sexta-feira, 22 de abril de 2011

Dois povos, dois Estados - Paz na Palestina: intelectuais israelenses lançam manifesto


Do Cebrapaz

Dezenas de personalidades públicas, intelectuais e acadêmicos israelenses assinaram uma declaração em apoio a criação de um Estado palestino com base nas fronteiras de 1967, no marco de uma solução de dois Estados.

Os signatários devem apresentá-la nesta quinta-feira (21) diante do Hall da Independência de Telavive onde o arquiteto do Estado judeu, David Ben Gurion, proclamou a independência de Israel em maio de 1948.

Nesse ato simbólico será lida uma carta assinada por seus promotores, que aproveitarão a ocasião para pedir ao público que se some a eles assinando o documento.

"O povo judeu surgiu na Terra de Israel, onde forjou sua personalidade. O povo palestino surgiu nos territórios palestinos, onde sua personalidade foi forjada", reza o texto da carta, cujo conteúdo antecipa nesta quarta-feira a imprensa local.

Entre os signatários estão ao menos 20 ganhadores do Prêmio Israel, o mais importante do país, que anualmente concede é concedido no Dia da Independência.

Os promotores da iniciativa insistem em que não se trata de um novo plano político, mas de uma forma de apresentar à sociedade uma visão alternativa à postura oficial do Executivo israelense.

Com agências

domingo, 17 de abril de 2011

Cubo Mágico


Segure-se.

Com as duas mãos, sem medo, agarre a crina e galope através do tempo.

Névoa. Céu cinzento. Grávido de tempestades.

Entardecer, lusco-fusco cobrindo a mata.

Na curva do S, Eldorado, sonho e perdição.

A fuzilaria não tarda a começar.

Soldados arcabuzeiros, bombardas e canhões.

Sobre o asfalto, sangue. Muito sangue.

Em meio à gritaria horrenda, um rosto se destaca.

Cabelos ao vento, brancos, branquíssimos.

Ele, o principal, dirige os seus na luta desesperada.

Antes que a noite caia, Guaimiaba, chefe guerreiro, será dominado.

O laudo oficial dirá que levou quatro tiros. Todos mortais.

Um atingiu a cabeça, de trás para frente.

Outro estraçalhou sua testa, pelo lado direito.

Por trás - sempre por trás, seus algozes acertaram seu pescoço, vida que se esvai.

E, sem misericórdia, um último tiro penetrou no lado direito do peito que não se entrega.

Era 17 de abril do ano da graça de 1996.

Ventania. Folhas ao vento.

A floresta se move, silenciosa, decidida.

- Quem vem lá?

- Quem vem lá?, gritou o vigia, tomado pelo mais espesso medo.

Começava o ataque derradeiro.

Nação Tupinambá em formação.

Carregam foices e paus.

Carregam bandeiras vermelhas.

Carregam, em seus alforjes esfarrapados, amuletos ancestrais, cânticos e coragem.

O forte do invasor, porém, não será tomado.

Da paliçada, em frente ao grande rio, protegidos, metralham.

Chumbo. Aço que tudo rompe.

Vidas partidas e lançadas, em pedaços.

A terra sentirá, como nunca, o peso das botas assassinas.

Oziel Alves Pereira, 17 anos, pele escura, cabelos longos, desafiantes.

Ele não se entregará. Mesmo diante da derrota iminente, é líder até o final.

Antes que a noite caia, Oziel, chefe da legião de homens livres, será dominado.

A soldadesca vai cercá-lo, em fúria.

Um tiro de arcabuz?

O canhão que cospe fogo e morte?

Uma punhalada pelas costas?

Pouco importa.

A ordem é clara: matar. Acabar com essa cambada.

Era 7 de janeiro do ano da graça de 1619.




Ilustração: Desenho de Edmilson Rodrigues (novembro 2002, Milano). "Marés do Céu" - Desenhos - Curadoria: Gileno Chaves. MABEU - Museu de Arte Brasil - Estados Unidos. Clique sobre a imagem para ampliá-la.

sábado, 9 de abril de 2011

Voragem de sangue

O massacre de Realengo, com sua profusão de morte, desespero e dor, é um nervo exposto, cuja pulsação lancinante vai demorar muito a passar.
O trauma do fuzilamento sumário de, pelo menos, 12 crianças indefesas, metodicamente planejado por um jovem dilacerado por gravíssima enfermidade mental, revela a face mais cruel de uma sociedade cada dia mais violenta e fraturada social e economicamente.
Quais as raízes mais profundas desta tragédia?
Dentre outros fatores, não há dúvida que podem ser encontradas nas armas tão facilmente adquiridas pelo assassino em série, por R$ 200 reais apenas, pois são as mesmas que circulam pelo subterrâneo circuito do nacotráfico e de seus múltiplos tentáculos que vicejam na ilegalidade.
Enquanto a sociedade permanecer armada, centenas de massacres de Realengo se repetirão na indecente média diária de vidas ceifadas, sob diferentes circunstâncias.
Construir um novo senso - humanista e visceralmente solidário com os mais fracos -, na contramão do pensamento hegemônico que prega respostas violentas à violência crescente e descontrolada, pode abrir uma brecha neste horizonte carregado pela disseminação da maldade que se nutre do extermínio permanente dos desprotegidos.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Meninos, eu (não) vi

Então, está combinado: a maior operação realizada pela Justiça para desbaratar o esquema de corrupção montado pela gigante Camargo Correa, que passou à história como Operação Castelo de Areia, virou pó. Foi demolidada, grão por grão, pela maioria de 3votos a 1 dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A alegação não poderia ser mais prosaica: as provas obtidas pela PF teriam sido ilegais por estarem baseadas em "denúncias anônimas". Ou seja, podem ser verdadeiras, mas não devem existir no mundo jurídico.
Diante do caráter inédito da sentença, que ainda pode ser reformada em grau de recurso, corruptos e corruptores devem estar respirando aliviados.
Aliás, o propinodudo bilionário da Camargo Correa, cujas digitais estão espalhadas por aí em todo o andar de cima, de A a Z no espectro político-partidário verde e amarelo, se for revelado em toda sua extensão e produndidade, dizem, colocaria em risco a sobrevivência da República.
Pena, muita pena, que a geração atual dificilmente veja essas entranhas putrefatas expostas ao olhar bestificado do distinto público.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A rosa de Fukushima

Alguém, em sã consciência, imagina uma empresa privada zelando pela segurança nuclear de um país?
Com certeza, poucos teriam o desplante de imaginar que isso daria certo.
Mas, por incrível que pareça, o neoliberalismo selvagem vigente no Japão confere esse direito - e essa extraordinária responsabilidade - a um conglomerado empresarial chamado Tokio Electric Power (Tepco), que administra a central nuclear de Fukushima, palco há semanas do pior acidente desde a tragédia de Chernobyl, em 1986.
A Tepco, cujas ações estão virando pó na Bolsa de Tóquio, responde pelo fornecimento de energia para um terço da população do Japão. Preocupados com o lucro - ou com iminente falta dele - os gerentes da empresa têm protagonizado uma série enorme de trapalhadas, no mesmo tempo em que se agravam as variáveis - extensão e profundidade - da gravíssima destruição na usina causada pelos terromoto e pelo tsunami de 11 de março.
Ainda é cedo para se ter absoluta certeza de todas as nefastas consequências das explosões ocorridas em Fukushima. Mas já se sabe que o vazamento de material radioativo, em enorme escala na água, no ar e no solo de toda a região, vai muito além da área de evacuação que não ultrapassou 30 quilômetros decretada pelas autoridades japonesas.
Que sirva de lição, amarga e cruel, para os patologicamente privatistas. Pena que esses se caracterizam justamente por não possuir qualquer apreço pela vida humana.

domingo, 3 de abril de 2011

Periscópio - Belém dos bulevares





O olhar precisa submergir.
Décadas e décadas para trás.
1900.
Um pouco mais. Um pouco menos.
Projetada em sépia, a cidade se desvela.
A Belém dos bulevares abre caminho,
domina a visão.
Á direita de quem espia, armazéns que viraram pó.
O porto, signo do progresso que se impunha,
tomou o seu lugar.
À esquerda, imponente, o prédio secular da Alfândega.
Até hoje, ali, resistindo às intempéries e aos
(muitíssimos) maus-tratos.
Em meio às construções, pequenos pontos se movem.
Sobre a linha do bonde, um homem de casaca,
em passo ligeiro.
Quem seria ele?
Um endinheirado do ouro-látex?
Um coronel de barrancos, gados e gentes,
aprisionador de amplidões sem fim na floresta ou
nos campos marajoaras?
Ou, quem sabe, um homem comum, imigrante,
galego ou espanhol, recém desembarcado e ainda
pouco adaptado aos calores da nova terra?
Outras pessoas invadem a paisagem.
Trabalhadores, sim, homens de mãos calejadas,
pés plantados no chão,
sufocados pelo calor e pelo peso da ineludível labuta.
Um deles,quase despencando do enquadramento da foto,
camisa branca de brim que reflete o sol,
para e olha para o trabalho que lhe espera.
Seus olhos estão repletos de luz e,
em meio à algaravia reinante, ele, por alguns
segundos, o tempo exato para o disparo da câmera lhe imortalizar,
é tomado pela certeza de que algo maior,
extraordinário, estava se gestando,
ali mesmo, naquela terra tantas vezes pisada,
agora revestida por pedras impecáveis,
mas que não podia esconder o quanto se alimentou,
por gerações e gerações, dessa enlouquecida
mistura de sangue e de sonhos.


Imagem: Boulevard da República (hoje, Boulevard Castilho França), início do século XX - Relatório de Governo - 1908.