramita no Congresso e pretende, assim sem o menor pudor, permitir que estrangeiros possam ter o controle de empresas de telecomunicações.
Eis aí um bom assunto para ser escancarado à opinião pública antes que seja tarde demais.

terça-feira, 25 de maio de 2010

É a economia, estúpido

A relativa redução no desmatamento, registrada entre 2004 e 2006, teve uma origem objetiva: o desaquecimento na demanda pelas commodities florestais.
O que era óbvio, e desmente o discurso oficial que procurou capitalizar o fato, agora é confirmado por uma interessante trabalho científico coordenado por pesquisadores da UFMG.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ecos do passado

1975.
O mundo começa a conhecer os horrores do regime de apartheid na África do Sul.
As ruas de Soweto, as mesmas que dentro de dias receberão multidões de turistas para a Copa do Mundo, em breve seriam varridas pelo fogo das armas dos racistas. Centenas de vítimas civis em enormes poças de sangue.
Entrementes, no regaço de negociações diplomáticas secretíssimas, Shimon Peres, então Ministro da Defesa de Israel e P. W. Botha, seu homônimo da África do Sul, negociavam em silêncio e nas sombras.
Mas sobre o que tratavam?
A África do Sul já estava isolada e previa que o embargo internacional tenderia a se intensificar.
O Estado de Israel, envolto em intermináveis guerras com seus vizinhos árabes, buscava estreitar laços diplomáticos e comerciais com um regime amplamente repudiado.
Identidade de interesses?
Semelhança de métodos?
O jornal britânico de The Guardian, em primeira mão, revela que era muito, muito mais.
Os governantes de Israel agiram, naquele momento, como mercadores. Mercadores da morte em ampla e enorme escala.
Sobre a mesa dos negociantes, armas de todos os tipos. Convencionais, químicas e... nucleares.
Sim, justamente do arsenal - ilegal sob todas as normas internacionais - que Israel jamais admitiu possuir e tampouco se deu ao trabalho de negar publicamente.
Uma história do passado que diz muito, mas muito mesmo, da atual fobia artificialmente criada para isolar o regime iraniano e preparar as condições para novas e mais sangrentas aventuras bélicas dos Estados Unidos e seus aliados.
Aqui, a matéria do The Guardian (em inglês).
Aqui, a repercussão no portal G1.

domingo, 23 de maio de 2010

Dialética da canção que se levanta em rebeldia

"Canto Libertador

Escuta, nos poemas que te oferto,
batidas de tambor, rumor de remos
retalhando essas águas seculares
onde remaram nossos bisavós.

Ouve os gritos de dor rasgando o tempo
nos porões dos navios, nas senzalas,
nos troncos, nas fazendas, nos garimpos
a retumbar no âmago de nós.

É preciso correr! O tempo urge!
Carece remover o esterco, a lama
que a História sobre nós depositou.

E é preciso cantar! Ódio e tristeza
não trarão água e pão à nossa mesa,
não combrirão de flores nosso chão."


Antonio Juraci Siqueira (1948, nas margens do rio Cajary, arquipélago do Marajó), poeta paraense. Uirá-Pirá (Belém: edição do autor, 2004, p.33).

Tudo pelo capital

É uma matemática estranha.
Grande parte do dinheiro sairá dos cofres do BNDES, a juros subsídiados e a longo prazo.
Pelo menos 80% dos quase 20 bi (que serão esticados durante a obra para 30 bi ou mais) serão drenados do Tesouro, deixando de atender as demandas mais urgentes e necessárias ao povo brasileiro.
Parte da infraestrutura e das chamadas medidas mitigadoras - eufemismo para designar a tentativa de amenizar os terríveis impactos socioambientais - também serão custeadas pelos cofres públicos.
Porém, a usina de Belo Monte, esta verdadeira tara do governo Lula&Dilma&Grandes empreiteiras, receberá sócios estatais até o limite de 49,98%.
Por que não 51%?
Por que não atribuir a este dito projeto estratégico, apontado como a própria salvação da lavoura do modelo de crescimento a qualquer custo, a chancela do controle público?
Eis aí uma belíssima pergunta. Melhor: uma pergunta constrangedora e inconveniente.
A privatização, palavra maldita na presente quadra eleitoral, possui mesmo variadas e múltiplas maneiras de se manifestar.
As formas mais sutis, ou mais encobertas, costumam ser as mais eficientes.

sábado, 22 de maio de 2010

A violência nossa de cada dia

Quinta-feira, 20, no meio da tarde, numa movimentada rua de um bairro periférico de Belém.
De repente, faz-se o pânico. É mais um assalto.
Ouve-se um tiro e um jovem cai baleado.
O assaltante foge levando a motocicleta da vítima enquanto uma pequena multidão se forma para ver, com os próprios olhos, o que já está virando rotina.
Na véspera, num bairro mais próximo do centro, um jovem universitário de 22 anos perdia a vida em um assalto semelhante.
Mais uma vítima, número frio de estatísticas que só revelam o óbvio: a política de segurança pública faliu e faliu fragorosamente.
Nos jornais de hoje a polícia anuncia que teria desvendado o crime com a prisão - ou, mais especificamente, com a apresentação dos jovens - tragédia dentro da tragédia - que confessaram participação no assassinato.
Providência tardia e que está muito longe de reparar a dor da família enlutada ou amenizar o sentimento de desproteção que engolfa toda a sociedade.
O império da droga com suas múltiplas e sinistras conexões segue ditando as regras. Regras que implicam em matar ou morrer, como se nada mais tivesse qualquer importância.
Está, portanto, a cada momento mais evidente que não é possível tratar essa fratura exposta com doses esporádicas de aspirana.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

De porteiras escancaradas

No forno da CNTBio a liberação de mais uma espécie transgênica.
A bola da vez é a variedade de arroz "Liberty Link" da multinacional alemã Bayer.
Já se ouve o tilintar das moedas - muitos bilhões delas - nos cofres dos que mercantilizam a vida e a natureza.


Quem tem medo de cara feira?

Foi a direita subir nas tamancas diante da primeira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) para o governo Lula se apequenar.
De recuo em recuo, de olho nas urnas e temendo arranhões na imagem de sua candidata á Presidência, Lula foi fazendo concessões cada vez mais expressivas.
É por essas e outras que as transições brasileiras são o que são: uma requintada maneira de manter tudo, mas tudo mesmo, do jeito que os de cima - e seus acólitos - tanto gostam.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mais do mesmo. E ainda falta tanto

Já virou lugar comum.
Dia sim, dia não, os procuradores do Ministério Público Federal detonam mais uma bateria de denúncias por improbidade administrativa contra o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB) e sua, digamos assim, equipe.
As mais recentes ações somam quase R$ 35 milhões e esquartejam falcatruas na área da saúde e da habitação.
O que se espera, até porque não se deve perder a esperança na Justiça, é que alguma coisa aconteça. E aconteça a tempo de demonstrar que o crime não compensa.

Previsão do tempo: chuvas e trovoadas

Céu de brigadeiro que nada.
A economia global está dando sinais de que tempo ruim vem por aí.
Em quanto tempo a bolha vai explodir?
Nem com bola de cristal é possível prever ao certo.
Mas que a onda vai acabar batendo nas praias da Terra Brasilis, não existe dúvida alguma.
Afinal, o país, ao contrário do que apregoa o discurso quase unânime do governo e da oposição, nunca esteve tão dependente dos maus humores do mercado.
E, como se vê, o mercado está mesmo à beira de um ataque de nervos.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O partido das sombras

Responda rápido: qual é a quinta maior bancada na Câmara Federal?
Com 46 parlamentares tendo recebido doações financeiras na campanha de 2006, a mineradora Vale bem que poderia ostentar esse título, ficando à frente do PP, de Paulo Maluf, que elegeu 42deputados.
Mas essa conta está subestimada: o poder da ex-estatal é muito maior, estendendo-se como um polvo gigante sobre quase todo o plenário da Câmara e do Senado, sem respeitar legendas partidárias ou supostas diferenças ideológicas.
Não é por acaso que tudo que a Vale faz acaba sendo idolatrado no parlamento, sepultando-se a sempre urgente investigação sobre as muitas suspeitas que cercaram seu processo de entrega - a preço de banana - ao capital privado, inclusive estrangeiro.
Em tempo: a Vale foi também a maior doadora individual da campanha de reeleição do presidente Lula e a segunda maior na contabilidade de seu oponente tucano, Geraldo Alckmim.



terça-feira, 18 de maio de 2010

Palavras incendiárias

Israel é uma democracia. Certo?
Se você sequer abre o saudável espaço para a dúvida, pode parar a leitura por aqui.
Mas se está disposto a furar o véu midiático e penetrar naquele complexo e conflagrado quadro, prossiga.
Israel acaba de proibir o acesso ao território ocupado da Cisjordânia de um cientista de renome mundial. Noam Chomski, 81, iria proferir uma palestra na universidade palestina de Birzeit. Não vai mais. Está proibido pois sua presença foi considerada um "risco" à segurança nacional do país.
O linguista é, de fato, um homem sumamente desafiador. E não é de agora.
Sem nunca ter negado sua ascendência judaica, ele jamais compactuou com a tese de um povo eleito e possuidor de direito divino sobre uma terra que, por séculos, havia sido habitada por tantas outras civilizações.
Há décadas este ativista libertário defende o estabelecimento de um processo sério de paz com os palestinos. Paz, sim, ao invés da matança sem fim de inocentes, pouco importando o nome, religião ou nacionalidade das incontáveis vítimas.
Barrado na fronteira por um bedel qualquer, interrogado durante horas. Uma humilhação sem precedentes. Chomski não se deixou abater.
Ele jamais se abate, nem mesmo depois de passar em revista os horrores do breve (e sangrento) século XX e de perceber como a herança de intolerância e selvageria deitou raízes neste início de novo milênio.
No seu alforje, como de costume, lá estão suas palavras afiadas, sua crítica tão profunda quanto radical e sua incorrigível esperança no futuro, munição mais do que letal para todas as formas de totalitarismo.

Feridas abertas

A área Yanomami, em Roraima, continua sendo invadida.
Milhares de garimpeiros clandestinos abrem feridas na floresta.
Suas marcas, como a do mercúrio que a tudo contamina, podem ser vistas - e sentidas - em muitos rios da região.
Só a PF afirma desconhecer o que todo mundo sabe: a terra indígena está longe,
muito longe, de receber a proteção que a lei determina.
No início deste mês, segundo notícias da imprensa local, o Exército prendeu 10 garimpeiros perto da fronteira com a Venezuela.
Muito bem. É isso que deve ser feito, sistematicamente e cada vez em maior volume.
Uma dezena de invasores, uma gota d'água. Ainda restariam, pelo menos, dois mil espalhados pela floresta feito um estopim sempre prestes a provocar novas e sangrentas tragédias.

Para saber mais, clique aqui.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

É para sempre?

"Será que essa tortura nunca vai acabar?"
Rostos famosos encarnam homens e mulheres que as forças do silêncio e do terror do Estado submergiram há décadas. E querem que suas histórias, seus destinos e - sobretudo - suas dores permaneçam enterradas eternamente.
Fernando Montenegro é Sônia Angel.
Osmar Prado é Maurício Grabois.
José Mayer é Davi Capistrano.
Abrir os arquivos da ditadura, assegurando o direito à memória de uma vez por todas, é uma da OAB, secção do Rio de Janeiro, que merece apoio e engajamento militante.
Participe do abaixo-assinado digital.

domingo, 16 de maio de 2010

Exterminadores do futuro

O tamanho da tragédia paraense: 70% da população carcerária têm entre 17 e 20 anos.
Para ler a íntegra da excelente matéria de Ismael Machado, no Diário do Pará de hoje, clique aqui.

Como se constrói uma trama

Privatizar os melhores e mais lucrativos nacos da economia brasileira não foi uma tarefa fácil. E nem obra de amadores.
Foi preciso muitos anos de campanha sistemática e tenaz.
Era preciso dobrar a resistência dos movimentos sociais.
Era preciso criar, na sociedade de cabo a rabo, a firme convicção de que ineficiência é produto necessário e indispensável da presença do Estado.
Contrário senso, tudo de bom e de maravilhoso decorre da genialidade inata dos entes privados.
A guerra midiática contra o setor público seguiu por anos a fio, até que as condições "objetivas" e "subjetivas" estivessem dadas. E foi o príncipe FHC o encarregado para operar o desmonte que Collor deixou somente iniciado.
Seu sucessor, Lula, tinha tudo para desmascarar a farsa, mas resolveu seguir e aprofundar o modelo, com mais sabedoria e maior sutileza, diga-se.
Este artigo do economista Aloysio Biondi (1936-2000), publicado originalmente na Folha de São Paulo no já distante 1996, dá uma boa medida de como essa verdadeira conspiração contra os interesses nacionais foi montada. E, infelizmente, até agora executada com bastante êxito.

Dialética dos que semeiam tempestades

"Proclamação do Juiz de Paz de Santarém


Cidadãos Brasileiros natos e naturalizados: e Vós outros de diferentes países residentes nesta Vila e distrito de Santarém: Escutai as vozes sinceras do Cidadão Juiz de Paz que preza os vossos, e seus mais caros interesses. A divisa de um bom brasileiro é ser honrado, ser fiel à Constituição, e obediente às autoridades que o governam (,,,) Concidadãos, confiai em mim, que só apeteço garantir vossa segurança de vidas e propriedades apesar de tantos sacrifícios sofrer possa: acreditai o que vos manifesto, e jamais vos cause impressão consternativa as declarações sediciosas, e outras diabólicas peças manejadas por mãos matricidas: por indivíduos obscuros; por bandidos sem moral que só tentam confundir-se nos horrores da anarquia. Confio quanto confiar se deve em vossa honra. Fraternidade e união é quanto de vós espero, e esperai de mim perseguição, ódio, e justiça punitiva contra os malvados. O Benemérito Brasileiro o Ilustríssimo Major Batista, Comandante Militar, sensível em extremo aos choques convulsivos, ainda que momentâneos, se há prestado com todas aquelas Providências de sua repartição a bem da segurança de que eu e ele de combinação somos responsáveis.
- Minha Residência, 14 de setembro de 1831. - Agostinho Pedro Auzier, Juiz de Paz. - João Batista da Silva, Comandante Militar."



Citado por Domingos Antônio Raiol ("Motins Políticos ou História dos principais acontecimentos políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835", 1º Volume, p. 250).

sábado, 15 de maio de 2010

Seus olhos embotados de cimento e lágrimas

Manoel era pedreiro.
Construía casas, paredes sólidas que jamais o abrigariam.
Suas mãos, calejadas, estão inertes.
Sua vida, aos 45 anos, chegou ao fim em circunstâncias obscuras e trágicas.
Para a polícia, suicídio por enforcamento.
Para a família, assassinato, "queima de arquivo".
O pedreiro Manoel não tinha motivos para tirar a própria vida.
Mas ele tinha medo, muito medo.
Desde que seu filho, Rafael, foi brutalmente assassinado por uma quadrilha de PMs na periferia de Belém, ele e sua família entraram no sétimo círculo do inferno.
Vivia aterrorizado, refém de ameaças abertas ou veladas, para que mudasse seu depoimento no processo que apura a participação dos policiais na tortura, morte e ocultação do cadáver do jovem, também pedreiro, em novembro de 2007.
E tinha motivos para temer: uma outra testemunha, José, de 28 anos, foi morto por dois pistoleiros, em um crime até hoje envolto em mistério.
A quem interessava aterrorizar essa família já tão marcada pela violência?
Não é preciso ser vidente para saber que a suspeita possui endereço certo: a matilha de criminosos que se esconde atrás da farda. Três deles estão presos, mas nem por isso deixam de contar com a cumplicidade silenciosa de muitos de seus pares.
Espera-se que a saga dessa família pobre não sirva apenas para engrossar a robusta estatística de crimes sem solução.
Ou se pune exemplarmente todos os culpados ou toda a sociedade estará reduzida à condição de cumplicidade voluntária com esse estado de barbárie.


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Máquina de lavar

O tucanato paulista tem um bom motivo para não dormir tranquilo.
O fantasma que ronda os pesadelos no Palácio Bandeirantes é quase impronunciável: Oskar Holenweger. Ele é banqueiro e está com o Ministério Público suíço mordendo seu calcanhar por conta de uma intrincada rede de lavagem de dinheiro, corrupção e falsificação de documentos.
No meio da confusão, o propinoduto que a multinacional francesa Alstom montou nos anos 90 e que distribuiu milhões de dólares em troca de múltiplas facilidades em grandes licitações do governo de SP, desde aquela época sob controle do PSDB.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Os fios de uma meada sem fim

Ecos da escravidão.
Ecos da resistência.
Nas páginas que o tempo amarelou, as histórias que os protagonistas - todos ou quase todos - jamais tiveram a chance de decifrar.

"...a cafuza amolatada Raimunda, em fevereiro de 1850, "fugiu em companhia de uns desertores do Batalhão Provincial" rumo à região de Turiaçu e Bragança, área de quilombos (O Publicador Paraense, 20/12/1850, p.04);

E lá, nos quilombos, entre muitos dos seus, Raimunda seguiu sua sina. Terá se embrenhado o suficiente no coração da mata para fugir dos ataques sistemáticos que se fechavam, como uma tenaz em brasa, sobre o pescoço da insurgência negra e pobre? Ou seus sonhos acabaram despedaçados em meio a pólvora e o fogo dos capitães do mato?

"...Roza, atapuiada, em janeiro de 1849 fugira, fazendo crer a sua senhora que estava "na ilha das Onças com um cafuz dezertor de bordo de nome Venâncio" (O Doutrinário, 25/07/1849, p.04);

Com as águas da baía lambendo seu pequeno casebre, Roza, rosto de índia, vê, bem ao longe, as torres das igrejas que sua gente levantara do chão, erguendo há tanto tempo cada parede com a liga de suor e sangue, desde que a primeira nau penetrara o rio-mar com o ventre repleto de armas cuspidoras de morte. Seus filhos - ilhéus e pobres, meio-índios, meio-negros, terão feito o caminho de volta ao porto de sua fuga. No Ver-O-Peso - de ontem? De hoje? - lá estão eles espelhados em tantos rostos e amalgamados numa profusão de cheiros que deixa a cidade do Pará em estado de semi-embriaguez permanente.

"...Jozé havia fugido "em companhia de um italiano, que fazia dançar um macaco, dizendo ser livre (O Planeta, 07/03/1850, p.04);

O que fazia, por estes sertões encharcados de chuvas e lanhados pela injustiça, um cidadão italiano de tão estranhas habilidades. Ele fazia dançar um macaco, diz o relato da época sem oferecer maiores detalhes. Seria um mágico? Um saltimbanco? Um artista que a velha Europa arremessara, grávida de tanto sangue e de tantas revoluções, por sobre o Atlântico para aqui, na província mais massacrada de todo o Império, executar seu ofício de fabricante do riso e da arte de ludibriar a dor?
Jozé - com quantos anos contaria? - dizia-se livre. E isso soava como uma afronta, uma cusparada na face de senhores de terras, de gados e de gentes.
Jozé, nome tão comum - carpinteiro, agricultor, operário, agitador, sambista, professor, mestre de capoeira, escritor...
Em seu olhar, por brevíssimos segundos, enquanto o igarité balançava, manso e sereno, na penetração de águas que se perdiam e se achavam por entre a floresta, pode-se perceber a marca indelével dos homens que anunciam, sem medo e com a perícia de artífices, a chegada do amanhecer.

Colagem a partir de trechos (em destaque) de "Ousados e insubordinados: protesto e fugas de escravos na província do Grão-Pará - 1840/1860", p. 101-102, do historiador paraense José Maia Bezerra Neto.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Não faça o que eu faço

Uma twittada pode ser fatal.
Criticar os patrões, mesmo que em nome pessoal, equivale a uma pena de morte. Morte laboral, bem explicado.
A história da demissão sumária do jornalista Felipe Milanez, que ocupava o cargo de editor-assistente da revista National Geographic, dos Civita, teve uma razão bastante simples: ele publicou um comentário em seu perfil do twitter criticando a abordagem anti-jornalistística da revista VEJA, não por coincidência de propriedade da mesma família, em mais uma matéria de sua campanha odiosa contra a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
O Blog do jornalista Luiz Carlos Azenha conta tudo. E mostra como a intolerância continua sendo a marca distintiva da mídia empresarial brasileira. Aquela mesma que se esgoela na suposta defesa da liberdade em outras plagas.

Gulosos e (muito) perigosos

Avança a privataria na área de água e esgoto no Brasil.
Na esteira de concessões (sempre) polêmicas e de PPPs que já nascem sob o signo da suspeição, 10% da população urbana no Brasil - 15 milhões de pessoas - já são atendidos por empresas que tratam a água como uma mercadoria para gerar (e multiplicar) lucros bilionários.
Num país que precisa investir, segundo dados do próprio governo, R$ 120 bilhões para universalizar o saneamento, ceder nacos crescentes à sanha de grupos privados - nacionais e estrangeiros - é o caminho mais curto para eternizar o regime de apartheid que deixa 51,5% dos domicílios brasileiros sem acesso à rede de esgoto.
Na ponta de lança desse processo de sangria do patrimônio público, despontam duas corporações com íntimas relações com as maiores empreiteiras verde-amarelas: a Foz do Brasil, da Odebrecht, e a CAB Ambiental, da Queiroz Galvão, que juntas concentram 22 projetos em execução que vão atingir 7 milhões de pessoas.
São essas empresas - ou outras do mesmo naipe - que devem estar de olho cumprido em direção ao serviço de água e esgoto de Belém, cuja abertura ao capital privado virou verdadeira tara do governo Duciomar e de seus apoiadores na Câmara Municipal de Belém.

Dança com lobos

A frase não partiu de nenhum esquerdista de carteirinha.
Saiu da boca do ministro das Finanças da Suécia, o insuspeito Andres Borg, a acusação de que os bancos atuam como uma "alcateia" que ataca a economia dos países europeus, um após outro.
A ferocidade destes lobos pós-modernos pode ser aferida por um dado bem simples, pinçado pelo colunista da Folha, Clóvis Rossi: os 14 maiores bancos de investimentos lucraram no último trimestre US$ 78,8 bi, alcançando o nível pré-crise.
Enquanto isso, Grécia, Portugal - e depois, quase inevitavelmente, a Espanha - entram no poço sem fundo da recessão e da derrocada econômica. Os trabalhadores e a classe média desses países já estão sentindo na pele o que, até pouco tempo, era reservado apenas para as populações dos trópicos envoltas no secular círculo de dependência e pobreza.
Para os que ainda têm algum juízo é sempre bom lembrar que os dentes caninos da especulação não reconhecem fronteiras e não costumam premiar com indulto aqueles que se refugiam na suposta proteção do bom-mocismo e da subserviência.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Aula de anatomia

O professor Luiz Araujo, mestre em educação pública pela UNB e consultor na área educacional, disseca os principais pontos da proposta de Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR), enviado com toda pompa e circunstância pelo governo Ana Júlia (PT) à Assembleia Legislativa.
A conclusão do ex-secretário de educação de Belém (governo Edmilson Rodrigues) é que se trata de um dos planos mais conservadores dos últimos tempos.
Sobram, assim, motivos para a terceira greve da categoria, a mais mobilizada e combativa do funcionalismo público paraense.

Há fumaça. E não é do bom direito

Não foi dessa vez que o pescoço de Duciomar Costa (PTB) conheceu o peso da lâmina da Justiça.
Um conjunto de tecnicalidades - julgamento da "exceção de competência" solicitada pelos advogados de Priante (PMDB) e ausência do juiz-revisor, Paulo Jussara, que estaria adoentado - , produziu o adiamento da votação, coisa que, objetivamente, só interessava ao prefeito e a seu vice, ambos ameaçados de cassação.
Na próxima quinta-feira (13), o tema deve voltar à pauta. Ou não. Ninguém agora é capaz de afirmar com segurança.
O relator do caso, José Maria Teixeira do Rosário, sobe, em dias, ao desembargo. Sua substituta, Vera Araújo, poderá alegar desconhecimento do processo, gerando novo adiamento.
O quadro ficará mais confuso com mais uma mudança prevista na composição do TRE, também aguardada para os próximos dias, com a substituição da vaga destinada a um representante da OAB.
Tudo, pelo menos em tese, conspira a favor de uma sobrevida, mesmo que efêmera, para um mandatário maculado por tantas e tão diversas nódoas, mas que sabe como ninguém se prevalecer das oportunidades. Até daquelas que lhes são oferecidas pelos próprios antagonistas.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Flores do Mal

A indústria bélica brasileira tem ocupado cada dia maior espaço no cenário mundial.
Segundo matéria do Correio Braziliense de hoje, em uma década, o Brasil vendeu cerca de 700 toneladas de armamentos - bombas, foguetes e mísseis - para países envolvidos em conflitos bélicos envolvendo cerca de 1,3 milhão de pessoas.
No Sri Lanka, no início de 2008, 116 toneladas de bombas made in Brasil foram compradas pelo governo militar daquele país. Provavelmente, este armamento esteja sendo utilizado nos recentes massacres da minoria tâmil, que continua a ocorrer mesmo sob a condenação de uma ONU cada dia mais desmoralizada.

domingo, 9 de maio de 2010

Dialética da arte de lapidar as palavras

"Aço nenhum pode entrar no coração humano com um efeito tão forte quanto o de um ponto final colocado no momento certo."

Isaac Babel (1824-1941), romancista soviético, autor do clássico Cavalaria Vermelha, dentre outras obras. Citado por Sergei Eisenstein (A forma do filme, Jorge Zahar Editor, 2002, p.96).

sábado, 8 de maio de 2010

Encantadores de serpentes

Um jornal do PT alerta para o risco de "golpe militar" e alardeira que o país está diante da seguinte encruzilhada: "É Dilma ou a barbárie".
Não é piada, até porque o senso de humor não costuma ser muito refinado por aquelas bandas. Trata-se de manobra velha, cuja utilização obedece rigorosamente o calendário eleitoral.
O suposto combate à direita surge somente como parte de um discurso instrumental. Serve para criar um clima de polarização que interessa à candidata governista, como já serviu - e como - para Lula no segundo turno de 2006.
É evidente, porém, que a direita, inclusive sua vertente fascistóide, está mais viva do que nunca. Parte dela, inclusive, abrigada em entidades patronais, na mídia e no parlamento, integra sem qualquer pudor a arca que sustenta a chamada "governabilidade" dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto.
Por isso, não é preciso usar nenhuma lupa para perceber que já foi o tempo em que o PT tinha moral para apontar o dedo para o ninho das elites e para a profusão de ovos de todas as magnitudes e procedências.
Quem almoça e janta ancorado em figuras da estirpe de um José Sarney ou da malta de políticos do PP de Paulo Maluf deveria economizar o distinto público de pataquadas tão pouco criativas.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A hora do espanto

O mercado, ontem (05), esteve à beira de um ataque de nervos.
As notícias da Grécia em chamas e do provável contágio europeu - a começar pela Península Ibérica - deve está tirando o sono de quem vive na montanha-russa da especulação globalizada.
E se essa onda atravessar o Atlântico e bater em nossas praias antes de outubro?
Só os muito ingênuos ainda acreditam nessa estória de blindagem da economia brasileira.
O país está tanto ou mais dependente do que nas crises passadas.
Mas o Brasil possui, como se sabe, muitas e variadas reservas. E elas serão usadas nem que seja para adiar, de olho nas urnas, por mais alguns meses o choque que poderá se mostrar absolutamente inevitável.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Com a corda no pescoço

Quem já leu os autos não tem dúvida: é grave, gravíssima, a situação do prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB).
Na sessão marcada para a próxima ter-feira (11), o pleno do TRE tem tudo para confirmar a cassação do prefeito e do vice, acusados de crime eleitoral em 2008.
A batalha jurídica que advirá não será nada fácil para os atuais ocupantes do Palácio Antônio Lemos.
Vão precisar rebolar muito para impedir a posse imediata do segundo mais votado, o ex-deputado José Priante (PMDB).
Os recursos jurídicos - que são poucos e de eficácia duvidosa - poderão, quando muito, apenas adiar o fim inevitável.
Fortes emoções, portanto, já estão asseguradas para os próximos dias.

Nem tanto esotérico assim

A crise é o modo de existência do capital.
Não se trata de um elemento inusitado. Está na sua gênese. Estará na sua debacle.
O susto dos mercados com a última crise europeia tem razão de ser.
Eles - os especuladores de todos os quilates e quadrantes - bem sabem que a qualquer momento a coisa pode fugir do controle. E o contágio, depois de iniciado, não reconhecerá fronteiras.
Muitas barbas, por lá e por aqui, já devem começar a ficar de molho.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Palavras inteiras

O diplomata e cientista político Paulo Sérgio Pinheiro é um brasileiro exemplar.
Ele possui reconhecimento mundial por ser uma das vozes com maior autoridade no combate à violência e em defesa dos mais fracos, nos quatro cantos do mundo.
É dele, sem meias palavras, esse contundente ataque à vergonhosa decisão da maioria do STF de consagrar a impunidade dos agentes do "Estado bandido", publicado na seção Tendências/Debates da Folha de São Paulo de hoje.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sob o véu da suspeita

O caráter de sigiloso que o governo Ana Julia quer impor à papelada entregue na última sexta-feira, 30, pela ex-auditora geral do Estado, Tereza Cordovil, à Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa é, ao mesmo tempo, absurdo e contraproducente.
Absurdo porque não tem amparo legal e fere de morte o discurso de compromisso com a transparência alardeado pelos que apoiam o Palácio dos Despachos.
Contraproducente - além de suspeitíssimo - porque sinaliza para a existência de malfeitorias flagradas pelas auditorias da AGE. Pior: que as supostas falcatruas não tenham merecido o imediato e radical combate, como manda a lei.

A corda e o enforcado

É de longo alcance a decisão de não rever a Lei da Anistia, adotada por 7 a 2 pelos ministros do STF na semana passada.
A derrota da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF 153), proposta pela OAB, trouxe de volta velhos fantasmas, desses que permanecem bloqueando o caminho do Brasil rumo a um acerto de contas mais do que necessário.
Ao consagrar a existência de um suposto pacto, firmado em 1979, entre o regime de então e seus opositores para que a anistia fosse recíproca, a maioria da corte suprema chancelou uma mentira histórica e deu ma enorme contribuição para que o país continue sob risco de repetir as atrociodades do passado.
A anistia foi fruto de um duplo movimento, complexo, mas articulado. Por um lado, o regime fardado tentava dirigir uma transição sob seu controle, lenta, gradual e limitada, que, por exemplo, não levasse à libertação de militantes acusados de "crimes de sangue". Por outro, a oposição, tanto a parlamentar, mas sobretudo aquela que se movia a partir das lutas sociais emergentes (que logo abririam caminho para grandes jornadas de massa, como as do ABC paulista, por exemplo), exigia uma anistia "ampla, geral e irrestrita", isto é, que implicasse na libertação de todos os presos, sem exceção.
Jamais, àquela época, foi explicitado que também a anistia estaria livrando os agentes do Estado que praticaram crimes comuns, como o de estupro, sequestro e assassinato.
Aliás, os militares nem sequer admitiam que tais crimes tivessem sido praticados.
Supor que tenha havido o consentimento das vítimas para que seus algozes fossem também perdoados é uma falsificação somente explicada pelo caráter conservador e positivista que domina o ambiente no topo do Judiciário brasileiro, e não de agora, diga-se.
O voto indignado do ministro Carlos Ayres Britto, vocalizando uma repulsa que extrapola em muito os limites estreitos da Praça dos Três Poderes, deve ficar como um símbolo e um alento. Nem todos, felizmente, resolveram deixar imprimir em suas togas e em suas biografias a nódoa do sangue das vítimas que até hoje, passadas quase cinco décadas do golpe de 64, ainda clamam por Justiça.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Aves de rapina

Por essa, com certeza, poucos esperavam.
Sem qualquer aviso ao povo paraense, a Vale acaba de fechar um excelente negócio. Para si mesma, é óbvio.
A Albrás, a Alunorte, a CAP e a mina de bauxita de Paragominas trocaram de mãos. A partir de agora essas gigantes mundiais do alumínio e da alumina serão de bandeira norueguesa.
A multinacional Norsk Hydro desembolsou US$ 4,9 bi pelo controle majoritário destes importantes ativos da Vale, essa mesma que vive arrotando caviar, mas talvez não esteja tão boa das pernas como alardeia.
Ao povo do Pará, que é sempre o último a saber, restará o amargo e crescente passivo socioambiental.
Para os que reclamarem, é bom lembrar que privatização leva, necessariamente, à desnacionalização e a total perda de controle sobre as riquezas que deveriam pertencer às gerações presentes e futuras desta terra dilacerada.

domingo, 2 de maio de 2010

Para ler os clássicos

A Grécia está em chamas.
Barricadas nas ruas. Fumaça em meio aos gritos de revolta.
Jovens de rostos cobertos a lançar pedras na polícia.
A escalada de violência só aproxima o país mais alguns centímetros do despenhadeiro.
A repressão estatal, cada vez mais violenta, não tem a capacidade de impor o controle, mas de incitar o ódio que penetra fundo numa sociedade com vasta tradição de lutas e de resistência.
O país está de joelhos, esmagado por uma dívida brutal.
Para sair do atoleiro são receitadas medidas que os da América Latina bem conhecem: corte escandaloso dos gastos sociais, arrocho sem paralelo nos vencimentos dos trabalhadores e a imposição de uma draconiana reforma da Previdência. Tudo ditado de cima e de fora pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelos senhores da União Europeia.
Como primeira pedra de um dominó que arrastará para o buraco, em poucas semanas, Portugal e Espanha, a Grécia agoniza.
Das altas esferas não se espere solução para a crise. Ou melhor, espere-se a solução de sempre: dinheiro público sendo injetado - fala-se em 110 bilhões de euros em "ajuda" - nos cofres do sistema financeiro falido.
Resta acreditar que o povo - somente nele - e em sua capacidade de se erguer e impedir que lhe espetem nas costas mais uma amarga conta da malandragem globalizada.

sábado, 1 de maio de 2010

O Dia do Capital

Os mártires de Chigado devem estar se revolvendo em suas seculares tumbas.
O 1º de Maio em São Paulo das centrais sindicais governistas - CUT, Força Sindical e mais uma lucrativa sopa de letrinhas sustentada pelo imposto compulsório - vai custar pelo menos R$ 2 milhões em patrocínio bancado indiretamente pelo contribuinte através de estatais como a Petrobrás, Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal.
As manifestações devem reunir centenas de milhares de pessoas e contaram com a presença de Lula e sua candidata, Dilma Rousseff.
Além do calor do dinheiro público, que não pode faltar neste tipo de evento genuinamente chapa branca, entraram na vaquinha milionária gigantes do capitalismo nacional, tendo à frente o Itaú, o Brasdesco, a Brasken (do grupo Odebrecht) e as Casas Bahia, entre muitas outras companhias chamadas a financiar mais um estupro da legislação eleitoral vigente.

Barriga de Aluguel

No apagar das luzes da gestão de Hélio Costa à frente do poderoso Ministério das Comunicações saiu mais uma fornada de concessões de canais de TV para cidades paraenses.
Pelo menos duas curiosidades delatam que há algo muito esquisito no ar.
Primeiro, as cidades selecionadas - Tailândia, Tomé-Açu, entre outras - não possuem qualquer grande atrativo comercial. Em comum apenas o baixo IDH e a incipiente atividade econômica vinculada à produção de biodiesel, a nova fronteira que se expande a grande velocidade no nordeste paraense.
Segundo, os novos concessionários são ilustres desconhecidos por aqui, todos de fora do Pará. Se olhados um pouco mais de perto revelarão a marca de nascença identificada com esquemas que floresceram à sombra do PMDB, partido que transformou o ministério numa espécie de capitania hereditária.