quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Hora da verdade

A grande mídia faz coro com as viúvas da ditadura, fardadas ou não. Clamam por isonomia, como se fosse possível - ou eticamente defensável - colocar no mesmo plano de responsabilidade quem supliciou, esquartejou e deu sumiço a um ser humano com aquele que, diante das circunstâncias do seu tempo, soube exercer seu direito à rebeldia.
A polêmica sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos ainda está longe do fim. O governo parece querer ganhar tempo, jogando a decisão final da controvérsia para mais adiante.
À sociedade civil interessa colocar tudo em pratos limpos, ampliando a denúncia e a pressão legítima para que a covardia não prevaleça.
Felizmente, as primeiras vozes já começam a se fazer ouvir. Aqui e aqui.

Dialética dos bons augúrios para 2010

Lista de preferências

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.

Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contíngentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro,
Meses, outubro.

Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.

Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.


Bertolt Brecht (1898-1956), poeta, escritor e dramaturgo alemão.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Alegria, alegria

O Natal da banca financeira brasileira nunca foi tão fabuloso. Se alguém duvida, que tal conhecer alguns números que explicam a eterna festança no andar de cima.

Nenhum passo atrás

A temperatura na cúpula militar chegou no nível máximo. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica ameaçam pedir demissão se o presidente Lula não determinar a revisão de trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, lançado oficialmente dia 23. Os ministros militares se insurgem, em especial e não por coincidência, contra o eixo norteador 6 (Direito à Memória e à Verdade), não admitindo que seja criada uma "Comissão da Verdade" para identificar o destino dos desaparecidos do regime militar e nem que se proíba a denominação de prédios, ruas, praças ou quaisquer outros logradouros públicos em homenagem aos que cometeram crimes durante a ditadura.
O presidente Lula, mais uma vez, vacila. Pressionado, ensaia uma tal "formula de conciliação", que no caso específico significa acatar a chantagem dos militares e do ministro da Defesa, Nelson Jobim.
Diante do impasse, o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), ameaça pedir o chapéu. Ele é um homem honrado. É é de honra exatamente do que se trata.

Vinhas da ira

Deve causar escândalo, mas não surpresa, que brasileiros sejam brutalmente expostos à violência no Suriname. Há muito que uma intensa e crescente leva migratória partindo sobretudo do Pará abastece a fornalha do garimpo ilegal no Suriname e na Guiana Francesa, face mais visível de uma tragédia que alcança muitas outras dimensões. O tráfico de seres humanos, meninas marajoaras em sua maioria, utiliza esses países fronteriços como corredor para a Europa. Lá, essas mulheres acabam como escravas sexuais, reféns das dívidas e, muitas vezes, da cruel ditadura das drogas.
Muito pouco tem sido feito para desarticular esse esquema criminoso, cuja elevada lucratividade deve também explicar o tratamento leniente que recebe por parte das ditas autoridades em ambos os lados da fronteira.
A verdade, então, é que a existência do garimpo ilegal na região de Albina, a 150 quilômetros da capital Paramaribo, sempre foi uma bomba prestes a explodir. E explodiu, da forma mais dramática e incontrolável, deixando atrás de si um rastro pavoroso de dor, sangue e destruição.
Apesar de tudo, em poucas semanas a "normalidade" será restaurada. Até o próximo desenlace, infelizmente.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Luzes de emergência

Há dias o Blogspot, hospedeiro deste espaço, entrou em curto-circuito global. Milhões de blogs fora do ar e absolutamente nada a fazer. Aliás, apenas uma coisa a fazer: esperar que tudo se normalize em breve e definitivamente.
Até lá, o Página Crítica funcionará no modo de emergência. Ou seja: de vez em quando, quando o cérebro da máquina que sustenta a operação de uma teia quase infinita, sabe-se lá onde localizado, segure as pontas da conexão.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Medalha de Ouro

Às vésperas de completar 51 anos de revolução, o povo cubano sabe que não conquistou o paraíso terrestre, mas tem muito o que comemorar. Extinguir o flagelo da desnutrição infantil severa, algo inédito na América Latina e no Caribe, pode parecer pouco para alguns. Mas não é. Não é mesmo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Recesso natalino

O Página Crítica retorna na segunda-feira, 28. Feliz Natal para todos e todas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Antiguidade é posto

Do quase ex-prefeiNegritoto Duciomar Costa falando de cátedra, ontem (21), na TV Liberal: "Tentaram tomar a prefeitura de assalto, mas não conseguiram".

Faltou, apenas, afixar no Palacete Azul, símbolo do poder político na capital paraense, um singelo e esclarecedor aviso: "Sessão lotada". Assim, incautos de várias índoles seriam mantidos à distância segura, sem quaisquer chances de turbar o alegre e nada discreto ataque ao patrimônio municipal que desde 2005 lá se realiza. Impunemente, pelo menos por enquanto.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Abismo entre intenção e gesto

A COP-15 foi um rotundo fracasso. Certo? Excetuando Barack Obama todos hão de concordar que a enorme montanha de Copenhague pariu uma esquálida ninhada de ratinhos.
Muito barulho por quase nada, dirão muitos. Mas para Lula não foi tão ruim assim. É unânime a avaliação de que ele se deu bem, muito bem, lustrando um pouco mais sua imagem de líder emergente.
Tudo seria uma maravilha se o que é vendido lá fora não fosse a antítese do que se pratica aqui dentro.
Na mesma semana em que seus negociadores atrapalhados, com Dilma no comando, davam cabeçadas no clima dinamarquês abaixo de zero, o governo Lula autorizava uma vergonhosa anistia de R$ 10 bi para os destruidores da floresta. Um escândalo dentro de um escândalo continuado.
Alguém duvida? Recomenda-se a leitura de um especial sobre o papel do BNDES no fortalecimento do modelo sociodevastador brasileiro. Aqui, no Brasil de Fato.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Dialética dos primeiros começos

O paraíso

Da leitura do Gênese se infere
que Adão, nosso primeiro pai
não usava toga ministerial ou acadêmica
manto de rei ou anel de bispo
não trazia tampouco jarreteiras ou barrete
nem gravata cinza para as reuniões do diretório
nem guarda-pó de físico nuclear
nem lapela para o distintivo do partido
nem uniforme de hippie ou de boêmio
e sua excentricidade era tão extrema
que tampouco queria usar calças;
acho que deveria reler o Gênese
pois as letras sagradas sempre ensinam algo

Sara Zapata Valeije, poetisa argentina. Folhetim, poemas traduzidos (Tradução de João Moura Jr, Folha de São Paulo, 1987, p.37).

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Nada de novo no front

Cenas de guerra em pleno centro da cidade. Pânico, medo e sangue. Muito sangue. O desfecho trágico - quatro mortos e vários feridos - serve para lembrar que Belém deixou há muito de ser um lugar seguro. Aqui, como nas principais cidades do país, qualquer um pode ser a próxima vítima.
A morte do cabo da PM e de assaltante que havia feito uma mulher como refém, na tarde sangrenta de ontem (17), engrossa uma estatística vergonhosa. Talvez jamais se apure de onde partiu o primeiro tiro que desencadeou a tragédia, muito embora as imagens exclusivas da TV Record insinuem a possibilidade de que tenha havido descontrole na ação policial, de resto muito difícil e delicada em razão da real ameaça à vida da refém em decorrência da negativa de rendição do assaltante, um jovem de apenas 19 anos.
Já a morte de dois outros acusados, nos momentos seguintes ao tiroteiro, guarda todas as características de uma vingança privada, como tem sido regra neste tipo de ocorrência. A versão de que houve tiroteio entre os policiais e os acusados, nas ruelas da Terra Firme, dificilmente poderá ser reconstituída com o mínimo de fidelidade. A cena do crime foi violada e as vítimas, possivelmente já sem vida, foram levadas como de costume ao Pronto Socorro, forma eficaz de impor o pretenso "auto de resistência".
Essa pedagogia que cobra seu preço em sangue só aprofunda a extensão e a profundidade da barbárie que a tudo e a todos engolfa.
Um dia definitivamente triste, maculado pelo signo da brutalidade, a sinalizar um cenário onde está cada vez mais difícil preservar inteiriço o tênue fio da esperança.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Profecia

Se a usina de Belo Monte se tornar realidade, deixando um rastro de destruição socioambiental em proporções gigantescas e irreversíveis, não terá sido por falta de aviso. Há mais de duas décadas que vozes se levantam contra essa aventura. Vozes com a autoridade decorrente de anos de pesquisa e de vivência entre as populações indígenas e ribeirinhas da região.
O pesquisador Oswaldo Sevá, livre-docente pela Universidade Estadual de Campinas, uma das mais respeitadas autoridades no país na área energética, é um entre tantos que jamais compactuaram com a "verdade" oficial que quer impor o desastroso aproveitamento hidrelétrico do Xingu, do qual Belo Monte será apenas o primeiro e desgraçado passo rumo à construção de, pelo menos, mais cinco barragens. Foi ele o organizador do execelente Tenotã-Mõ (Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, 2005, 92 páginas, com download gratuito aqui).
Agora, quando a pressão a favor da obra atinge seu nível máximo, nunca é demais ouvir os ensinamentos (e proféticas previsões) deste velho mestre, em uma série especial de artigos publicados pelo Correio da Cidadania.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O elo perdido

O governador tucano Aécio Neves cultiva a imagem de bom moço. E isso não é de agora. Mas, por essas ironias do destino, pode ser que tenha dado um pequeno (e grave) passo em falso quando se aproximou em demasia do (hoje) maldito governador José Roberto Arruda (DEM).
Sem poder se desdizer, o aspirante tucano ao Planalto resolveu se fechar em copas. Bico calado, nem um pio sequer diante do maior escândalo político dos últimos anos, foi a única e mais cômoda alternativa, enquanto torce para que a pressão sobre Arruda diminua e não apareça mais nenhum vídeo impróprio para maiores.
Só resta, então, rezar para que da Caixa de Pandora candanga não salte nenhum novo esqueleto capaz de revelar algo muito mais comprometedor que inocentes apertos de mãos e troca de amabilidades diante das câmeras (da imprensa, por favor).

Hasta la vista, baby

Uma foto, às vezes, vale por um milhão de palavras. Vale, sobretudo, quando pouco ou quase nada se tem a dizer. Ana Júlia (PT) e José Serra (PSDB), quem diria, têm muito mais em comum do que um observador ingênuo possa imaginar. Ambos precisaram disputar a chance de dividir o enquadramento nas objetivas dos repórteres fotográficos que cobrem o iminente naufrágio global em Copenhague, posando junto com o governador republicano da Califórnia e entusiasmado apoiador do clã Bush, Arnold Schwarzenegger.
O ex-ator e atual político conservador do estado mais rico dos Estados Unidos vem conseguindo operar com sucesso uma gigantesca operação de marketing ambiental. Para tanto, não lhe falta a ajuda de governantes dos países periféricos, ávidos por arrancar, de qualquer jeito, um lugarzinho ao sol nas primeiras páginas dos jornais de seus tropicais redutos.
Ana Júlia, por sinal, terá perdido uma boa oportunidade para ficar calada. Sugerir um intercâmbio em termos de projetos ambientais com o governo californiano soa quase como uma piada. Piada de péssimo gosto, of course.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A hora da verdade

A Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em Buenos Aires, foi um lager portenho. Campo de extermínio, central de atrocidades, onde foram assassinados milhares de prisioneiros políticos do último regime militar argentinho (1976-1983). Lá, entre gritos terríveis e torturas inomináveis, pontificou um jovem e brutal militar, o capitão Alfredo Astiz, conhecido pelas alcunhas "O corvo" ou "Anjo da morte". É ele e outros 18 acusados que desde a última sexta (11) estão sendo julgados por uma enorme quantidade de crimes cometidos naqueles anos de chumbo.
A Argentina, com todos os seus problemas políticos e institucionais, se agiganta quando tem a coragem de romper com este passado ignominioso.
Do lado de cá do Rio do Prata, para nossa vergonha, prevalece o comportamento pusilânime dos que preferem confraternizar com os algozes de ontem.
Ariel Palácios, correspondente do Estadão na capital argentina, conta essa história de horror, em detalhes. Uma leitura dolorosa e indispensável.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Inimigos íntimos

Almir Gabriel desembarcou. Depois de 21 anos, disse adeus ao PSDB, partido que ajudou a fundar e liderou, no Pará, com mão de ferro por duas décadas.

Sua saída, entretanto, não chegou a ser uma surpresa. Era irrespirável o clima entre ele e Simão Jatene, finalmente sagrado, com direito a alguma pompa e relativa circunstância, candidato da tucanada à sucessão de Ana Júlia (PT). Mais do mesmo, o convescote tucano deixou no ar uma sensação de déjà vu. Afinal, nada mais cafona que aquela profusão de balões e camisas de um amarelo escandaloso.

Só mesmo a carta de Almir, publicada no Diário do Pará de hoje, em mais um excelente furo da jornalista Rita Soares, para quebrar a pasmaceira em que se transformou a política paraense, cachorro que insiste em perseguir o próprio rabo. De tudo que disse, o ex-governador deixou no ar uma denúncia grave: o veto ao seu nome não teria partido apenas das lideranças locais do partido. Não, ele foi rejeitado por outras gentes, mais poderosas e muito bem-posicionadas. É o que se depreende da seguinte e (nada) enigmática frase: "Pressinto e lamento, principalmente, a rendição ao atual representante exibicionista do Bradesco na Companhia Vale do Rio Amargo, somada ao governo egocêntrico de São Paulo, "territorializando" a recolonização da gestão pública no Pará (...)".

Ponto. Mais claro impossível. Almir revela que dois grandes "eleitores", por trás de todos os panos, resolveram a parada na disputa entre os tucanos paraenses: Roger Agnelli, o poderoso chairman da Vale e o irritadiço José Serra, governador de São Paulo, ambos apresentados como autoridades neocoloniais a ditar suas vontades sobre um PSDB "dividido e agachado".

Mais não disse - e parece que não lhe foi perguntado. É uma pena. A história encoberta dessa rinha turbulenta deve possuir muitos outros lances que precisariam ser de conhecimento público. Até porque, no final das contas, será o dinheiro público que sustentará o brilho de mais esta ópera bufa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Crer? Só vendo

Roberto Messias, presidente do Ibama, repete ao Estadão de hoje a promessa de que o licenciamento de Belo Monte não sairá a qualquer custo. Nem pode estabelecer prazos, diz ele, já que está diante do mais difícil e complexo projeto de toda sua vida.
Dá pra acreditar nessas supostas boas intenções? Até que ponto não se trata apenas de uma manobra diversionista, para ganhar um pouco de tempo enquanto a pressão social - aqui e lá fora - arrefece um pouco?
Num belo dia qualquer, podem esperar, virá o prato feito: a concessão da licença prévia para que se faça o leilão bilionário e em poucos meses as máquinas já estarão abrindo uma ferida na floresta.
Que ninguém se engane: tudo será devidamente rebuscado com um conjunto de medidas mitigadoras, o que na prática significa algo semelhante a tratar fratura exposta com algumas doses de aspirina.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Pax tucana

Bicos esfolados, asas dilaceradas e sangrando, um gosto de fel na boca de uns e de outros. Apesar desse inventário de perdas e danos, a foto estampada nos jornais da terra hoje - pelo menos ela - revela uma unidade duramente conquistada entre os senhores da guerra - shoguns caboclos - que dividem o comando da cambaleante nau do PSDB no Pará.
Só mesmo um governo desastroso como o de Ana Júlia poderia ter sido capaz de ressuscitar - pelo menos como ameaça - o retorno dessa turma em 2010.
Essa perspectiva - vade retro! - deve ser vista como prenúncio de tempos ainda mais sombrios para um estado já tão massacrado.
Como todo vaticínio, pode ser esconjurado. Quem se habilita?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Bolsa Devastação

Que tal um presente de Natal de R$ 10 bi, ou o equivalente a um ano de Bolsa Família?
O pior é que não é nada de inédito: todos os anos os ruralistas - sempre eles - esperam por seu agrado de final de ano. Pode ser que na gigantesca meia - ops - que penduram nas cercas de suas propriedades apareça um reescalonamento de suas bilionárias dívidas com os bancos oficiais. Ou, como agora, recebam o regalo de continuar impunes aos crimes previstos no desmoralizado Código Florestal.
Como este espaço adiantou há mais de um mês, Lula já havia dado sinais de que se vergaria, mais uma vez, a essa pressão espúria. Ao premiar quem absolutamente não merece, o governo está sinalizando para a continuidade do modelo devastador. E não tem nem o pejo de esperar o fim da aparentemente inútil Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em Copenhague.
Fica a piada de péssimo gosto. Como prometer uma redução de 1/3 nas emissões de carbono até 2020 estimulando as forças que promovem o corte raso da floresta para fazer avançar a fronteira da agropecuária?
Lula não deixa margem a qualquer dúvida. Ele escolheu um lado - o lado errado, diga-se - e essa escolha ocorreu há bastante tempo, no exato momento em que um legítimo filho do Brasil resolveu passar de mala e cuia para o time adversário.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Dialética como exercício do direito à diferença

"A proteção inútil

(...)
Não adianta falarem comigo no tom que se usa com as crianças, eu olho para o infinito onde há contudo uma andorinha esperando para afiar suas tesouras em meu pescoço. Os vereadores locais chegaram a votar verbas para a minha proteção, o pessoal se preocupa comigo.

Obrigado, senhoras e senhores, eu gostaria de retribuir tanta gentileza com ternura e civilidade; infelizmente vocês estarão sempre aí e isto é despenhadeiro abrupto, máquina de moer sombra, insuportável exagero de uma bondade armada com garras de coral. Cada vez me parece mais penoso complicar a existência alheia, mas já não resta nenhuma ilha deserta, nenhum arvoredo infame, nem sequer um curralzinho para me trancar nele e, dali, olhar os outros sob a luz da aliança. Terei eu culpa, oh, terra povoada de espinhos, de ser um unicórnio?".


Julio Cortázar. Último round (Civilização Brasileira, tomo I, 2008, p.21).


Quanto maior, maior o tombo

Adhemar Palocci, irmão do ex-czar da economia lulista, Antonio Palocci, caiu na rede da PF durante as investigações da Operação Castelo de Areia. Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo de hoje, Adhemar, que exerce a estratégica diretoria de engenharia da Eletronorte, seria figura chave na montagem de um propinoduto que interligou os cofres da Camargo Correa, empreiteira responsável pela interminável (e cada vez mais dispendiosa) construção das eclusas de Tucuruí, no Pará.
Quem conhece minimamente os corredores do alto circuito de obras públicas no Brasil não deve estar nenhum pouco surpreso com a descoberta. Estranho, muito estranho mesmo, seria o justamente o contrário.

O náufrago

O último que sair do governo Arruda, por favor, não esqueça de apagar a luz.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Dia do espanto

A cassação do prefeito Duciomar Costa (PTB) por abuso do poder econômico nas eleições de 2008, por meio de fundamentada sentença do juiz Sérgio Andrade Lima, da 98ª Zona Eleitoral de Belém. trouxe um sopro de ar na modorrenta cena política da capítal paraense.
Naquelas horas de tensão máxima, foi quase possível ouvir o desespero e o ranger de dentes lá pelas bandas do Palacete Azul. Devem ter corrido feito loucos para triturar papéis diversos, planilhas de recebimento e de pagamento, agendas, laptops e outras coisitas mais.
Porém, a disputa jurídica que se abriu vai dar uma bela dor de cabeça para o capo do PTB e tirar um certo ar de empáfia de sua matilha de apoiadores, mas dificilmente provocará a queda definitiva do prefeito, cujos advogados se apressam em busca de algum remédio jurídico de emergência.
Seja como for, por mais precária e ligeira que possa ser a retirada da atual turma que assaltou o poder no município, que se transforme pelo menos em uma janela para revelar a interminável lista de delitos que se comete ali desde 1º de janeiro de 2005. Até ontem, aliás, impunemente.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pausa forçada

Compromissos profissionais afastam nos próximos dias o editor destas páginas de sua base, no Pará.
Postagens e comentários retornam somente na próxima segunda-feira, 7.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

As águas, que ninguém duvide, vão rolar

Foi-se, sem maiores lamentações, a cúpula do setor de licenciamento ambiental do IBAMA, em Brasília. O pedido de demissão de dois técnicos, ambos responsáveis pela análise do licenciamento da polêmica obra da usina de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu paraense, é mais um episódio da guerra surda (e suja) que se trava nos bastidores do poder federal. A ordem de cima para arrancar, a qualquer custo, a licença prévia para viabilizar o leilão bilionário, talvez não seja interrompida. Quem sabe, seja até acelerada.
A mácula de coisa malfeita, porém, já está definitivamente impressa na testa dos defensores de Belo Monte, símbolo maior do garrote neocolonial que ameaça de morte os povos desta sangrada Amazônia.

A cada um o seu quinhão

Chamar o mega-escândalo de corrupção montado pelo consórcio criminoso de José Roberto Arruda (DEM), no Distrito Federal, de simples "mensalinho", como faz parte da grande mídia, é uma agressão à inteligência de qualquer um.
As palavras, como todos sabem, não são inocentes. Carregam, em seu seio, múltiplas significações e cumprem fielmente a ordem de seus senhores.
Demos, tucanos e congêneres bem sabem que a chapa nunca esteve tão quente sobre os seus delicados pés. Perderam - se algum dia já tiveram - a legitimidade de criticar as falcatruas de Lula e do PT, pelo simples motivo de partilharem, desde sempre, dos mesmos métodos de saque aos cofres públicos, regra de ferro que explica - entre outros muitos fatores - que vivamos num país onde tudo muda para permanecer exatamente do mesmo (e insuportável) jeito.

Conversas em torno do mesmo pelourinho

Um juiz de direito envolvido com a prática odiosa do trabalho escravo. Punição certa?
Menos, muito menos. O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) achou melhor passar a mão pela cabeça do magistrado. Afinal, os 25 trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravo, dentro da fazenda do juiz Marcelo Baldochi, eram todos pobres, muito pobres. Para eles, a Justiça sempre olhará com aquela mesma desconfiança que a Casa Grande nutria pelos cantos de dor e de raiva que ecoavam das insalubres senzalas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Irmão Sol. Irmã Lua

Democratas e tucanos, de mãos dadas, organizaram o saque aos cofres de Brasília. Este é o fato.
A cada versão, com novos desmentidos de pé quebrado, vai ficando mais feio, mais insustentável.

Mórbida semelhança

Propina em escala industrial. Comissões sobre (quase) todos os contratos de obras e serviços. Ampla e irrestrita patifaria envolvendo os cabeças do governo e sua operosa base parlamentar, vendilhões no altar da mais acabada política de resultados (altíssimos e sonantes, diga-se).
Se alguém pensa que a definição acima aplica-se apenas ao putrefato governo de José Roberto Arruda (DEM), o grão-corrupto do Distrito Federal, é porque nunca deu uma volta lá pelas banda da Praça Dom Pedro II, na ilharga do Palacete Azul.

Patio trasero

A diplomacia das canhoneiras está de volta. Mas, dessa vez, vem revestida de uma sutileza desconcertante. A invasão dos marines caiu em desuso; hoje, as fronteiras já não conseguem deter o fluxo alucinante dos dólares que a tudo dominam. Já os golpes militares sangrentos - as quarteladas que infernizaram a América Latina por décadas - nunca saem de moda. Apenas recebem uma nova e vistosa vestimenta.
Honduras foi um perigoso laboratório. Se o governo de Porfirio Lobo, nascido de uma eleição ilegítima e realizada sob o manto do arbítrio, conquistar amplo reconhecimento internacional, a partir da bênção que obteve dos patrones da Casa Branca, estará aberto o caminho. E ninguém estará protegido contra essa eventual onda de exportação de democracia made in USA.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Poder paralelo

Um crime de sangue, mais um dentre tantos que mancham o final de semana na Grande Belém, deveria chamar despertar maior interesse das autoridades policiais. Há muito que negócios supeitos e ligações perigosas se entrecruzam na guerra surda pelo controle do lucrativo mercado do transporte clandestino na capital.
A execução a sangue frio do vice-presidente de uma cooperativa de vans que atua em Outeiro por ser apenas um sinal. Um perigosíssimo sinal de alerta. Resta saber que existe alguém que tenha interesse legítimo de colocar a mão nessa cumbuca envenenada.

domingo, 29 de novembro de 2009

Homem ao mar

A cúpula dos Democratas se prepara, sem a menor cerimônia, para desembarcar de qualquer tentativa de defender o único governador do partido, o mais que enrolado José Roberto Arruda, aquele flagrado em filmetes de corrupção explícita. Os "esclarecimentos convincentes" que os cardeais do DEM dizem querer obter não virão. Aliás, o risco, o grande risco, aliás, é que haja uma contaminação de outras seções do partido pela nem um pouco modesta máquina de fazer dinheiro montada às custas dos cofres do Distrito Federal.

Uma voz que se levanta

Surfando na forte pressão dos ruralistas e da mídia conservadora, prossegue a ocupação militar em vastas áreas do sul e sudeste paraense. Com a cobertura quem vem de cima, as tropas sentem que estão de mãos livres para agir. Isto significa apenas uma coisa: os sem terra, inclusive mulheres, idosos e crianças, já estão sentindo na própria carne o peso da chibata que age para recordar a quem serve verdadeiramente o aparato repressivo do Estado.
Mas nem todos pactuam com o silêncio que chancela a barbárie. Frei Henry des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) naquela conflagrada região, não dá qualquer sinal de que pretenda abandonar sua trincheira profética em defesa dos humilhados da terra.
A denúncia que faz das últimas ações criminosas de policiais (e de jagunços, simbioticamente reunidos sob a bandeira do latifúndio e do agronegócio) deveria cobrir de vergonha executores e mandantes desta razia contra a legião de párias brasileiros.

Dialética dos profissionais da morte

"(...)

A noite naquela banda do Camacã é de treva nas trevas. Os jagunços dariam o alvo com a fogueira que acenderiam. Vendo a claridade, aproximaram-se e não tardaram a verificar que enterravam os mortos. A morte, no instante, voltou a matar na descarga de seus rifles. Seis ou nove caíram e o pânico, nos nervos exaustos, provocou a confusão. Atirando e movendo-se, protegidos pelos troncos das árvores, tornaram a fogueira inútil. Sem guias, não sabendo quem visar, vendo homens caídos e escutando os gemidos e as pragas, os jagunços debandaram em desordem. Internavam-se no Camacã para ser devorados pelos cães danados."

Adonias Filho, jornalista e escritor brasileiro (1915-1990). Corpo Vivo (Civilização Brasileira, Quarta edição, 1971, p.46).

sábado, 28 de novembro de 2009

Balão furado

Na defesa do indefensável é preciso agregar uma boa dose de ardil, sem falar na inesgotável capacidade de criar incidentes para levar ao limite extremo todas as brechas no labirinto jurídico. Diga-se, entretanto, que esse privilégio está sempre reservado aos que podem pagar - e pagar muito bem - ótimos advogados criminalistas.
Parece ser esse o caso do ex-deputado Luiz Afonso Sefer, eleito pelo DEM e atualmente filiado ao PP, processado pelo crime de abuso sexual contra uma criança de apenas 9 anos.
Mas nem sempre a esperteza processual resulta em ganhos duradouros. O tiro, muitas vezes, sai pela culatra e não serve para nada, ou, na melhor das hipóteses, serve apenas para adiar o inevitável.
A defesa de Sefer na audiência judicial realizada ontem (27), em Belém, buscou mudar os rumos da investigação trazendo uma suposta testemunha-bomba. Trata-se da irmã da adolescente violentada, ela própria vítima de abusos por parte do pai, com quem tem um filho fruto de incesto . A jovem de 17 anos insinuou que "talvez" sua irmã também tivesse sido vítima de abusos paternos. A intenção era clara: trazer para os autos um novo acusado, retirando o foco do médico e ex-parlamentar, aliás que encontra-se em plena e acintosa campanha para reconquistar uma cadeira na Assembleia Legislativa no próximo ano.
A manobra foi prontamente rechaçada pela juíza da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém, Maria das Graças Alfaia Fonseca, para quem o único réu no processo é mesmo Luiz Sefer, que não terá qualquer desculpa para não comparecer em juízo e prestar depoimento no próximo dia 7 de dezembro.
Após o recesso forense, lá pelo início de fevereiro, sairá a sentença. Espera-se que, sem choro nem vela, a decisão sirva para transmitir à sociedade que o uso e o abuso do poder econômico e político não deve ser mais instrumento de impunidade para quem quer que seja.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Nas margens de Aqueronte

O governador do DF, José Roberto Arruda (DEM), sentiu hoje o calor das primeiras labaredas de um incêndio político de enormes e imprevisíveis consequências.
Na busca de uma delação premiada, um secretário do governo demo resolveu abrir o bico e denunciar um suposto esquema de distribuição de propina.
As buscas e apreensões promovidas pelos agentes da PF, inclusive na casa do governador, só antecipam o que pode ser o 1º círculo do inferno, onde se localiza Aqueronte, o rio do infortúnio.
O que vai passar por baixo da ponte, com um provável odor de patifarias em série, pode atingir em cheio - e de forma fatal - a ascendente carreira de Arruda que pleiteia a reeleição. Ou não, já que é cada vez menor o grupo dos que podem atirar a primeira pedra.

Flagrante delito

O discurso da tão proclamada sustentabilidade da siderurgia paraense não resiste à mínima fiscalização. Mais uma vez usinas instaladas em Marabá são flagradas alimentando seus fornos com carvão vegetal de origem ilegal.
Deveria ser motivo de escândalo tanto a recorrência no método sabidamente predatório quanto a desfaçatez que impregna a propaganda institucional custeada pela Cosipar e por outras tantas indústrias igualmente sujas. Sujas, sem dúvida, mas muito bem lavadas e enxaguadas pela sempre bem paga boa vontade dos grandes veículos da mídia paroara.

O avô do mensalão

Pouco a pouco vai aparecendo mais uma ossada no interminável pântano representado pelo esquema ilegal de financiamento de políticos no Brasil. Como sempre, surge a digital de uma grande empreiteira, no caso a Camargo Correa, flagrada pela PF durante a Operação Castelo de Areia.
Suspeitíssimas planilhas (correspondentes ao propinoduto que funcionou entre 1995 e 1998) apreendidas durante a investigação deixam em maus lençóis a tucanagem paulista, além de citar a alcunha de outro beneficiário da mamata, identificado apenas por "Turco".
Definitivamente, os executivos da Camargo Correa não podem ser acusados de excesso de criatividade. Isso não.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A voz da razão

Bernard-Henri Lévy é uma verdadeira legenda. Sua voz não se levanta por qualquer causa, nem costuma se dispersar em torno de situações duvidosas.
O engajamento do filósofo francês (nascido na Argélia) pela causa da libertação do escritor e ex-ativista italiano Cesare Battisti remonta às melhores tradições do humanismo que tanto marcou a vida e a luta generosa de gerações de homens e mulheres durante o curto (e trágico) século 20.
Sua carta ao presidente Lula, publicada na edição de hoje da Folha de São Paulo, apelando pela não extradição de Battisti, merece ser lida, sobretudo por aqueles que ainda permanecem contaminados pela odiosa (e insidiosa) campanha que quer ver o italiano terminar seus dias no fundo de um cárcere de evidente inspiração fascista.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Rassenkampf

Após o holocausto da II Guerra Mundial, sob o impacto do extermínio de milhões e milhões de judeus, ciganos, comunistas, eslavos e outros tantos indesejáveis para o 3º Reich, a indignação e o pavor que percorreu todo o planeta deixou como herança a Declaração Universal dos Direitos Humanos, há quase 61 anos.
A guerra racial (rassenkampf) de Hitler, paradoxalmente, havia servido para despertar a mais profunda repulsa diante de quaisquer atrocidades cometidas sob a imunda bandeira da faxina étnica.
É claro que isso não foi suficiente para varrer os massacres e pogroms, que continuaram a acontecer em todas as latitudes e sob os mais diversos disfarces e álibis. Mas, agora, essas práticas odiosas ficaram para sempre marcadas como crimes de lesa humanidade.
Pois bem. No Brasil, nas vastas terras do Mato Grosso do Sul, há décadas se pratica um etnocídio contra os Guarani-Kaiová. Guerra surda, silenciosa, mas mortífera e eficiente.
Lá, naquelas imensidões hoje cercadas pelo gado e pela soja, mata-se pela fome e pelo aço disparado pela pistolagem. E a resposta das autoridades permanece sendo um olhar aparvalhado, como se nada disso nos dissesse respeito.
O último massacre - o sequestro e assassinato de dois jovens educadores indígenas - deveria causar um escândalo nacional. Deveria - mas não vai, fiquem certos - mobilizar os altos escalões, nem desembarcará naquele Estado onde impera a máfia do agronegócio e da grilagem, nenhum contingente da Força Nacional com suas boinas vermelhas.
Não, o que se verá, infeliz e tragicamente, é a repetição do silêncio. O silêncio dos cúmplices.

domingo, 22 de novembro de 2009

Uma canção para a hora de acordar

O Brasil sob a mordaça das 11 oligarquias que controlam o bilionário mercado da comunicação é o mesmo que, nos últimos cinco anos, fechou, com requintes de crueldade policial, 6.716 rádios comunitárias, abrindo 3.118 processos judiciais contra essa nova categoria de insurgentes midiáticos.
Diante disso, falar em liberdade de expressão, como tanto se faz nos editoriais da grande imprensa, chega a ser uma indecência e mais um bom motivo para conhecer o excelente e oportuno Levante sua voz, do cineasta Pedro Ekman, produzido pelo Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social com apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung.

Crepúsculo

O mundo dá mesmo muitas e intrincadas voltas. Só isso para explicar que o Diário do Pará, órgão oficial dos interesses comerciais e políticos do clã Barbalho, abra neste domingo manchete de primeira página (Jatene: "tenho apoio do PSDB e do povo"), com o inequívoco objetivo de inflar o balão do virtual (e auto-proclamado) candidato tucano ao governo do Estado em 2010.
Que ninguém se engane: não se trata de uma recaída de objetividade na editoria política do jornal. Antes, muitíssimo pelo contrário. A entrevista de página inteira serve mesmo para mandar um poderoso recado sobre as múltiplas possibilidades de movimentação do PMDB no próximo ano. É uma forma nada delicada de aproximar uma faca bem afiada para mais próximo da jugular do petismo encastelado no Palácio dos Despachos e cada dia mais refém do vale-tudo em que voluntariamente se enredou.

sábado, 21 de novembro de 2009

Dialética dos levantados do chão

"Do destino dos deserdados, em tais brenhas, fale por nós a história de Antônio Conselheiro. Não tinha terra, gado, riqueza de espécie alguma, nem sequer mulher. Foi degolado. Lampião tinha mulher e dinheiro, mas não tinha uma beirada de terra onde descansar a cabeça. Foi degolado.
O santo e o bandido, cada um a seu modo, foram uma reação à prepotência do meio. Porque a terra era, de fato, o exílio insuportável, o morto bem-aventurado sempre."

Nertan Macedo (1929), escritor cearense. Capitão Virgulino Ferreira: Lampião (1959, p. 35).

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Mentiras que parecem verdade

O fascismo está morte e enterrado. Está? Ou será que perambula por aí, como um morto-vivo, às vezes demonstrando uma vitalidade que muitos julgavam extinta?
O caso Cesare Battisti e suas apaixonadas repercussões - aqui e no velho continente - deve servir de sinal de alerta.
Ninguém melhor do que Umberto Eco para expor a profundidade dessa ferida italiana.

A dança do cisne

O STF acolheu mais uma denúncia contra o Wladimir Costa (PMDB-PA). É a terceira ação penal aberta para investigar possíveis crimes cometidos pelo radialista, dançarino e íntérprete de brega music, proprietário de uma emergente rede de rádios espalhadas pelo interior paraense e, nas horas vagas, obscuro frequentador do plenário e das comissões da Câmara dos Deputados.
A investigação é por peculato, um pecadilho, digamos assim, diante do que pode ser descoberto se o parlamentar for efetivamente submetido a uma investigação séria e profunda.
De qualquer forma, pode ser um começo. O demônio, é sempre bom recordar, adora mesmo é se abrigar nos detalhes.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Cheiro de queimado

Um acordão entre o governo e os ruralistas para revisar o Código Florestal. Adivinhem quem vai pagar a conta.

Na marca do pênalti

Agora está nas mãos do presidente Lula. A ele, e somente a ele, cabe decidir os destinos do escritor e ex-ativista italiano, Cesare Battisti.
A sessão de ontem (18) do Supremo Tribunal ederal (STF) foi uma das mais tensas e disputadas dos últimos anos. O ardor e o quase destempero dos ministros que defendiam a extradição a qualquer custo deu a dimensão exata da paixão político-ideológica que dominou todo esse tumultuado julgamento.
O ministro-presidente Gilmar Mendes, com seu estilo de capataz enfezado, ainda tentou manobrar e, num golpe de mão, subverter a nova maioria formada para afirmar que a decisão da extradir o italiano não era impositiva ao presidente da República. Bola fora. Gol de mão, todos sabem, não vale. Mas é prorrogação ou quem sabe nos pênaltis que essa partida será decidida.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Você me prende vivo, eu escapo morto

21 de janeiro de 1971. O ex-deputado Rubens Paiva foi arrancado de sua casa por homens de metralhadora em punho e submergido nas trevas do aparato repressivo do regime militar. Até hoje, quase 40 anos depois, permanece como desaparecido. Seu corpo jamais foi encontrado.
O véu de mentiras e de silêncio começa a ser rompido. Um ex-agente do nefasto DOI-Codi resolveu abrir o bico. Marival Chaves, à época sargento do Exército e analista de informações do Doi-Codi em São Paulo, em depoimento ao cineasta Jorge Oliveira para o filme "Perdão, Mister Fiel", admite saber os nomes dos torturadores que mataram Paiva e depois esquartejaram seu corpo. Havia, segundo ele, uma espécie de disputa macabra entre as diversas equipes para saber quem conseguia reduzir as vítimas em um menor número de pedaços.
Estas e outras histórias terríveis devem vir à tona, bastando que alguém - no Judiciário ou no Parlamento - chame para si a inadiável tarefa de lançar um facho de luz neste canto pavoroso do passado recente de nosso país.

O nome do fracasso

No último ano, com o agravamento da crise econômica global, o número de famintos pulou de 850 milhões para mais de um bilhão de pessoas. A agência da ONU para a Agricultura e Alimentação (FAO) reconheceu o fracasso na última Cúpula realizada em Roma: a meta de reduzir pela metade a fome no mundo até 2015 está definitivamente prejudicada. O motivo é simples: os países ricos (e os tais emergentes) arrombaram os cofres para salvar bancos e grandes indústrias - no mínimo 10 trilhões de dólares até o final de 2009 -, enquanto não se conseguiu amealhar os US$ 44 bilhões que seriam necessários para erradicar definitivamente a pobreza no planeta.
A Via Campesina, articulação internacional de movimentos de pequenos agricultores, coloca o dedo na ferida. As transnacionais, lideradas pela poderosa Nestlé com suas 276 fábricas em 86 países nos cinco continentes, que controlam o lucrativo mercado global de alimentos têm enorme responsabilidade no agravamento deste quadro. E não adianta cobrir a política de rapina que promovem com o brilhante verniz da "sustentabilidade" e do pretenso compromisso com os chamados "Objetivos do milênio".

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Minha casa, meu pesadelo

Israel não se detém por nada. Acaba de anunciar a construção de mais 900 casas para colonos judeus em pleno território ocupado da Cisjordânia. É a continuidade de um projeto neocolonial que retroalimenta a violência e o derramamento de sangue.
Os protestos internacionais - sinceros ou apenas protocolares - serão mais uma vez inúteis.

A alma do (mau) negócio

Que ninguém critique o governo Ana Júlia pela falta de ineditismo. Isso, não, por favor.
Afinal, qual o governo que utiliza seu caro espaço de mídia paga na TV para propagandear - ora, vejam - mais de uma centenas ações de despejo de famílias sem terra e sem teto. Ou, se quiserem dourar a pílula amarga, "reintegrações de posse" realizadas de forma supostamente pacífica e sem violência.
Sem violência? Querem apenas dizer que não há mortos estirados no chão. Encontrou-se um método mais asséptico e quem sabe mais eficiente para que a "limpeza étnica" siga o seu caminho.
Não se fala, até porque seria mentir demais, no oferecimento de qualquer alternativa de sobrevivência às famílias despejadas. Elas não foram, porém, desintegradas pura e simplesmente. Estão por aí, famintas, maltrapilhas, com os olhos injetados de dor, decepção e revolta, passando sol, chuva e fome na beira das estradas. Sob lonas pretas, aguardam. Até o próximo confronto ou a próxima tragédia, não se sabe.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Depois das horas

Com Cesare Battisti em greve de fome e o mais que provável desempate no Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da extradição, com o voto de minerva do ministro Gilmar Mendes, resta ao presidente Lula escolher entre adotar uma postura que salvaguarde a soberania e o decoro do Estado brasileiro, mantendo o refúgio concedido legalmente, ou se vergar às pressões da direita de todas as latitudes, agindo como um moderno Poncius Pilatos.
Mas existe uma última esperança: se for confirmado o entendimento que a palavra final nestes casos cabe mesmo ao Poder Executivo, com a decisão do STF funcionando como um mero indicativo, Lula poderá se sentir em condições de contrariar a maré montante do conservadorismo da mídia e do Judiciário. Resta torcer para que ele tenha tutano para isso.

O milho da discórdia

No próximo ano, a maior parte da safra de milho no Brasil será transgênica, um crescimento vertiginoso.
Monsanto, DuPunt/Dow e Syngenta dominam tudo, sob as bençãos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). E pensar que a porteira foi aberta há apenas dois anos , quando as primeiras variedades comerciais foram aprovadas por interferência direta do Palácio do Planalto, leia-se, Lula e Dilma, os maiores responsáveis por esta operação bilionária.

domingo, 15 de novembro de 2009

Mestres de luminosas manhãs

A publicação, pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), de Primeira Manhã, obra magistral de Dalcídio Jurandir em pleno ano do centenário do nascimento do grande escritor paraense, merece registro e elogio. É uma contribuição efetiva à cultura nacional, sem dúvida. Mas ainda é pouco diante da grandeza da obra deste marajoara ímpar, homem que soube viver na coerência de ser ele e as circunstâncias de seu tempo. Por décadas a fio rememorizou o Marajó e suas gentes, com a sensibilidade que só se encontra nos melhores poetas e naqueles que dedicam a existência à busca de uma terra sem amos.
E é justamente deste livro, cuja primeira edição data do distante 1968, que Benedicto Monteiro, outro grande escritor paroara morto no ano passado, realizou uma de suas mais interessantes incursões pelas sendas da poesia. Em O Cancioneiro de Dalcídio (Falângola/PLG Comunicação, 1985, 135 páginas, esgotado), a prosa dalcidiana se transforma em peças de poesia, lapidadas por um ourives igualmente genial.
Enquanto esta manhã de domingo já vai alta, uma breve degustação para atiçar o gosto pela leitura do que há de melhor na literatura brasileira produzida nesta terra grávida de tantas belezas:

De Dalcídio Jurandir (Primeira Manhã, p. 17):

(...)
professor, dissolvidos no rosto de um peixe azulado de gelo e barba, a lição escorria. Os óculos faiscavam, refletindo velhas águas do chalé, o rio no sol das duas da tarde; antigos olhos de menino pela beira da dágua: a lição distância a se. Terá visto uma vez o reflexo de um raio no rio, a água clareando pelo fundo, a canarana, um peixe-boi boiou encadeado. Que estou fazendo aqui, quem marcou este encontro entre estas criaturas e aquele gelado peixe de óculos? Que entendimento a de sair deste ouvir de muitos e daquele falar de um só. Que está fazendo aqui, lhe disse a mãe ao apanhá-lo conversando com a Eunice, em Muaná. De novo o vago gesto de tédio e impaciência do peixe em seu aquário, riscando o quadro negro. Alfredo tentava compreender. Palavras brancas cobriam-no de cinza e perplexidade. Cinza nas cabeças, ombros, perfis, silêncios, nucas, o lápis da branquinha desenha a própria distração, tocou a corneta dos bombeiros. Sobre este raio que lhe queima o peito, jorre então a mangueira dágua. Esponja no quadro, giz na ponta do dedo como a própria unha, o...

De Benedicto Monteiro (O Cancioneiro de Dalcídio, p.59):

A aula na escola da várzea

Os óculos faiscavam
refletindo velhas águas
o sol no rio
e os olhos de menino.

Terá o professor
visto uma vez
o reflexo de um raio
a água lariando
e o peixe-boi boiando
encandeado?

Quem marcou este encontro
entre crianças
e este peixe azul
de gelo e óculos
riscando neste quadro?

Que entendimento
há de sair deste ouvir
de muitos
e daquele falar e falar
de um só?

As algemas da barbárie

A prioridade máxima da da Polícia Civil paraense, desde a semana passada, é atuar como extensão das milícias mantidas pelo latifúndio, pela grilagem e pelo agronegócio no sudeste e sul do Estado. É para lá que consideráveis recursos humanos e materiais são canalizados, além das tais ações de "inteligência", que revelam o recrudescimento de métodos de controle e intimidação dos movimentos sociais só equiparáveis aos tristes tempos da ditadura militar.
Por isso, é pouco provável que chefes e chefetes de vários escalões estejam atentos para o que está ocorrendo bem debaixo de seus arrogantes narizes. Violência, tortura, corrupção, tudo em escala cada vez mais acintosa, enodoando a instituição que deveria ser uma retaguarda segura para os direitos dos cidadãos ameaçados pela espiral de criminalidade.
O flagelo a que foram submetidos dois homens suspeitos de furto nas mãos de policiais civis da região do Salgado deve servir de alerta para a iminente falência de todo o sistema estadual de segurança. Alguém ainda duvida? Então veja os detalhes de uma história de terror que está longe, muito longe, de ser apenas um caso isolado.

"It's the economy, stupid"

Antes de sair por aí soltando fogos de alegria e virando figurante no filmete publicitário patrocinado pelo governo federal, é bom ler, aqui e aqui, algumas das hipóteses que explicam a brusca queda no desmatamento na Amazônia.
E se é verdade que o principal vetor da destruição segue sendo a pata do boi, convém mesmo colocar as barbas de molho. Lula já teria batido o martelo numa nova - e mais indecente - prorrogação do prazo para que os ruralistas comecem a pagar pelos crimes ambientais cometidos nos últimos anos contra a reserva legal de suas propriedades. A decisão, se confirmada, pavimenta o caminho para o apoio - ou, quando menos, para a relativa neutralidade, na corrida eleitoral de 2010, de um bom punhado de políticos cujos mandatos sua pura extensão dos currais e das cocheiras do agronegócio verde e amarelo.

sábado, 14 de novembro de 2009

O embargo mata. Impunemente.

A voz insuspeita da Anistia Internacional se levanta contra o bloqueio contra Cuba. E cobra, com todas as letras, que Barack Obama passe da retórica - limita e insuficiente - para a indispensável ação.

O carteiro e o poeta

A nota do PT paraense declarando solidariedade ao MST e criticando a prisão de lideranças que lutam pela reforma agrária tangencia uma questão fundamental: o pedido de prisão dos ativistas partiu de ordem direta da governadora do Estado, Ana Júlia, filiada ao partido. A Justiça, sempre obsequiosa quando se trata de defender o sacrossanto direito à propriedade, apenas acatou a solicitação, com a celeridade característica só havida diante de acusados que trazem na face a marca da pobreza.
Sobre este fato, de resto incontestável, nenhuma linha sequer. Um silêncio que, no mínimo, põe em dúvida as supostas boas intenções dos signatários da nota.
Enquanto isso, a polícia da governadora segue diligenciando por assentamentos, estradas e ramais no conflagrado sudeste do Pará. Buscam prender Charles Trocate, Maria Raimunda e outros líderes do movimento, reduzidos de repente à condição de "foragidos" da Justiça.
Onde estiver, Trocate, um poeta de mão cheia, deve estar refletindo sobre os tortuosos caminhos que as cercas da injustiça percorrem para impor o terror e o medo.
Lá longe, seus olhos devem poder ver, no lusco-fusco deste entardecer amargo, que apesar de tudo, já vem se insinuando os primeiros sinais do alvorecer. Mas não é uma luz qualquer aquela que se prenuncia carregada da sublime força do sorriso de crianças insubmissas.

Dialética dos limites da criação

"A máquina literária. Como é recorrente o desejo de uma criação absoluta, sem a possibilidade de erro, o acordo entre a ideia e seu juízo, entre um sentimento e sua imagem, entre uma vontade e sua projeção e sua práxis. O literário resulta da combinação de heterogeneidades em potencial com heterogeneidades em ação. Uma só dessas duas operações já está acima das possibilidades do homem. É por isso, talvez, que o escritor continua."

Julio Cortázar (1914-1984). "Diário de Andrés Fava" (1997, José Olympio, p.36)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Garrote vil

Placar empatado e o voto final - de minerva - na mão de Gilmar Mendes. Não poderia mesmo haver pior dos mundos para o ativista Cesare Battisti, virtualmente condenado pelo STF a retornar aos cárceres nada democráticos do cléptopolítico Sílvio Berlusconi. Lá, sob holofotes hidrófobos, a cela do revanchismo lhe aguarda para que seja cumprida a polêmica pena de prisão perpétua por crimes cuja autoria jamais foi definitiva e limpamente comprovada.
Só os ventos conservadores dominantes, em ambiente quase irrespirável onde pontifica soberana a clivagem ideológica macaqueada de solene imparcialidade, podem explicar como e por que a mais alta corte do país resolve, pela maioria de seus membros, vergar a espinha em gesto de indecente vassalagem às pressões ostensivas dos camisas negras italianos e de seus congêneres nacionais.
Triste quadro de um tempo que faz lembrar outro julgamento famoso, nos estertores do franquismo, quando um jovem revolucionário catalão, Salvador Puig, conheceu, na sua agonia final, como funcionava a maquinaria do terror, made in Spain.
Qualquer semelhança entre o destino trágico de Puig, no corredor da morte naquele 2 de março de 1974, e o de seu contemporâneo italiano, irmãos das loucas jornadas daqueles anos de chumbo, não terá sido, infelizmente, mera coincidência.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

The Flash

Quem foi que disse que a Justiça é lenta?
A cassação supersônica da liminar que suspendia o licenciamento de Belo Monte prova o contrário. Os interesses que estão em jogo, aberta ou veladamente, explicam a impressionante agilidade.

Isso você não verá na TV

Sob o governo Uribe mais de 500 sindicalistas foram assassinados na Colômbia. Desde 1991, 2500 lideranças pereceram sob as balas dos esquadrões da morte.
Frei Betto desvela a face cruel do regime de terror implantado e sustentado pelos dólares dos Estados Unidos.