segunda-feira, 31 de março de 2008

Abril barulhento

Amanhã, 1 de abril, servidores municipais da educação, saúde e assistência cruzarão os braços. Será um protesto contra as últimas medidas anunciadas pelo prefeito Duciomar Costa (PTB), que pretende privatizar os serviços médicos oferecidos pelo Instituto de Previdência do município. Na pauta dos grevistas também ocupa lugar destacado a exigência de reajuste salarial e melhoria nas condições de trabalho, especialmente no caótico setor de saúde. Abril, definitivamente, não deverá ser de calmaria para os atuais inquilinos do Palácio Antônio Lemos.

Dia da Infâmia

Hoje, há 44 anos, consumava-se a quartelada que depôs o governo legítimo de João Goulart. Os ecos dessa infâmia estão aí, enraizados e profundos, na estrutura autoritária da sociedade brasileira.
A truculência militar que se estenderia por longos 21 anos deixou marcas difíceis de curar. Tanto mais difícil quanto menor a coragem e mais abundante o pragmatismo dos presidentes civis de 1985 para cá. Todos, em maior ou menor escala, coniventes com a preservação de privilégios fardados, que têm seu maior símbolo na não apuração de crimes - imprescritíveis - cometidos sob o amparo de uma abrangente e equivocada interpretação da Lei da Anistia de 1979.

Upatakon. A batalha final?

Upatakon, na língua Macuxi, significa "nossa terra". Pela terceira vez consecutiva denomina a mobilização de 500 policiais federais que, nos próximos dias, tentará retirar os não-índios da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, de 1,7 milhão de hectares em áreas contínuas em Roraima. Esta operação é ansiosamente esperada pelos quase 15 mil indígenas das etnias Macuxi, Tauarepang, Patamona, Ingarikó e Wapixana, que ocupam 152 aldeias, em permanente confronto com invasores, em especial com grandes produtores de arroz que há alguns poucos anos chegaram à região, como sempre, contando com apoio político e fartos recursos públicos.
Se a desintrusão da Raposa-Serra do Sol for realmente efetivada, será desenlace de uma disputa que se arrasta desde 1917, quando as primeiras terras foram reconhecidas para os índios Macuxi e Jaricuna, entre os rios Surumu e Cotingo.
Homologada pelo presidente Lula desde 15 de abril de 2005, a reserva enfrenta fortíssima resistência e foi obstruída por seguidos recursos judiciais. Em decisão unânime, de 4 de junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF), colocou um ponto final na controvérsia. A Terra Indígena será instituída em áreas contínuas, o que implica na retirada de todos os não-índios. Apesar de tudo, pressões políticas e indecisão do governo federal em fazer cumprir a lei têm retardado, ao longo desse período, a completa liberação do território, fazendo com que a tensão e a possibilidade de conflitos sangrentos aumentem ainda mais.
Os povos indígenas que habitam a região há pelo menos quatro séculos - ocupação comprovada segundo os estudos arqueológicos, mas que pode ser muito mais antiga, remontando à migração de tribos caribenhas para o Continente ocorrida há quatro mil anos - esgotaram seu estoque de paciência e ameaçam fazer guerra contra os invasores. Espera-se que o governo Lula, tão suscetível aos argumentos do agronegócio, faça desta vez valer os direitos constitucionais dos nossos povos originários, parcela mais fragilizada da sociedade brasileira, evitando um verdadeiro banho de sangue.

domingo, 30 de março de 2008

Terra, mãe de todas as batalhas

É de Isaac Deutscher, socialista revolucionário e judeu a sua própria maneira, a metáfora que durante décadas tentou explicar a guerra sem-fim entre israelenses e palestinos pelo controle e soberania sobre as mesmas terras milenares. Dizia ele que aquele drama sangrento era como aquele cidadão que para fugir de um prédio em chamas salta e cai sobre outra pessoa que não tinha qualquer culpa ou participação no sinistro. É claro, o prédio em chamas alude à Europa destroçada pelo nazismo e o transeunte atingido representaria alegoricamente o povo palestino, que vê frustrada seu legítimo anseio de lebertação nacional pela ação da potência imperial britânica, mandatária da Palestina desde o fim do domínio Otomano. Os judeus, entretanto, após tantas décadas de agressiva guerra de conquista e de prática de terrorismo de Estado, não podem mais ser vistos como quem dá causa involuntária a esta tragédia interminável. Suas responsabilidades estão bastante explícitas e são parte fundamental de um genocídio que atravessou toda a segunda metade do século passado e ficou os pés no novo milênio sem dar qualquer mostra de arrefecimento.
Daqui a poucas semanas, em 15 de maio, Israel completará 60 anos de criação sem jamais ter definido com clareza suas fronteiras. Não conheceu a paz ao longo dessas décadas de conflito permanente com seus vizinhos árabes e ocupou, pela força das armas e em seguidas guerras, a quase totalidade da Palestina histórica, bem como, durante bastante tempo, porções do território sírio e libanês. Somente os palestinos, que pela resolução 181 das Nações Unidas, de 29 de novembro de 1947, deveriam ter seu Estado correspondendo a quase metade da área, continuam como povo sem pátria, exilado e estrangeiro em sua própria terra. A guerra se tornou pão de cada dia, numa espiral de violência que parece não ter fim.
Hoje, 30 de março, os palestinos da diáspora e aqueles que sobrevivem sob ocupação israelense, celebram uma data especial: o Dia da Terra. Ou melhor, o dia dedicado à luta pela reconquista de seu território e de sua soberania. A data celebra a memória de seis palestinos assassinados por tropas de Israel, em 1976, quando protestavam contra o confisco de suas terras na Galiléia. Viraram símbolos de resistência à ocupação, bandeiras que tremulam nas mãos dos que insistem em manter viva sua identidade nacional, que tem na posse da terra sua própria condição de existência.
Manifestações e confrontos deverão ocorrer, para, ao final, contarem-se os mortos. Na sua maioria, jovens palestinos com menos de 20 anos, nascidos e criados no enorme campo de concentração na qual a Palestina (Filastín, em árabe, desde tempos imemoriais) foi transformada sob a total cumplicidade da comunidade internacional.
A quem desejar conhecer os argumentos, dores e angústias do lado palestino do conflito, recomenda-se acessar o Blog do jornalista e escritor Georges Bourdoukan, cujo endereço está entre os Preferidos do Página Crítica. Leitura indispensável para se penetrar no complexo ambiente do sempre conflagrado Oriente Médio.

Dialética da celebração da justiça

“O que condenas não o faças a outro. Eis toda a Lei, o resto é só comentário”.


Talmud da Babilônia, cap. Sabath, 31

sábado, 29 de março de 2008

Mirem-se no (péssimo) exemplo

A população do Rio de Janeiro sofre com a violenta epidemia de dengue - com muitas dezenas de mortes - e o prefeito da cidade, César Maia (DEM), ainda faz blague: diz que reza para que os mosquitos tomem o rumo do mar. Piada de mau gosto, enquanto não pára de crescer o número de vítimas fatais de uma doença perfeitamente evitável.
Sob o impacto da crise carioca, o Ministério da Saúde acaba de lançar um grave alerta: Belém é a capital que apresenta o maior risco de uma epidemia de dengue, por reunir, a um só tempo, a explosiva combinação de três fatores decisivos para a proliferação de sua forma mais letal: alto índice de infestação do mosquito transmissor; aumento do vírus tipo 2 e um elevado contingente de pessoas sujeitas à contaminação.
No Pará, também segundo dados do Ministério da Saúde, houve um aumento de 150% nos casos de dengue somente nas primeiras cinco semanas de 2008 em comparação com igual período do ano passado. Foram cerca de 3 mil novos casos notificados da doença, concentrados na Região Metropolitana de Belém e em Redenção, no sudeste do estado.
A irresponsabilidade das autoridades sanitárias está na raiz dessa crise anunciada. Mas ainda há tempo para que se evite o pior, desde que não se prossiga tentando encobrir o sol com a peneira dos discursos falsamente tranqüilizadores.

Não é brinquedo

Contrariando a legislação vigente, quase 100 mil crianças, na faixa de 5 a 13 anos, trabalhavam no Pará em 2006, equivalendo a 6,7% do total, enquanto a média nacional não ultrapassa 4,5%.
Com a infância roubada, são meninas e meninos que vagueiam pelos campos, carvoarias e olarias, ou estão nas ruas, portos, feiras e mercados expostos a todos os riscos, como a dependência química e exploração sexual. Na maior parte dos casos são reféns do trabalho doméstico, em suas próprias casas ou em tetos alheios, tendo como marca comum a violência aberta ou velada e a falta de esperança de melhoria de vida. Muitos, desgraçada e inevitavelmente, irão freqüentar as estatísticas de criminalidade, que os flagra cada vez mais jovens e mais envolvidos em delitos graves e sangrentos.
Os dados compõem a última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) que o IBGE divulgou ontem (28).

Nó Górdio

As principais vias de Belém, ontem à tarde, sofreram horas de engarrafamento e sufoco. As fortes chuvas, os bueiros entupidos provocando o alagamento de muitas ruas e a ausência quase completa de fiscalização no caótico trânsito foram decisivos para mais um dia de cão.
Abandonados à própria sorte, passageiros e motoristas não enxergavam nenhuma saída em meio ao tumulto interminável. Na verdade, deveriam olhar mais adiante, bem por cima do muro de imposturas que ainda prevalece. E, com o calendário na mão, começar a contagem regressiva.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Privataria Cabocla

De um bem informado anônimo sobre as investidas do governo Duciomar Costa (PTB) para privatizar a assistência médica dos servidores, terceirizando os serviços do Ipamb:

Caro Aldenor,
Infelizmente é assim que têm funcionado as coisas por aqui. Dudu recebeu o IPAMB com caixa de (+ ou -) R$ 35 milhões na Previdência e 8 milhões na Saúde; torrou parte na logística e infra; afinal precisava de algum subterfugio para desviar parte do recurso. E agora o golpe final. Como diz o Cássio, uma pena! O gov. Edmilson (Sandra Leite) recebeu o IPAMB com um déficit de aprox. de R$ 4,5 milhões em salários dos aposentados atrasados e por aí vai. A pergunta que não quer calar? E agora pra quem apelar?

Dessa vez não

A Justiça Federal suspendeu o processo de concessão da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, o primeiro que o governo Lula tenta fazer sob o amparo da polêmica Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006, apontada por críticos como a porta aberta para a privatização e desnacionalização de vastas áreas da floresta Amazônica.
A decisão coube à desembargadora Selene de Almeida, que se notabilizou por sentenças contra grandes interesses econômicos. É dela, por exemplo, uma das decisões que manda prosseguir o processo contra a venda da Vale do Rio Doce, privatizada por pouco mais de US$ 3 bi em 1997.
Para a magistrada, a área da floresta é terra pública, possuindo mais de 2500 hectares, e como tal, para obedecer a Constituição, deve primeiro receber autorização do Congresso Nacional para ser concedida. O governo, como era de se esperar, vai recorrer da sentença.

Perfume de Mulher

O que já se suspeitava agora aparece revelado em matéria exclusiva da Folha de São Paulo, assinada pelos jornalistas Leonardo Souza, Andreza Matais e Marta Salomon: partiu de Erenice Alves Guerra, alta funcionária da Casa Civil e braço-direito da ministra Dilma Roussef, a ordem para a montagem, no próprio Palácio do Planalto, do dossiê contendo dados sigilosos sobre os gastos do ex-presidente Fernando Henrique e de seus auxiliares diretos e familiares.

Mula com cabeça

Não demorou 48 horas para que viesse abaixo o factóide da investigação da Policia Federal sobre suposta ação de narcotraficantes que estaria por trás da prisão e tortura da garota L., em Abaetetuba, apenas para atingir a imagem da juíza e dos policiais locais. De tão estapafúrdia esta versão não poderia ter sido levada a sério. Mas foi e acabou fundamentando a decisão do Pleno do TJE de adiar indefinidamente a análise da abertura do Processo Administrativo Disciplinar contra a juíza Clarice Andrade, acusada pela Corregedoria do tribunal de omissão e de adulteração de documento público. Pois bem: ontem a assessoria de imprensa da PF desmentiu categoricamente que o órgão esteja fazendo qualquer investigação a respeito do episódio.
Como se manifestarão os zelosos desembargadores paraenses, cuja decisão poderá ser questionada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de reclamação prometida pela OAB-Pará?

quinta-feira, 27 de março de 2008

Consultoria em esperteza

O Bird (Banco Mundial) tem uma legião de consultores espalhados por todos os continentes. Escolhidos a dedo, costumam ser muito bem remunerados para que suas conclusões sempre coincidam com os interesses dos governos que controlam a instituição. São apóstolos do chamado Consenso de Washington e defendem com ardor as receitas econômicas que deixam os banqueiros e rentistas internacionais com o rosto dormente de tanto sorrir.
Não é de se estranhar que técnicos do Bird, contratados pelo governo brasileiro para lançar um "olhar independente" sobre os impasses no licenciamento ambiental de obras na área energética, tenham chegado a diagnósticos tão semelhantes àqueles que freqüentam o discurso de onze de cada dez defensores do atual modelo de desenvolvimento a qualquer custo.
Para o estudo do Banco Mundial, divulgado na semana passada, o Brasil precisa explorar ainda mais seu potencial de hidrelétrico, inclusive na Amazônia, destravando os três principais nós que emperram o setor: a demora na concessão da licença ambiental, que pode provocar anos de atraso nas obras; o precário planejamento estatal neste segmento que exige decisões de longa duração; e a forte interferência do Ministério Público no setor elétrico, fruto, segundo os técnicos, de uma "independência ilimitada" supostamente conferida aos membros do Ministério Público.
Por trás de linguajar que simula neutralidade, o estudo dá a senha para o avanço de uma nova onda conservadora, com forte presença no Congresso e no Planalto, que pretende investir contra as prerrogativas que o Ministério Público adquiriu desde a Constituição de 1988.
Numa palavra, o sonho dourado de todo dono de empreiteira, concessionária de energia ou simples porta-voz político desses interesses: calar o MP e mandar para bem longe os movimentos sociais - com destaque para índios, quilombolas e comunidades extrativistas -, deixando o campo livre para que as grandes obras - e suas gordas propinas - possam fluir livremente.

Gorou

A Vale jogou a toalha: a compra da Xstrata esbarrou na decisão da Glencore, que controla a mineradora anglo-suíça, de não abrir mão do direito de atuar como intermediária na venda dos minérios, o que corresponderia a manter o controle sobre um naco fundamental da parte logística do negócio. Foi, assim, para o espaço (pelo menos por enquanto) uma transação de U$ 90 bilhões, que tornaria a Vale a maior mineradora do mundo.
Talvez não por coincidência, após o anúncio deste fracasso comercial, a Vale parece ter diminuído sua disposição de investir no projeto de uma siderúrgica no Pará, solenemente anunciado pela governadora Ana Julia (PT) há poucas semanas. Ganha novamente relevo na fala de Roger Agnelli, principal executivo da empresa, a pré-condição de que o governo – sempre ele – realize os investimentos em infra-estrutura, sem os quais a idéia de uma usina para fabricar placas de aço corre o risco de permanecer no papel ainda por um largo período.
Será que essa montanha de promessas e discursos solenes vai acabar parindo um inofensivo ratinho?

Tum, tum, tum

Quem quiser sentir o cheiro e as cores, captar a alma mais profunda, mergulhar no torvelinho de séculos de história resistência e saborear as delícias e os sabores do povo paraense, sabe muito bem onde pode encontrar tudo isso. Basta colocar os pés no Ver-o-Peso, eternos em seus 381 anos, comemorados nesta semana.
A feira, "este bulício, o amontoado de canoas, dos mariscos, da farinha, aquela gente que se acotovela e fala sem cessar...", na palavra do mestre Ernesto Cruz (História de Belém, 1973, p.228), é o coração exposto de Belém, síntese cotidiana da pujança cultural da cidade do Pará, como se dizia nos tempos pretéritos.
Um parêntese: qual a data exata de seu "nascimento"? A provisão Régia que concedeu a "renda do Ver-o-Peso" à Câmara de Belém foi assinada em 16 de março de 1688, mas foi registrada nos Livros do da Secretaria do Conselho Ultramarino, a folha 20, em Lisboa, no dia 26 de março do mesmo ano. Essa boa notícia só chegaria ao Senado da Câmara de Belém alguns meses depois, no dia 30 de setembro. Muitos aniversários para um marco perene da vitalidade da cidade que se entrega, a cada alvorecer, à volúpia do rio e de suas gentes.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Caixa Registradora

Em pleno ano eleitoral, o governo de Duciomar Costa (PTB) prepara a transferência da assistência à saúde dos funcionários municipais para a UNIMED. Um negócio milionário, cercado de muitas sombras e personagens para lá de suspeitos.
Os sindicatos dos servidores, pegos de surpresa, prometem fazer muito barulho para impedir a terceirização. Não acham graça nenhuma em ver milhões de reais da contribuição mensal de seus associados indo irrigar os cofres, já abarrotados, da cooperativa médica privada.

Imaginação fértil

O corporativismo venceu mais uma vez. Em decisão nada surpreendente, o Colegiado Pleno do TJE (Tribunal de Justiça do Estado), decidiu ainda há pouco suspender a apreciação do processo Administrativo Disciplinar contra a juíza Clarice Andrade, aquela que manteve a adolescente L., de apenas 15 anos, dentro de uma cela com mais de 20 detentos, por quase um mês, para ser violentada e espancada incontáveis vezes.
A alegação dos magistrados não poderia ser mais pueril: ouviram falar - na verdade, leram uma pequena nota na coluna Repórter Diário da semana passada, dando conta que a PF teria aberto uma nova linha de investigação sobre o episódio: traficantes que atuam em Abaetetuba estariam por trás de tudo, numa armação para atingir os policiais civis do município. Uma mirabolante teoria conspiratória, que mesmo na remota possibilidade de se confirmar não altera em nada os crimes cometidos contra a jovem, nem retira a responsabilidade da juíza e dos membros do Ministério Público, policiais civis e agentes prisionais, que deram causa - por ação ou omissão - à barbárie que levou o Pará novamente às manchetes da mídia internacional.
Agora, os desembargadores, em suas imaculadas togas, esperarão sentados até que a PF responda ao pedido de informações formulado pelo TJE. Nesse meio tempo - sabe-se lá quanto tempo - o processo dormitará em berço esplêndido, como mais um símbolo de que a impunidade possui muito mais defensores do que sonha nossa vã filosofia.

Tiranossauro Rex em apuros

Tudo na Vale é gigantesco. Até seus crimes ambientais e trabalhistas possuem uma dimensão proporcional à sua musculatura de player mundial da mineração e do transporte. Na contramão da abordagem unilateral e acrítica que a empresa recebe da grande imprensa, informe publicitário mascarado de matéria jornalística, a revista Piauí, há exatamente um ano, publicava uma bem fundamentada reportagem onde foram expostos, um a um, os cadáveres que a ex-estatal preserva em seu armário. Uso de carvão proveniente de floresta nativa, incêndios em áreas de preservação ambiental, destruição de florestas permanentes e manutenção de serviços potencialmente poluidores, entre outras infrações, aparecem com todas as letras e cifrões no texto sempre bem escrito de um jornalista veterano, Luiz Maklouf Carvalho.
Para ler a íntegra da matéria, vale a pena uma visita ao site do MST, cujo endereço figura entre os preferidos deste Blog. A troca de acusações entre a mineradora e os sem-terra compõe o quadro de tensionamento que tem data marcada para explodir. Basta ficar de olho no calendário e circular o dia 7 de abril.

terça-feira, 25 de março de 2008

O especialista

Sebastião Cardias não é um matador de aluguel qualquer, dentre tantos que infernizam os sertões e garimpos da Amazônia. Ele tem uma longa folha corrida de crimes de encomenda e outros graves delitos, desde o tempo em que ainda envergava a jaqueta de policial civil. Sabe tudo do ofício de matar e dar sumiço no corpo da vítima. Daí o complicado now how desenvolvido por ele e por seus comparsas, com os barris de aço, as correntes e contrapesos de concreto. Quantos não serão suas vítimas que jazem para sempre no fundo de rios e igarapés?
Antes de chacinar os irmãos Novelino, crime pelo qual acaba de ter sua sentença de 60 anos de prisão ratifica pelo Tribunal do Júri, Cardias esteve na folha de pagamento da família de Wirland Freire, mafioso de triste memória que ensangüentou a região de Itaituba, sudoeste do Pará. Por que não se puxa o fio desse novelo de muitos crimes e barbaridades? Seria a forma mais eficaz de desvendar os poderosos que durante anos se utilizaram dos serviços do pistoleiro.

A forja

Operários de sonhos, aqueles nove, apenas nove, traziam sobre os ombros o pesado fardo de séculos de resistência. Eram poucos e representavam apenas 73 militantes, gatos pingados, agulhas num imenso palheiro. As mãos calejadas, de forjadores, de artífices de utopias, assinaram a ata, solenes. Niterói, 25 de março do ano da graça de 1922: estava fundado o Partido Comunista do Brasil.
Quase anônimos, quase esquecidos, são brasileiros cujos nomes deveriam, por justiça, identificar ruas, praças, escolas e hospitais. Relembrá-los, 86 anos depois, significa abrir uma pequena brecha na espessa cortina de silêncio e esquecimento.
Os nove, artesãos do por vir, com nome e sobrenome: Abílio de Nequete (barbeiro de origem libanesa), Astrojildo Pereira (jornalista do Rio de Janeiro), Cristiano Cordeiro (contador do Recife), Hermógenes da Silva Fernandes (eletricista da cidade de Cruzeiro), João da Costa Pimenta (operário gráfico paulista), Joaquim Barbosa (alfaiate do Rio de Janeiro), José Elias da Silva (sapateiro do Rio de Janeiro), Luís Peres(vassoureiro do Rio de Janeiro) e Manuel Cendón (alfaiate espanhol).

Dialética da palavra-sêmen

"Mas, primeiro, antes, teve o começo. E aí teve o antes-do-começo; que era - a gente vindo, vindo. E vindo bem."

João Guimarães Rosa ( Grande Sertão: Veredas. 1967, p.414)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Crime dentro do crime

O caso dos quatro estudantes mexicanos mortos pelo bombardeio colombiano que dizimou o acampamento das Farc em território equatoriano pode bater na Corte Penal Internacional (CPI). Essa é a exigência apresentada por entidades defensoras dos direitos humanos ao presidente Felipe Calderón e a outras instituições do México.
Lucía Morett, a única mexicana sobrevivente, continua presa na Colômbia e sua libertação também faz parte de uma ampla campanha internacional que acaba de ser lançada. As entidades exigem que ela seja libertada incondicionalmente, sem qualquer processo, e possa testemunhar contra os executores e mandantes da chacina.

Chamem a VEJA

A CPMI instalada para apurar os gastos com os chamados cartões corporativos não poderia estar mais sonolenta. Seus trabalhos são conduzidos em banho-maria, arrastando-se em sessões enfadonhas e intermináveis. Nada de espetacular acontece e a platéia caminha para o mais completo desinteresse. Bem, é hora de solicitar uma mãozinha da sempre prestativa VEJA, templo do conservadorismo e megafone de aluguel para interesses muito variados, desde que alinhados à direita do espectro político.
A divulgação na edição na VEJA desta semana de um suposto dossiê trazendo dados sigilosos de gastos da época de Fernando Henrique, vazado, de acordo com a reportagem, pelos governistas para chantagear a bancada da oposição, é a repetição de uma tática já utilizada incontáveis vezes. A "bomba" começa a repercutir ainda no domingo, pautando as editorias de política dos principais jornais e TVs, que vão ouvir os próceres da oposição. Estes, com olhar compungido e algo histérico, farão solenes discursos contra a pretensa manobra do governo, ameaçarão convocar ministros, quebrar sigilos a torto e à direita, dando contornos de crise institucional ao episódio.
A semana no Congresso começará com temperatura tão elevada quanto artificial. A regra basilar de que se apure tudo, custe o que custar, será substituída por apelos à moderação e ao bom-senso. Depois, que não se reclame do insuportável cheiro de pizza que domina os acarpetados corredores do parlamento brasileiro.

Matemática macabra

Nos últimos 36 anos, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 814 pessoas foram assassinadas no Pará em decorrência de conflitos de terra. Apenas um mandante está na cadeia.

Pela porta da frente

O pistoleiro Wellington de Jesus da Silva, condenado a 27 anos de prisão pelo assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, em 2000, em Rondon do Pará, está foragido da Colônia Agrícola Heleno Fragoso. Ele saiu pela porta de frente, na véspera do Natal do ano passado, beneficiado por uma "saída temporária", devidamente autorizada pela juíza Tânia Batistello, titular da Vara de Execução Penal. Após seis anos de reclusão, o matador confesso passou do regime fechado ao semi-aberto, o que o habilitou a ter direito à regalia. Estranhos e intricados caminhos que conduzem às ruas um homem perigoso, que agora poderá colocar em risco a vida da viúva de Dezinho, a também sindicalista Maria Joelma Dias da Costa. Para ela, a fuga do pistoleiro deixa ainda mais distante a prisão dos mandantes e intermediários do crime de encomenda que vitimou o seu marido. Aliás, mandantes e intermediários que, durante todo esse tempo, circularam em absoluta liberdade pela região, ostentando a mesma riqueza e truculência de sempre.

Esqueçam a perícia

Um curto-circuito teria provocado o incêndio na UTI neonatal da Santa Casa neste final de semana. Diagnóstico errado: a saúde no Pará inteiro - e não só na capital, onde os hospitais de Pronto Socorro costumam pegar fogo, literalmente - padece de grave e letal enfermidade. Uma mistura de incompetência, desmazelo e desfaçatez na manipulação dos recursos públicos.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Permitido estacionar

No feriado de Páscoa, de hoje a domingo, o Página Crítica entrará em recesso. Na segunda-feira, 24, postagens e moderação de comentários estarão de volta. Até lá e bom descanso a todos.

Uma manobra muito suspeita

Daqui a sete anos, em 2015, expira o prazo da concessão de 18 usinas geradoras, 37 distribuidoras e 73 mil quilômetros de linhas de distribuição de energia elétrica no país. Todo esse enorme estoque de riqueza social voltará para o controle do governo, devendo a União realizar novas licitações para a exploração regular dos serviços. Uma bomba-relógio que tira o sono das atuais concessionárias privadas que já planejam uma manobra marcada pela esperteza e, à primeira vista, fortemente maculada pelo vício da inconstitucionalidade. A saída seria o governo federal modificar a lei 9.074/05, permitindo mais uma renovação para os atuais contratos, driblando assim a exigência de processo licitatório como determina a Constituição Federal.
O Ministério das Minas e Energia, sob o comando de Edson Lobão, cujo nome e biografia já revelam sua gula incontornável por grandes negócios, preparou uma recomendação técnica ao Planalto defendendo a mudança nas regras. O governador José Serra (PSDB), que se prepara para privatizar as hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, duas importantes usinas da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), cujas concessões terminam no fatídico 2015, pediu audiência com o presidente Lula na semana passada para tratar do assunto. O encontro serviu para comprovar a identidade de interesses entre ambos, porque a Lula também seria bastante conveniente passar por cima dos obstáculos legais, dentro da suposta estratégia de fortalecer a Eletrobrás, recentemente entre ao controle quase total de prepostos dos insaciáveis caciques do PMDB.

Estranha forma de vitaminar o setor público abrindo mão de bilhões de reais que poderiam ser arrecadados nos processos licitatórios de 16 usinas, entre as quais estão grandes hidrelétricas. Ou, no limite, desperdiçar a histórica oportunidade de voltar a exercer o controle estatal sobre um setor absolutamente vital para a economia brasileira, tudo dentro da lei e em respeito às sagradas regras contratuais. Essas mesmas regras que o setor privado sonha em burlar para aferir maiores e extraordinárias vantagens.
Tucanos e petistas, mais uma vez, perceberam que possuem bem mais identidades programáticas do que poderiam supor ou do que costumam admitir diante do distinto e ludibriado público.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Rios de sangue na Babilônia

Tão certo como o sol que banhou hoje as margens do rio Tigre, onde se ergue a outrora imponente Bagdá, muitas famílias chorarão seus mortos, vítimas de uma violenta guerra de agressão que completa cinco anos, sem qualquer perspectiva de que vá ser solucionada a curto prazo. Nem a estabilização do país, embora tenha ocorrido uma relativa diminuição dos atentados e chacinas inter-religiosas nos últimos meses, aparece no horizonte imediato das forças de ocupação lideradas pelas tropas dos Estados Unidos. O Iraque segue imerso num atoleiro de sangue e destruição, e só os fundamentalistas da administração Bush é que são capazes de abrir um sorriso em comemoração aos supostos feitos de sua empreitada belicista.
Fontes independentes tentam contabilizar os mortos da guerra. Os números, porém, são contraditórios. E talvez jamais se saiba o custo real que iraquianos e norte-americanos estão pagando diariamente. Para a Opinion Research Business (ORB), empresa britânica, após entrevistar 2414 adultos iraquianos, concluiu que 20% deles perderam pelo menos uma pessoa de suas famílias nestes anos de ocupação estrangeira, o que leva a uma estimativa de 1 milhão mortes em decorrência direta ou indireta da guerra, desde aquele amanhecer de 20 de março de 2003, quando os primeiros mísseis de cruzeiro atingiram o complexo de palácios de Saddam Hussein, no coração de Bagdá.
Já um estudo da universidade Johns Hopkins divulgado em outubro de 2007 dá conta da morte de 650 mil pessoas no conflito. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), até janeiro deste ano, 150 mil iraquianos teriam tido suas vidas ceifadas em decorrência da guerra. Por trás dessas contraditórias cifras emerge um país destruído, fraturado e reduzido a simples protetorado dos Estados Unidos. O Iraque e sua milenar tradição civilizatória estão reduzidos a um monte de escombros. Dois de cada três iraquianos não têm acesso à água potável, apesar dos muitos bilhões de dólares gastos nas ações de guerra e da questionável estabilização do país.
Do lado norte-americano já são quase quatro mil soldados mortos. Mais precisamente 3.992 até ontem (19), contabilizados pelo site independente
www.icasualties.org, que a todo instante atualiza este placar macabro.
O emblema maior do atoleiro dos Estados Unidos no Iraque é o fato de que Bush, mesmo sendo um poderoso senhor guerra e líder da macrocéfala e única superpotência mundial, não pode anunciar com antecedência suas visitas ao território conquistado. Faz apenas e muito raramente visitas-surpresa, de poucas horas, mais voltadas para a produção de fotos e vídeos para o consumo da mídia subserviente do que algo que possa se aproximar mesmo que lateralmente de uma diplomacia de Estado. Sinal dos tempos de um século iniciado sob o signo de imoral banho de sangue.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Dialética da palavra que enfrenta o império

"O maior produtor de violência no mundo é o meu próprio país".

Martin Luther King, Jr (1929-1968)

Carrascos voluntários

As cenas selvagens de linchamentos em Belém se repetem todas as semanas. Ontem, por exemplo, dois rapazes por pouco não eram trucidados por uma turba de taxistas que buscavam vingar a morte de um colega nas mãos de assaltantes. Os jovens brutalmente agredidos não tinham absolutamente nada a ver com o crime e por pouco não terminaram assassinados.
A Polícia Militar, como tem ocorrido com muita freqüência, chegou ainda a tempo de livrar as vítimas dos linchadores. Tem sido assim, seguidas vezes, em praticamente todos os bairros da capital e na periferia dos municípios da Região Metropolitana. Como sempre também ninguém foi preso por tentativa de homicídio ou por ter provocado lesões corporais a pessoas que tiveram o azar de cruzar o caminho dos supostos justiceiros. Este tipo de comportamento complacente com essa manifestação criminosa é também responsável pela disseminação dessa prática social nefasta.
Antes que se perca completamente o controle, as autoridades policiais precisam fazer cumprir a lei em toda sua extensão e profundidade. A população, em pânico com o aumento da violência e indefesa diante de uma criminalidade cada vez mais cruel, precisa perceber que a barbárie e a truculência não são jamais boas conselheiras.

O brilho falso de velhas promessas

O polêmico Eik Batista e sua MMX ameaçam estender seus tentáculos para o território paraense. Com pompa e circunstância, executivos da empresa desembarcaram na pacata Curuçá para defender um projeto um porto flutuante na ponta da Tijoca. É claro, oferecem mundos e fundos em compensações "sociais e ambientais", alardeiam a oferta de "centenas" de empregos e sinalizam com a aurora de um novo tempo. O mesmo blá-blá-blá já tantas vezes repetido (e igualmente desmentido pela vida prática nestas últimas décadas de grandes projetos na Amazônia).
Para servir de alerta aos eventuais incautos: segundo dados do pesquisador Celio Bermann, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo, a mão-de-obra empregada para a produção de alumínio é 70 vezes menor que a gerada pela indústria de alimentos e 40 vezes menor que a gerada pelo setor têxtil.
Uma informação adicional, apenas para que acionem todas as sirenes para mais um desastre anunciado: o "porto flutuante" do mais novo bilionário da “Forbes” pretende se instalar em plena Reserva Extrativista Mãe Grande, com seus 37 mil hectares de floresta e suas mais de duas mil famílias de pescadores e moradores tradicionais. Depois, os porta-vozes do modelo devastador terão um bom motivo para espinafrar os tais "entraves ambientais" e pedir "agilidade" e "flexibilização" na análise e liberação de seus sempre mirabolantes projetos.

terça-feira, 18 de março de 2008

A lei te procura infrator

Sumido há mais de três semanas, quando a Polícia deflagrou a operação Navalha na Carne para desbaratar um dos grupos de extermínio que atuava em Belém, o juiz Alan Rodrigo Campos Meireles, parece ter evaporado completamente. Contra ele pesam suspeitas de estar intimamente vinculado aos policiais militares e civis que integravam a quadrilha de matadores de aluguel, parece ter evaporado completamente.
Nem para apresentar sua defesa prévia no processo administrativo aberto no Tribunal de Justiça, para apurar irregularidades que teriam sido cometidas na Comarca de Almerim, no Baixo Amazonas paraense, Alan Meirelles deu as caras. A partir de agora, foi declarado revel, teve nomeado um advogado dativo e, se quiser ainda, terá mais cinco dias para apresentar sua defesa.
Devem ser mesmo muito graves os motivos que explicam o sumiço do magistrado. A sociedade paraense que paga seu bem nutrido salário tem o direito de conhecê-los, de forma integral, transparente e imediata.

Fechem as torneiras (do agronegócio e da indústria)

A população brasileira é responsável por apenas 10% do consumo de água. O agronegócio e a indústria respondem, respectivamente, por 70% e 20% da utilização da água no país, o que torna risível e contraproducente o esforço de campanhas focadas em apelos para economia de consumo dos cidadãos comuns.
O alerta é de Leonardo Morelli, secretário-geral da ONG Defensoria da Água, divulgado na imprensa às vésperas do 22 de março, Dia Mundial da Água, instituído pelas Nações Unidas.

Roubaram a merenda das crianças

Depois da queda, o coice. Pela quinta vez consecutiva o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação por improbidade administrativa contra o prefeito de Marituba, Antônio Armando (PSDB). Desta feita, ele é acusado de ter desviado R$ 2,4 milhões de recursos federais repassados para a educação no município.
O esquema de fraudes atingiu principalmente as verbas destinadas à merenda escolar e se utilizou da mesma plantação de laranjas, que já fora denunciada na ação anterior que questioniou a malversação de quase R$ 2 milhões da saúde. Em todas as falcatruas aparece sempre a digital da tesoureira da prefeitura, Nilma Lourinho e de seus espertos parentes.
O cerco está se fechando, deixando o submundo da política da Região Metropolitana em polvorosa. Que venham mais denúncias e que essa quadrilha seja desbaratada de uma vez por todas.

Economia blindada? A tormenta está chegando

A ilusão de que o Brasil está blindado aos efeitos da crise econômica global que se avoluma é algo recorrente e sempre freqüentou os tranqüilizadores discursos da equipe econômica. Os tempos são outros só na aparência, o que torna a sensação de déjà vu inevitável. Feche os olhos e tente imaginar que ao invés de Guido Mantega o discurso está sendo recitado por Gustavo Franco, Pedro Malan ou qualquer outro integrante do time dos bons-moços do mercado. Ainda assim a tese de que ficaremos imunes aos desatinos da economia globalizada permanece tão inalterada quanto fantasiosa. A onda está chegando e seus efeitos logo se tornarão visíveis.
O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu ontem (17), que poderá haver "alguma saída de capitais externos". Isso, como se sabe, é só o começo.
Mais sincero foi o ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, ao afirmar em editorial publicado no "Financial Times", que esta é a mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial. Impossível acreditar que uma economia com as características de dependência como a brasileira vai passar incólume do terremoto que se insinua por entre rachaduras na outrora imbatível economia norte-americana.
Diante do choque inevitável, que tal apertar os cintos de segurança e verificar se os airbags estão mesmo em funcionamento?

segunda-feira, 17 de março de 2008

Alguns fumam. Todos pagam a conta

Pela primeira vez um estudo científico conseguiu dimensionar o prejuízo anual causado ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela indústria do cigarro. São pelo menos R$ 338 milhões ou 7,7% do custo de todas as internações e quimioterapias em pacientes de 35 anos ou mais, vítimas de 32 doenças comprovadamente relacionadas ao tabagismo. Os dados são relativos a 2005 e devem estar subestimados. A conta paga pelo povo brasileiro - 80% de não fumantes - deve ser bem maior. Os dados foram revelados pela economista Márcia Pinto, da Fundação Oswaldo Cruz, em sua tese de doutorado.
É justamente por isso que técnicos do Ministério da Saúde e entidades médicas defendem ações mais rigorosas para conter o avanço do consumo de cigarro no país. Uma medida urgente é a elevação substantiva do preço do cigarro, que é o sexto mais barato do mundo.
Porém, está aberta a polêmica dentro do governo. A Receita Federal é contra a majoração do preço do cigarro, alegando que tal medida pode provocar um crescimento ainda maior do comércio ilícito num setor já maculado pelo contrabando e por um enorme número de manobras fiscais ao ponto de se chegar ao vergonhoso e inexplicável índice de 40% de sonegação. Por trás de um número desse quilate existe uma indústria de liminares que protege um grupo de empresas que praticam, de forma escancarada, preços abaixo do custo e concorrência desleal.
Diante da grave crise da saúde pública brasileira e de seus enormes gargalos de financiamento, conviver com uma conta dessa magnitude é inaceitável.
A indústria do tabaco e seu lobby no Congresso Nacional tentam tapar o sol com a peneira de argumentos falaciosos. Alegam que geram empregos, mas não conseguem negar que as doenças relacionadas ao tabagismo matam anualmente 200 mil brasileiros, o que representa quatro vezes o número de vítimas de homicídios.
Dentre as propostas em estudo, seguindo as pegadas de países europeus, o Brasil poderia proibir o cigarro em locais públicos e bares, restaurantes e outros estabelecimentos, além de uma agressiva política de elevação de preço para forçar a queda do consumo.
O que está faltando para adotar medidas mais duras contra o fumo em nosso país?

Sem limites

Não dá mais para esconder o caos do sistema de saúde de Belém. Está em todos os jornais e telejornais, alcançando novamente repercussão nacional. Os dois incêndios em menos de 24 horas no Hospital do Pronto Socorro do Umarizal, o mais antigo da cidade, mostraram que não há limites para uma situação que só faz piorar. Numa reação em cadeia, as demais unidades de urgência e emergência - o Hospital Metropolitano e o Pronto Socorro do Guamá - normalmente superlotados, tornaram-se neste final de semana verdadeiros hospitais de campanha, com pacientes amontoados em macas nos corredores, congestionamento de ambulâncias repletas de pacientes que não conseguiam atendimento, dor e desespero sem-fim.
Pelo menos uma morte foi registrada por falta de atendimento. Foi o agricultor Antônio Ferreira Chaves, de 37 anos, no PSM do Guamá, onde a reportagem de o Liberal de hoje registra a falta de remédios e material básico para sutura, cena corriqueira neste hospital e em todas as demais unidades do município.
O Corpo de Bombeiros anuncia que realizará uma perícia para descobrir as causas dos incêndios. As causas diretas e imediatas, porque as raízes mais profundas dessa situação insustentável e vergonhosa estão muito bem plantadas no principal gabinete do Palácio Antônio Lemos. É de lá que, nos últimos três anos, são tomadas as decisões que redundam agora num quadro de absoluto e criminoso descontrole.

Na pressão

As forças do mercado vão pressionar ainda mais a devastação das florestas e provocar outros impactos ambientais de grande monta neste ano. A exportação de commodities em 2008 deve dar um salto para U$ 100 bilhões, mais de U$ 35 bilhões em relação a 2007, um crescimento de 33,3%. A demanda mundial permanece aquecida, apesar da crise da economia dos Estados Unidos. A China, a Índia, principalmente, mantém a forte procura por produtos como a soja (82% mais valorizada frente aos preços do ano passado) ou o minério de ferro, que terá reajuste em média de 65% no período.
De olho em gordos faturamentos, o agronegócio e a indústria mineral vão continuar sua cruzada contra o que identificam como "entraves ao desenvolvimento", principalmente as alegadas restrições impostas pela legislação ambiental brasileira.
Com o país regredindo para uma economia cada vez mais dependente da exportação de produtos primários ou semi-elaborados - de baixíssimo valor agregado - deve-se esperar uma nova temporada de intensa pressão para expandir as fronteiras da devastação, em especial na região Amazônica, com tal força que as espetaculares operações do governo federal poderão redundar em nada. Ou quase nada.

domingo, 16 de março de 2008

Não adianta tapar o nariz

Poderia ser hilário, mas foi mesmo patético, uma cena chocante em todos os sentidos. Juíza e promotora pública, além de toda a comitiva que visitava as verdadeiras masmorras localizadas nas Seccionais e Delegacias de Polícia da Grande Belém, tapando o nariz, à beira da náusea, diante do odor insuportável que exalava das celas onde dezenas de detentos se amontoam, expostos à imundice e à doença. Entraram, por assim dizer, numa espécie de último círculo do inferno.
Diante do cenário caótico e que já começa a fermentar seguidas tentativas de fugas e rebeliões, o poder público pode adotar dois caminhos: fingir que está fazendo alguma coisa apenas para que tudo permaneça como está, ou, de uma vez por todas, assumir integralmente suas responsabilidades com a guarda e com o tratamento humano dos detentos. Aliás, como manda a lei.
Para tanto, exige-se muito mais que palavras e proclamações de fé nos direitos humanos. É necessário destinar recursos em quantidade suficiente e desenhar uma nova política para esse setor tão sensível e explosivo. Desmontar as peças da engrenagem de triturar seres humanos, combatendo de forma implacável as denúncias de maus-tratos e torturas, reiteradamente denunciadas pelos familiares dos presos, deveria ser um imperativo de consciência, ainda mais para um governo que tenta vender a imagem de progressista. Imagem que, a cada dia, vai se esmaecendo e caindo no vazio de uma simples e frágil peça de propaganda.

Viagem ao centro da barbárie

Enfrentar os grandes monopólios no mercado editorial brasileiro não é uma tarefa fácil, mas nunca foi tão necessária e urgente. É justamente isso que a editora Casa Amarela está fazendo ao colocar nas bancas, em todo o país, uma série de livros indispensáveis sob o selo da Coleção Caros Amigos. Um desses títulos, que deveria se tornar leitura obrigatória em todas as escolas do país, é "Hamuxi, o massacre dos Yanomami e as suas conseqüências", da jornalista inglesa Jan Rocha (2007, tradução de Rubens Galves Merino, 143 páginas, R$ 28).
Quem ainda se lembra do massacre de 16 indígenas yanomami em julho de 1993 na fronteira do Brasil com a Venezuela? Quem dedica alguns minutos do seu dia para reverenciar a memória de homens, mulheres e crianças chacinados por garimpeiros que invadiram a terra indígena enlouquecidos pela febre do ouro? Pois bem, Hamuxi, denominação da aldeia destroçada pela violência assassina, entrou para a história como o primeiro caso reconhecido como genocídio no Brasil, através de uma inédita decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) adotada em 2006. Isso em um país construído, desde 1500, sobre a prática sistemática do extermínio das populações e culturas originárias.
Sobretudo para a juventude - e para os que não perdem a esperança - trata-se de uma leitura mais que obrigatória.

sábado, 15 de março de 2008

Inferno na torre

O pânico voltou aos altos círculos financeiros internacionais. O quinto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, o Bear Stearns, quebrou. E para não levar consigo o que resta de credibilidade da banca norte-americana teve de receber uma emergencial transfusão de recursos do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) e do JP Morgan Chase. Está respirando por aparelhos, entubado e com os sinais vitais em queda.
Em queda também as Bolsas mundo afora, deixando o "mercado", onipotente e onipresente, muito nervoso, com medo do tal "contágio sistêmico".

A crise é séria e veio para ficar. Resta saber quando e de que maneira o tsunami chegará às costas brasileiras.

Cidade enferma

A semana termina com as entranhas da saúde pública de Belém completamente expostas. A paralisação dos profissionais da área, realizada na última quarta-feira (12), revelou que não há mais qualquer espaço para as reiteradas manobras protelatórias, pedidos de novos e inatingíveis prazos, apresentação de propostas mirabolantes que cumprem apenas a função de empurrar o problema com a barriga, enfim, chegou-se ao limite extremo e fez-se o caos. Ou melhor, deu-se visibilidade, mesmo que tardia, a uma situação que vem sendo paciente e sistematicamente construída ao longo de mais de três anos de cruel desmonte dos serviços e programas que até então existiam na capital.
O princípio de incêndio ontem à noite no HPSM da 14, o mais antigo e deteriorado de Belém, iniciado por uma pane no ar condicionado da UTI, é o emblema do descaso. Descaso criminoso, diga-se.
O mais fantástico, entretanto, é que esse caos convive com uma execução financeira no setor que não deixou de crescer nesse período. O dinheiro continua sendo gasto, mas falta o básico nas unidades e hospitais e a manutenção preventiva de equipamentos é tão precária que começa a ser fonte potencial de novas tragédias. O Ministério Público Federal (MPF), na trilha desse escândalo há anos, precisa agir com maior celeridade. O tempo, como está evidente, conspira contra a sobrevivência da abandonada população de Belém, refém de uma administração ruinosa e incompetente.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Inútil dormir que a dor não passa

Não foi um bom conselho, sem dúvida, o que a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, trouxe ao Brasil, em sua visita ontem. A doutrina Bush de resolução dos conflitos pela força e pelo aplastamento dos países mais fracos é a própria negação do direito internacional. Numa palavra, a velha diplomacia do porrete em sua versão high tech e adaptada aos ditames do complexo industrial militar norte-americano.
"As fronteiras são importantes. Mas não podem ser usadas como um esconderijo de terroristas", disse uma sorridente Rice, que faz um périplo pela América Latina logo depois da crise deflagrada pela invasão da Colômbia em território equatoriano. A arrogância do governo Álvaro Uribe quase levou a um conflito bélico na América do Sul. O giro sul-americano da chanceler estadunidense tem como objetivo vir em socorro da posição de Uribe, que ficou praticamente isolado no episódio.
Numa situação hipotética, qual seria a reação dessa expoente dos neocons se algum país resolvesse invadir o território norte-americano à caça de supostos terroristas? Responderiam com todas as armas de guerra que têm a sua disposição, certamente.
O Brasil, com sua diplomacia de bons modos e sem qualquer interesse de fazer contraste explícito com os Estados Unidos, acabou dando o palanque que Rice precisava para continuar sua pregação belicista. Uma pena. Um país das nossas dimensões e responsabilidades não precisa se apequenar diante das bravatas dos falcões do Pentágono.

A força de um bom exemplo

O combate à impunidade é o mais eficaz caminho para emparedar a cultura da violência e de menosprezo aos direitos humanos presente nas próprias estruturas do Estado brasileiro. Quanto maior for a certeza de que não haverá complacência com as violações, maior também será o temor por parte dos agentes públicos autores ou cúmplices das barbaridades. O resultado do inquérito da Polícia Civil do Pará indiciando 12 pessoas, entre elas quatro delegados e cinco funcionários do sistema penal, pelas violências sofridas pela adolescente L., de 15 anos, no interior da delegacia de Abaetetuba, em outubro passado, sinaliza de forma bastante positiva para o enfrentamento de um quadro de barbárie que, infelizmente, não está restrito a um único episódio.
Que o mesmo rigor seja aplicado a todas as denúncias de torturas e maus-tratos contra detentos sob o abrigo do Estado, que vêm se avolumando nos últimos meses.
Aguarde-se, agora, a palavra do Judiciário, de onde emanam insistentes indicações de que o corporativismo arma um cerco protetor em torno da juíza Clarice Maria de Andrade, à época titular da 3ª Vara Criminal da comarca de Abaetetuba.

Pilantropia flagrada

A PF desbaratou ontem uma quadrilha que traficava a concessão fraudulenta de Certificados de Entidade Beneficente e de Assistência Social (Cebas). O prejuízo estimado aos cofres públicos pode chegar a R$ 4 bilhões.
Está aberta uma excelente janela para investigar em profundidade o sorvedouro de dinheiro representado por falsas entidades filantrópicas, cuja única benemerência é engordar as contas bancárias de seus felizes proprietários. As áreas da saúde e da educação estão repletas desses espertalhões.
No Pará, o esforço será mínimo para localizar exemplos robustos de uma prática criminosa que já vem de décadas e que foi responsável pela construção de verdadeiros impérios. Templos muito bem caiados por fora, abrigando no seu interior fariseus de todos os quilates.

Dialética da palavra que constrói utopia

"Então, voltei à classe operária, da qual havia nascido e à qual pertencia. Não me preocupava mais em subir. O imponente edifício da sociedade não guarda delícias para mim acima de minha cabeça. São os alicerces do edifício que me interessam. Lá, eu estou contente em trabalhar, de ferramenta na mão, ombro a ombro com intelectuais, idealistas e operários com consciência de classe, reunindo uma força sólida agora para mais uma vez pôr o edifício inteiro a balançar. Algum dia, (...) vamos derrubá-lo (...) e construir uma nova moradia para a espécie humana (...)".


Jack London (De vagões e vagabundos, p.110)

Culpado por suspeita

É simplesmente gravíssima a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-gerente jurídico do Banco da Amazônia (Basa), Deusdedith Brasil, acusado de improbidade administrativa. Ele utilizava-se da posição que durante anos ocupou no banco estatal para captar clientes para seu escritório privado, advogando "ao mesmo tempo" para os dois lados das demandas jurídicas que envolveram aquela instituição financeira pública.
Esta ação e outras duas semelhantes que tramitam na Justiça Federal apenas levantam a ponta de um novelo de ilegalidades muito mais amplo e profundo. O Basa administra fundos bilionários. É de se supor que pela gerência jurídica, ao tempo em que Deusdedith pontificou absoluto, tenham passado processos que envolveram poderosos interesses. Quem garante que o "desvio de conduta" do advogado tenha ficado restrito à "captação de clientes" para sua banca particular de advocacia? Afinal, cesteiro que faz um cesto faz um cento.
Pilhado em atividades suspeitas durante meses, chamava a atenção o magnetismo que o advogado parecia exercer sobre os demais membros da diretoria do banco, sobretudo seu inegável poder de influência sobre o então presidente, Mâncio Cordeiro, indicação do ex-governador e atual senador pelo Acre, Jorge Viana (PT).
Seria muito bem-vinda e inegavelmente oportuna uma auditoria especial nas contas do Basa, com foco na concessão de financiamentos do Fundo Constitucional do Norte (FNO). Tenebrosas caveiras até então recolhidas em bem guardados armários podem saltar de repente. Se isto realmente acontecer, espalhará o pânico em muitos gabinetes, mas nem por isso será surpreendente, pelo menos para os que se julgam enfronhados nas labirínticas e lodosas trilhas que dão acesso às linhas de financiamento público na dessangrada Amazônia.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Rindo à toa

Crescimento econômico, PIB vitaminado, consumo e investimento em alta, exportações alavancadas pelo boom das commodities, verdadeiras ante-salas do paraíso? Esse clima geral de euforia só não consegue encobrir as erupções do Brasil profundo que teima em forçar sua entrada, recheada de pavor e violência, no entorno dos assépticos templos do laissez-faire.
Mas, sem dúvida, 2007 foi muito bom, mas muito bom mesmo, para um grupo bastante seleto, que deve estar rindo à toa: os banqueiros, é claro.
Estudo do doutor em economia, Adriano Benayon, autor de "Globalização versus Desenvolvimento" (Editora Escrituras), revela que os lucros de 31 bancos em atividade no Brasil alcançaram, no ano passado, a cifra de R$ 34,4 bilhões, registrando um crescimento real - já descontada a inflação - de 43,3% em relação a 2006. Levando-se em conta a série histórica desde o governo FHC até hoje, o lucro dos banqueiros cresceu incríveis 468%, multiplicando-se quase por seis.
Essa montanha de dinheiro não caiu do céu. É resultado direto da combinação de dois fatores perversos: as extorsivas taxas de juros aliadas à expansão do crédito e as absurdas tarifas de serviços cobradas pelas instituições financeiras.
É isso que dá "terceirizar" o Banco Central para a gestão de um profissional do ramo, (ex?) executivo do Bank Boston. De fato, o banqueiro Henrique Meireles, felpuda raposa cuidando do galinheiro, merece mesmo é uma estátua em plena avenida Paulista.

Os segredos da cortesã

Os americanófilos de plantão devem estar exultantes. O governador de um dos Estados mais importantes da Federação foi obrigado a renunciar depois de pilhado gastando dezenas de milhares de dólares com prostitutas de luxo. Vitalidade da democracia estadunidense, dirão esses fanáticos do American way of life. Menos, muito menos. Apenas o episódio da retumbante queda do democrata Eliot Spitzer, que entrou na política com fama de incorruptível depois de exercer a função de promotor de Justiça, revela mais um daqueles nada edificantes exemplos da promíscua relação entre público e privado, ou, se preferirem, entre poder, sexo e dinheiro dos contribuintes.
No Brasil, país abençoado, o risco de desfechos semelhantes ao de Nova York é praticamente nulo. A não ser se, um belo dia, figuras do quilate de Jeane Mary Corner, alcoviteira-mor das alegres festinhas da Corte no Planalto Central, resolvesse tornar pública sua agenda de clientes. Perto de suas revelações os atuais escândalos de mal-uso de cartões corporativos e de desvio de recursos para ONGs suspeitas vão parecer coisa de escoteiro.
Mas, para o sossego de muita gente, os lábios da cortesã parecem estar bem selados. Resta saber, apenas, até quando prevalecerá seu silêncio obsequioso.

Tesoura estúpida

Plenário cheio, enquanto a base aliada e a oposição votavam ontem à noite, por acordo, o Orçamento da União para 2008, com parlamentares se revezando na tribuna numa sucessão de discursos ocos, operava-se uma maldade contra as populações indígenas do Brasil. A tesoura do Congresso cortou fundo nas verbas destinadas à saúde indígena, de infra-estrutura de saneamento básico em aldeias e - pasmem - de demarcação e regularização dos territórios indígenas. A perda alcançou pelo menos R$ 106,56 milhões, 16,5% a menos de recursos do que o anunciado em agosto de 2007 no Projeto de Lei Orçamentária.
Os dados são do especialista Ricardo Verdum, assessor de Políticas Socioambiental e Indígena do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Entrementes, no Brasil real, crianças do povo Guarani-Kaiowa, no Mato Grosso do Sul, morrem de forme e dezenas de nações indígenas, em especial na Amazônia, continuam ameaçadas pelo avanço das frentes de destruição impulsionadas pela ganância de mineradores, madeireiros e pecuaristas.

Com a corda no pescoço

De um leitor anônimo, que assina simplesmente como um "Servidor público indignado", atento às vicissitudes dosfuncionários estaduais em apuros com as taxas cobradas nos empréstimos consignados oferecidos pelo Banpará. Vale a pena ler:

Talvez aqui não seja o espaço adequado, mas não posso deixar de externar minha insatisfação com as linhas de créditos consignados que estão sendo ofertadas pelo BANPARÁ.

1- O governo (Executivo) liberou com exclusividade ao BANPARÁ a linha de empréstimo consignado em folha, que está concedendo somente na semana do pagamento.

2- a taxa de juros cobrada pelo BANPARÁ aos já combalidos servidores estaduais está na faixa absurda de 3 % (três por cento), muito acima até do estão sendo aplicados pelos banco PRIVADOS, sem consiganação em folha.

3- O prazo de pagamento do BANPARÁ é em até 48 (quarenta e oito) meses, que nesse percentual faz o empréstimo ficar algo astronomico.

4- Para servidores do Judiciário Estadual e Federal a CAIXA ECONÔMICA aplica o percentual de 1,2% (um ponto dois) por cento, para a linha de crédito consignado que pode ser obtido A QUALQUER HORA, e pode ser parcelado em até 72 (setenta e dois) meses!

5- o HSBC e o banco Real, que são PRIVADOS, aplicam o percentual oscilante entre 1,5 e 2,00% (um e meio e dois por cento) de juros para empréstimos QUE NEM SÃO CONSIGNADOS EM FOLHA.

O que está acontecendo com os economistas do BANPARÁ? Querem levar os servidores estaduais à falência, de uma vez por todas?A Governadora prometeu ao funcionalismo taxas máximas de 1,8% e prazos mais elásticos, por que não está sendo aplicada?
Se o BANPARÁ não pode competir com os demais bancos, em termos de taxas, por que o Governo não abre a outros Bancos a opção de crédito consignado?
Isso não seria Reserva de Mercado, que é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor?REALMENTE, NINGUÉM RESPEITA NINGUÉM!!!

Servidor Público Indignado

quarta-feira, 12 de março de 2008

Passa boi, passa boiada

Matéria do núcleo de Rede da Globo, exibida no Jornal Nacional de ontem (11), mostra a falência do sistema de controle do transporte e comercialização de madeira no interior do Pará. A reportagem percorreu durante vários dias centenas de quilômetros em estradas vicinais em Tucuruí, Novo Repartimento e Baião, municípios próximos à Tailândia onde estão acantonadas as tropas da operação Arco do Fogo, flagrando a facilidade como o tráfico ilegal de madeira ilegal processa sem encontrar qualquer barreira. Acompanhando as frentes que avançam sobre a floresta, centenas de fornos de carvão vegetal para abastecer os pólos de produção de ferro gusa em Marabá e no Maranhão.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que em janeiro o ritmo do desmatamento na Amazônia continuou acelerado, aproveitando o período atípico de poucas chuvas. São 639,1 km2 de florestas que sumiram do mapa, equivalentes a 40% do território da cidade de São Paulo.
No Pará, São Félix do Xingu se manteve no topo do ranking da destruição, ao lado de Marcelândia, no Mato Grosso do governador Blairo Maggi, o rei da soja.

Todos contra a escravidão. Todos?

Logo mais, às 10 horas, o auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, está tomado por manifestantes vindos de todo o país para exigir a aprovação da PEC 438/01, que estabelece o confisco das terras onde for constatada a ocorrência de trabalho escravo. Mais de mil trabalhadores rurais, além de juristas, intelectuais, artistas e defensores de direitos humanos levantarão uma bandeira que costuma ser apresentada como consensual. Aliás, não há um único defensor aberto das "condições degradantes" de trabalho. Mas, em contrapartida, não são poucos no Congresso os que questionam o "conceito", duvidando da própria existência dos chamados escravos modernos. Desconfiam que por trás da ação fiscalizadora do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho - acusada de "intransigente" - esconde-se a má-vontade contra o "mercado" e suas sagradas leis. Estão abrigados nas mais diversas legendas e atendem pelo nome genérico de “bancada ruralista”.
Pois bem. O ato de hoje será uma grande oportunidade de colocar o tema novamente na pauta política nacional. Será uma chance para que o senador José Nery (PSOL-PA), presidente da subcomissão do Senado e principal articulador da manifestação, ouça o compromisso público das lideranças partidárias em votar, ainda neste semestre, a emenda que perambula pelas gavetas da Câmara dos Deputados desde 2004, quando foi aprovada em primeiro turno e, em seguida, enviada para o freezer.
Até este momento não está confirmada a prometida audiência com o presidente Lula, muita embora os visíveis esforços de governistas sinceros, como é o caso do ministro Paulo Vanuchi (Direitos Humanos). Se receber a comissão pró-PEC 438, Lula poderá ter um palanque para esclarecer suas recentes e controvertidas declarações onde minimizou o trabalho degradante encontrado nas usinas brasileiras, atribuindo essas críticas à "guerra comercial" estimulada pelos europeus. Afinal, afirmou o presidente, na Inglaterra da Revolução Industrial as condições de trabalho eram bem piores que as nossas. Uma obviedade nada inocente que faz questão de esquecer a distância de quase dois séculos entre uma situação e outra. Ou apenas um ato falho para confirmar que o combate ao trabalho escravo não tem mesmo como rimar com a apologia cega aos bezerros de ouro do agronegócio.

"Ninguém respeita ninguém. Vocês não entendem?"

A frase é um desabafo e um grito de alerta. Seu autor, de apenas 10 anos, já caminha com desenvoltura pelas trilhas do crime. Criança abandonada e vivendo nas ruas, aprendeu rapidamente os ditames da lei da selva onde ninguém respeita mesmo ninguém.Mas a foto publicada na edição de hoje de O Liberal, mostrando o garoto, mirrado e com as costelas à mostra, sendo conduzido por uma guarnição de PMs, gigantes perto da constrangedora pequenez da criança flagrada roubando uma bicicleta na periferia de Belém, diz mais que todos os discursos e promessas de todas as autoridades - em todos os níveis de governo - que prometem a redenção e vendem a idéia de que as coisas estão melhorando. Miragem que não resiste para além dos limites estreitos e frágeis da propaganda oficial.
Contumaz freqüentador do Conselho Tutelar e de delegacias policiais, o garoto foi levado para um "abrigo" onde se presume que seja submetido a "medidas socioeducativas". Presume-se apenas, porque o mais provável é que essa criança esteja em breve devolvida às ruas, pronta para novas e mais violentas escaladas. Exatamente como os cinco adolescentes de Marabá, que compõe a outra foto dramática da imprensa desta quarta-feira. Por quatro longos dias foram mantidos algemados em bancos de uma delegacia de polícia naquele município do sudeste paraense, como animais, enquanto aguardavam transferência para o Centro de Internação do Adolescente Masculino (CIAM). O delegado se justifica: nunca houve "celas especiais para adolescentes na delegacia". Por isso, foi preciso "improvisar". E são estes "improvisos" que levaram, há tão pouco tempo, uma adolescente, de 15 anos, a dividir a cela com 20 detentos em Abaetetuba, onde conheceu o inferno do estupro e da tortura em uma dependência do Estado, sob o olhar cúmplice de uma infindável lista de agentes públicos.
A foto da barbárie está percorrendo o instantâneo mundo da mídia impressa e virtual. Causará escândalo relativo, porque de tão recorrente vai produzindo uma espécie de anestesiamento. Compõe a paisagem, exatamente como aquele retrato na parede que não para, um só segundo, de doer e de recordar o abismo cada vez mais abissal que a sociedade brasileira cava. Dentro dele, sendo despedaçado a cada nova tragédia, um moribundo projeto de nação que precisa ser recuperado antes que seja tarde demais.

O fantasma que ainda assusta

Tratar os atos de desobediência civil praticados pelo MST e pela Via Campesina em todo o país nos últimos dias como uma espécie de Ludismo redivivo, "quebradores de máquinas" do século XXI, revela um misto de desconhecimento e má-fé. Tampouco são "criminosos" e "bandidos" como quer a direção da Vale, que finge indignação contra atos mais que previsíveis. O fechamento de estradas, ferrovias e as ocupações de fazendas e campos de experimentos de multinacionais são expressão da velha luta de classes, esse fantasma que ronda e desaba sobre o mundo perfeito de uns poucos.
Os milhares de manifestantes têm algo muito importante em comum: sabem exatamente contra quem estão lutando e não se enganam e nem dispersam energias em questões acessórias. Partem do convencimento que na raiz da dramática situação social da qual são produto direto e imediato estão interesses poderosíssimos, monopólios gigantes que submetem e aprisionam governos e condicionam - seguindo uma cartilha baseada da centupilicação e hiperconcentração do capital - os chamados modelos de desenvolvimento, cada dia mais decididos de fora para dentro e de cima para baixo.
Determinados e conscientes, esses militantes sabem que sobre eles, muito em breve, vai se abater a pesada mão do Estado. Afinal, a ordem precisará ser restabelecida e é para isso que a face coercitiva do aparato estatal deverá ser usada. Pouco importa se as manifestações sejam pacíficas, agredindo quando muito pequenas parcelas de um patrimônio que foi (e continua sendo) roubado da maioria do povo. Por sinal, a Vale encher a boca para falar em "crimes" e em "atos de bandidos" chega muito perto do pleonasmo. Nesta matéria, que ninguém se engane, trata-se de uma especialista.

terça-feira, 11 de março de 2008

Prefeito e secretários caem nas malhas da PF

A Polícia Federal executa neste momento uma ampla operação no município fluminense de Campos dos Goytacazes. Vários secretários municipais foram presos e o prefeito, Alexandre Mocaiber (PSB), foi afastado do cargo por determinação da Justiça. Todos são acusados de formação de quadrilha, fraudes em licitações públicas e desvio de pelo menos R$ 240 milhões.A operação foi batizada com o sugestivo nome de Telhado de Vidro e já cumpriu 12 mandados de prisão. Duas pessoas ainda estão foragidas.
Apesar de distante geograficamente, Belém tem muita coisa em comum com a cidade de Campos, importante pólo do Norte do Rio de Janeiro, berço político do ex-governador Anthony Garotinho. Lá como aqui, muitas casas, com seus reluzentes telhados de vidro, correm sempre o risco de vir abaixo. Mais cedo ou mais tarde.

Ainda tem mais

A mega-fraude através da aprovação de projetos de manejo fantasmas na Secretaria de Meio Ambiente do Pará (antiga Sectam, atual Sema) pode ser bem maior do que foi revelado até agora. Segundo informações do Ministério Público Estadual além dos seis projetos já denunciados, pelo menos mais nove também teriam sido aprovados, a toque de caixa, no finalzinho do governo tucano, em dezembro de 2006.
Não custa lembrar que à época era secretário de Meio Ambiente, Raul Porto, irmão do deputado petebista Joaquim Passarinho. O envolvimento de Porto com a máfia de madeireiros ilegais não é novidade. Em 2007 ele caiu nas malhas da operação Ananias, da Polícia Federal, sendo preso por alguns dias justamente acusado de envolvimento com quadrilhas que fraudavam os documentos de transporte e comercialização de madeira.
É por isso que a fraude que tem Tailândia como epicentro pode ir muito além dos 120 mil metros cúbicos de madeira. Segundo algumas estimativas, pode chegar a 700 mil metros cúbicos, uma imensa floresta de falcatruas que pode ter distribuído dezenas de milhões de reais aos membros da quadrilha. Que falta faz uma operação "Mãos Limpas" que fosse fundo para pegar todos os envolvidos (sem deixar nenhum dos mandantes, operadores e beneficiários de fora da devassa).

segunda-feira, 10 de março de 2008

Travessuras pascais

Gente que entende do riscado não tem dúvida: a próxima licitação da Prefeitura de Belém para serviços de pavimentação asfáltica já tem dono. E a vitória da emergente empreiteira com visíveis laços com o grupo do atual prefeito, Duciomar Costa (PTB), poderá ser por W.O.
Acreditar em uma legítima disputa de técnica e preço é, para alguns, o mesmo que esperar pacientemente pelos presentes do Coelhinho da Páscoa.

Faz de conta federal

O governo Lula admite que faltam sete mil fiscais para levar adiante as tarefas preservação ambiental no país. O déficit é ainda mais escandaloso no Pará: 8.050 km2 para cada um dos 155 fiscais. Para se ter uma idéia do rombo: hoje, no Brasil, são pouco menos de quatro fiscais por cada mil km2 em unidades de conservação. A média mundial chega a 27 para a mesma área; nos EUA, por exemplo, o número de fiscais é oito vezes maior que a média brasileira.
É amazônica a distância entre intenção e gesto quando está em jogo o combate efetivo - e não apenas retórico - ao desmatamento e às outras muitas modalidades de crimes ambientais.

Não será mera coincidência se este quadro estiver diretamente relacionado com o enorme peso que os interesses das transnacionais do agronegócio possuem dentro do Planalto, com seus muitos e loquazes defensores.

Cultura da violência

Uma pesquisa da Agência Nova S/B em parceria com o Ibope que O Globo publica traz números assustadores. Escancara as profundas contradições da auto-imagem do brasileiro, progressista da boca para fora, condescendente com a tortura e avesso ao respeito às diferenças.
Um número chama a atenção: 26% dos entrevistados aprovam a tortura como método para obter informações. Quando esse mesmo quesito passa pela clivagem da renda revela uma percepção diferente entre os que podem ser - e geralmente são - vítimas dos "métodos" das "tropas de elite": entre os que recebem até um salário mínimo esse percentual não ultrapassa 19%, chegando a quase a metade (42%) da parcela mais abastada (acima dos cinco salários mínimos).
Resultados preocupantes em um país que precisa encontrar seu caminho. Conhecer sua face verdadeira, muitas vezes terrivelmente contraditória, pode ser o primeiro passo.

domingo, 9 de março de 2008

Liberdade de movimento. Para o Capital

As fronteiras modernas servem para impedir ou dificultar o trânsito dos seres humanos. Os capitais, sem fronteiras e sem escrúpulos, não reconhecem os limites entre os países. Deslocam-se com velocidade alucinante com um simples apertar de tecla, migrando de uma bolsa para outra, da Ásia para a América Latina e dos Estados Unidos para qualquer paraíso fiscal do Caribe, sem que, muitas vezes, os portadores dessa gigantesca bolha de riqueza financeira precisem sequer ter suas identidades conhecidas. Abrigam-se por trás de fundos de investimentos e fazem parte da carteira dos grandes bancos multinacionais.
Os capitais espanhóis, que humilham milhares de brasileiros que tentam penetrar na Europa tendo Madri como porta de entrada, são muito bem tratados em nosso país, cuja desregulamentação do fluxo de capitais só fez aumentar nos últimos anos. Seus bilhões de euros podem passear tranquilamente pela Bovespa, especular à vontade, realizar lucros e, se der na telha, levantar âncoras com enorme rapidez, gozando de franquia fiscal quase absoluta.
Podem também, quando a pechincha é bastante atraente, trilhar o caminho do investimento direto, comprando na hora da xepa bancos, empresas estatais, linhas de transmissão de energia e outras concessões bilionárias, como ocorreu nos diversos trechos de rodovias federais "leiloados" em outubro do ano passado, quando as espanholas OHL e Acciona arremataram seis dos sete lotes ofertados, ou 2.278 quilômetros de um total de 2.600. Um negócio das Arábias sob a batuta da política privatista do governo do PT.
Tão bem acolhidos, os investimentos espanhóis continuam a crescer no Brasil. Não é por outro motivo que o grupo Santander adquiriu o holandês ABN Amro, que aqui controla o Banco Real, tornando-se a terceira maior instituição financeira do país. São mais de US$ 30 bilhões em múltiplas áreas. Dinheiro que já está voltando, na forma das desreguladas remessas de lucros, para os cofres do outro lado do Atlântico.
A aplicação de medidas mais duras aos turistas espanhóis - retaliação ou reciprocidade, tanto faz - é apenas um gesto de mínimo decoro. Mas, fique claro, é absolutamente insuficiente. Para fazer valer o que nos resta de soberania, o governo brasileiro deveria rever a forma extremamente privilegiada como os capitais espanhóis são tratados por aqui. Quem sabe uma mudança mesmo que parcial nesta área teria a capacidade de amolecer os corações dos fiscais da aduana espanhola, cuja xenofobia fica mais que evidente quando se trata de nos impor um tratamento de cidadãos de segunda categoria.

Dívida eterna?

A se tomar por verdadeiras as versões que circulam dando conta de um suposto apoio de Lula à candidatura do ex-deputado José Priante (PMDB) à Prefeitura de Belém, como parte do pagamento pelo apoio do peemedebista à eleição de Ana Julia no segundo turno de 2006, estaremos diante de um poço sem fundo, uma dívida verdadeiramente impagável. Não custa lembrar que para saldar a fatura - ou parte dela - 1/3 do governo do Estado foi entregue, com as porteiras quase fechadas, aos gulosos e nada sutis apoiadores da dupla Barbalho-Priante.
De duas, uma: ou os votos do PMDB fizeram toda a diferença - o que a matemática eleitoral parece não confirmar, ou a aliança deve se explicar por outros motivos, talvez daqueles que não sobrevivem se expostos à luz do dia.

Pole position

Para quem é leitor do Página Crítica não é novidade a quadrilha da madeira de Tailândia e a mega-fraude de centenas de milhares de metros cúbicos, que hoje está estampada em amplas reportagens publicadas em O Liberal e no Diário do Pará. Da mesma forma, as digitais do prefeito Paulo Jasper, vulgo Macarrão, que aparecem fartamente nas diversas fases da negociata, também já haviam sido detectadas em várias notas publicadas neste espaço.
Da seção Vale a pena ler de novo:


Terça-feira, 26 de Fevereiro de 2008

Uma floresta de crimes

Muito tem se falado sobre as quadrilhas que lucram milhões através de fraudes nos sistemas de controle do comércio de madeira no Pará. Elas existem há anos e têm alcançado notável desenvolvimento nos últimos anos. São cada vez mais especializadas e eficientes em seu trabalho sujo, disso ninguém duvida. Como também não se pode negar que jamais existiriam se não contassem com tentáculos espalhados dentro e fora das instituições. Vivem, portanto, à margem da lei, mas se beneficiam de esquemas que supõem ampla infiltração nos órgãos que deveriam fazer a fiscalização rigorosa e permanente das atividades potencialmente predadoras.A fraude escandalosa em projetos de manejo florestal em seis áreas no município de Tailândia – hoje no epicentro da operação Arco de fogo do governo federal – pode dar muitas pistas de como agem essas quadrilhas e quais são os beneficiários desse poderoso esquema criminoso.Recuperemos a história: em dezembro de 2006, no final do governo do PSDB, a Secretaria de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia (atual Sema), aprovou em tramitação recorde, em apenas 18 dias, a liberação de mais de 170 mil metros cúbicos de madeira, a serem explorados através de 20 projetos de manejo, sem que nenhum requisito técnico fosse obedecido. A partir daí estava gerado o “crédito” para que entrassem em campo demais integrantes da quadrilha. Como parte dessas áreas já não tinha nenhuma cobertura vegetal, posto que devastadas completamente há anos, além de outras que sequer existiam no mundo real – áreas fantasmas -, o que interessava era vender o “direito de desmatar” materializado pelos Documentos de Origem Florestal (DORF), antiga Autorização de Transporte de Produto Florestal (ATPF). Pois bem: aí entra em cena uma importante autoridade, que intermediara a liberação relâmpago dos planos de manejo. Por seu “trabalho” cobra uma cifra milionária, ao como R$ 12 milhões, pago por empresas madeireiras ilegais que atuam na região. A parte mais fácil é conseguir a matéria-prima. Ela vem dos muitos de todos os cantos, mas principalmente de propriedades invadidas e exploradas febrilmente por hordas de sem-tora, organizadas, armadas e equipadas por esses mesmos madeireiros, mas que agem como bandos criminosos, aparentemente sem controle de ninguém.
Em menos de um ano, as transações relativas aos 170 metros cúbicos de madeira já haviam sido realizadas, sob a enganosa capa da legalidade. Um lucro estimado em pelo menos R$ 50 milhões, equivalente a perto de sete mil carretas cheias de toras.Dessa vez os bandidos da floresta podem ter deixado muitos rastros, pistas valiosas se houver efetiva vontade de investigar, apurar e punir os responsáveis. A denúncia foi feita por uma corajosa promotora de Justiça, uma honrosa exceção para confirmar a regra de um Ministério Público Estadual marcado pela inoperância diante dos crimes que são, dia após dia, cometidos em território paraense. Em breve, será ajuizada uma Ação Civil Pública para que a Justiça determine, entre outras medidas, a realização de perícia técnica nas áreas objeto dos supostos manejos. Facilmente será detectada a fraude. Da mesma forma – sempre se houver disposição – será possível rastrear todas as empresas que se beneficiaram dos DORFs sob suspeita. Ou seja, utilizaram-nas para esquentar madeira ilegal.
Em resumo: desde os funcionários públicos corruptos que aprovaram os planos fajutos, passando por autoridades públicas envolvidas, até chegar à ponta do negócio, onde atuam empresas do ramo da madeira, quem sabe uma ou outra que pode até posar como portadora de profundo compromisso com o decantado desenvolvimento sustentável e com a responsabilidade social e ambiental.
Com a denúncia está aberta a trilha para desvendar uma intrincada floresta de crimes. E para colocar atrás das grades seus muitos e vistosos autores.

Um vale de lágrimas (de crocodilo)

Ninguém quer pagar imposto no Brasil. Quanto mais rico, maior é o chororô. Chega a dar pena ouvir a lamúria do empresariado contra o que chama de elevada carga tributária. Ora, no Brasil o sistema tributário é perverso e claramente regressivo (isto é, paga mais quem ganha menos; paga quase nada quem possui os maiores ganhos; o trabalho é tributado em excesso; já a riqueza e a propriedade passam incólumes).
Até o setor mineral, representado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), derrama copiosas lágrimas contra uma alegada (e fantasiosa) carga tributária que colocaria o país entre os que mais tributam a exploração mineral. Segundo dados da entidade, os impostos brasileiros são considerados altos para oito de 12 minérios pesquisados em 21 países. Assim, alerta para que não se analise "isoladamente" a questão da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), em torno da qual os municípios mineradores travam uma luta para que alcance os padrões internacionais. Os chamados royalties variam de apenas 0,2% até 3% - o minério de ferro paga somente 2% - quando nos Estados Unidos, por exemplo, essa cobrança chega a 14%. Coitadinhos. Choram de barriga muito cheia.
Com a desoneração do ICMS para a exportação a partir da Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) e da primeira reforma tributária do governo Lula, em 2003, o peso dos impostos se tornou ridículo para um setor que explora uma riqueza não-renovável e cuja atividade é de elevadíssimo e permanente impacto socioambiental. Logo, sobre ela deveriam ser gravados pesados impostos como forma de compensar as perdas definitivas sofridas pela sociedade.
Este é um tema que merece entrar na pauta, de forma urgente, imediata e corajosa. O resto são fogos de artifício que anunciam as mesmas promessas que de tão velhas e estropiadas só conseguem iludir aqueles que querem ocupar o triste papel de regentes da mesma ópera bufa de sempre.

Dialética da palavra em transe

SACRO LAVORO

as mãos que escrevem isto
um dia iam ser de sarcedote
transformando o pão e o vinho forte
na carne e sangue de cristo

hoje transformam palavras
num misto entre o óbvio e o nunca visto

Paulo Leminski (O ex-estranho, 1996, p.46)

sábado, 8 de março de 2008

Tem dólar na senzala

Até Bill Clinton, quem diria, caiu na rede do Grupo Móvel que combate o trabalho escravo no Brasil. O ex-presidente norte-americano foi flagrado submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão em Goiás e Mato Grosso. Explique-se: a Brenco, empresa multinacional que chegou ao país para explorar o filão dos agrocombustíveis e tem Clinton como um de seus proprietários, logo se adaptou às condições vigentes no trabalho no campo. Passou a contratar "gatos" para intermediar mão-de-obra e, junto com eles, instalou verdadeiras senzalas às proximidades das vastas fazendas que adquiriu no Centro-Oeste brasileiro.
Em operação do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego foram libertados 17 trabalhadores localizados em condições degradantes. Estavam passando fome e dormindo em colchões molhados. No total, foram localizados 1500 trabalhadores em condições precárias. Todos iam trabalhar na colheita da cana-de-açúcar.
Não é por acaso que mais da metade das libertações de 2007 ocorreu em canaviais, demonstrando que é neste setor em expansão que se localiza o novo vetor de crescimento da escravidão moderna no Brasil.
São sócios da Brenco outras figuras do alto mundo dos negócios nos Estados Unidos: Stephen Case, fundador da AOL, James Wolfensohn, ex-presidente do Banco Mundial, e Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems. Tudo gente muito fina, mas sem quaisquer escrúpulos quando se trata de maximizar lucros às custas do sangue do trabalhador brasileiro.

O gênero da desigualdade

Com a palavra, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): para tarefas iguais, as mulheres brasileiras continuam recebendo bem menos do que os homens. Por exemplo, na faixa de 11 anos ou mais de estudo, as mulheres ganham 58,6% do rendimento dos homens com o mesmo nível de escolaridade.
Estes indicadores demonstram o quanto faz falta uma política afirmativa que trate desigualmente os desiguais para, no processo, por fim a todas as formas de discriminação.

A bolsa ou a vida

Uma das pérolas da coluna do Bernardino, na edição de hoje de O Liberal: o mais novo objeto de desejo das socialites da cidade é uma bolsa Louis Vuitton que custa módicos R$ 8.550,00. Ou 20 salários-mínimos já com o aumento que passou a vigorar no sábado passado.
Enquanto isso, quase 50% das 600 mil famílias chefiadas por mulheres no Pará sobrevivem com renda máxima mensal de até um salário mínimo, pelos dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos).
Alguém ainda tem dúvida que é desse fosso que surge a espiral de violência urbana que engolfa a tudo e a todos?

sexta-feira, 7 de março de 2008

Dano colateral

Quando parecia que finalmente estava ganhando algum fôlego, a enfraquecida pré-candidatura de Mário Cardoso (PT) à Prefeitura de Belém sofre mais um novo e inesperado abalo. Desta feita os mísseis Katyusha foram lançados do seu próprio território, isto é, de sua tendência interna no PT, a outrora poderosa Unidade na Luta. Em tensa plenária de militantes realizada nesta semana, os petistas ligados ao deputado Paulo Rocha decidiram arquivar de vez o nome do ex-secretário de educação. Após acalorado debate, a maioria optou pelo lançamento do vereador e presidente do Diretório Municipal de Belém, Adalberto Aguiar. Se depender da vontade dessas bases, repentinamente rebeladas, será Adalberto o oponente da deputada Regina Barata nas prévias partidárias.

Justa retaliação

Na Web hoje cedo as primeiras notícias de que a PF, sob ordens do Itamaraty, começou a reter em nossos aeroportos cidadãos espanhóis, que serão impedidos de entrar no país. Estava demorando em demasia para que as autoridades alfandegárias dessem um tratamento equivalente ao que milhares de brasileiros recebem há meses nos aeroportos espanhóis, porta de entrada numa Europa a cada dia mais rica e igualmente xenófoba. Apenas um gesto de reciprocidade, na rebuscada linguagem das chancelarias.

Invisibilidade conveniente

Um ponto de prostituição freqüentado por adolescentes na avenida Pedro Álvares Cabral, uma das mais movimentadas de Belém, não chega a ser novidade. O espanto decorre do fato de que o "negócio" funcione há meses, em plena luz do dia, e bem em frente do prédio-sede da Polícia Rodoviária Federal (PRF), um dos órgãos que integra o mutirão contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. Péssimo exemplo de negligência de agentes públicos revela antes de tudo, como os pobres podem continuar na invisibilidade. Até que a próxima tragédia force a entrada nas manchetes enodoadas de sangue e de vergonha.

Quem são eles?

Deve ser uma lista estrelada, com a presença de colunáveis de muitos quilates e sobrenomes repletos de tradição e empáfia. A Receita Federal está na cola de 94 contribuintes paraenses suspeitos de sonegar cerca de R$ 33 milhões. Dentre estes, pelo menos 19% são servidores públicos, cuja movimentação financeira incompatível com a renda declarada indica fortes sinais de corrupção ou enriquecimento ilícito.
Se a operação for para valer como se espera, não tardará para que o impacto seja sentido no aquecido mercado imobiliário em Belém, locus predileto para a lavagem do dinheiro sujo amealhado pelos gatunos.

quinta-feira, 6 de março de 2008

A taça é nossa

Não tem para ninguém. O Brasil recuperou a liderança mundial no vergonhoso campeonato das mais altas taxas de juros, suplantando a Turquia. A decisão do Copom de manter a taxa básica de juros em 11, 25% ao ano (6,70% já descontada a inflação) devolveu o título para nosso país, incontestável paraíso da especulação.
Anotem: 6,70% é só uma taxa de referência. A taxa de crédito ao consumidor, efetivamente praticada pelo sistema financeiro, chega a indecentes 130% ao ano. Lucro de poucos numa economia cada vez mais financeirizada.

Precaução despedaçada

Deveria ser leitura obrigatória para os apóstolos da transgenia, aqueles mesmos que liberaram, em polêmica votação no Conselho Nacional de Biossegurança, a variedade MON 810, da multinacional Monsanto. Acaba de ser lançada mundialmente a versão 2007 do Registro de Contaminação Transgênica, organizado desde 2005 pelo Greenpeace internacional e pelo grupo GeneWatch UK, detalhando 39 novos casos de contaminação de plantações ocorridos em 23 países, entre os quais um caso grave ocorrido com aquela variedade de milho transgênico no Quênia.
Enquanto cresce no mundo inteiro a pressão para sejam definidas regras rigorosas que obriguem as empresas de biotecnologia a pesadas multas e reparações a agricultores e consumidores, o Brasil vai se tornando território livre para ação deletéria das gigantes do setor. Sob as bênçãos do Planalto e da bancada a soldo do agronegócio.

Dialética da palavra indignada

"Os outros nascem para viver, estes para servir. Nas outras terras, do que aram os homens, e do que fiam e tecem as mulheres se fazem os comércios: naquela o que geram os pais e o que criam a seus peitos as mães, é o que se vende e se compra. Oh! trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh! mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias, e os riscos são das próprias!".

Padre Antônio Vieira (1608-1697).

Dinheiro demais

Convenhamos, não deve ser nada fácil a vida do deputado Domingos Juvenil (PMDB) e de seus colegas da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Pará. Todos os meses precisam providenciar que sejam gastos - integralmente, sem sobrar um mísero centavo - mais de R$ 16 milhões, uma fortuna para um órgão centralizado na capital e que atende às demandas de apenas 41 deputados. Neste ano estão sentados sobre uma fortuna de R$ 195 milhões, 55% a mais que em 2007.
É tanto dinheiro que, às vezes, peca-se por falta de criatividade. Reformas intermináveis e recorrentes, contratos de locação de bens e serviços com preços suspeitos, diárias e viagens como forma de complementação dos já polpudos salários, tudo pode ser insuficiente e - para a desgraça de alguns - ainda sobra recurso em caixa. Que problemão!
Se houvesse sobrado um pingo de credibilidade no Poder Legislativo paraense - e infelizmente parece não ser o caso - seria muito bem-vinda uma devassa nas contas da Mesa Diretora no período de, pelo menos, quatro anos. Tarefa impossível diante da intrincada, mas notória, rede de acordos que faz a blindagem das contas do ex-presidente e atual senador Mario Couto, e assegura que novos e gulosos esquemas substituam, sem traumas, os que até então prevaleceram. Civilizados, sem dúvida, esses deputados paraenses.

Tabuada esperta

Segurem os rojões. Pouco a pouco vão surgindo mais detalhes sobre a prometida usina siderúrgica a ser construída no Pará nos próximos anos, a próxima miragem a ser perseguida como a redenção final e definitiva do Estado. Revela-se agora que o investimento da Vale não será de R$ 5 bilhões como se alardeou a princípio. Será de pouco mais de R$ 1,25 bi, somente isso.
É que entrou em cena uma matemática para lá de esperta: o dinheiro necessário resultará de um rateio em quatro partes: 25% para cada um dos "sócios". Assim, entrarão com a grana, na mesma proporção, um sócio estrangeiro da Vale - coreano ou indiano, possivelmente -, um pool de "pequenos investidores", e, claro, o povo brasileiro através do BNDES, sempre tão mão aberta quando se trata de colocar recursos públicos nas mãos de quem não precisa.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Direito de matar

Um parlamentar identificado com a chamada "bancada da bala", lobby das indústrias produtoras de armas, é o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Pompeo de Mattos (PDT-RS) tem um currículo invejável: ao defender posição contrária à proibição da venda de armas no país, ele escolheu o lado dos que apertam o gatilho da violência. E mais: optou pelos que lucram com isso.
Quem se habilita a propor a mudança imediata do nome da outrora combativa comissão?

No acostamento

Começou a temporada de nomeações de indicados do PMDB para os nacos mais suculentos do setor elétrico nacional. Nos próximos dias, garantem fontes palacianas, será confirmado na presidência da Eletrobrás o engenheiro José Antônio Muniz Lopes, apadrinhado do senador José Sarney (AP).
Com o motor engasgado, permanece no acostamento a indicação de Lívio Assis (atual Detran-PA) para a Eletronorte. Os "problemas legais" que sua indicação está enfrentando apenas antecipam o que está por vir caso esse integrante do petit comité de Jader Barbalho receba o sinal verde. Como se sabe, ele é especialista. Em escândalos.

Satélite espião

Para os que não acreditam em coincidências: escassos dois dias antes da invasão colombiana do Equador para massacrar os guerrilheiros das FARC, esteve na Colômbia uma alta patente militar dos Estados Unidos, mantendo "troca estratégica de informações". Tradução: partiu de satélites norte-americanos a localização exata do acampamento do número dois da guerrilha, Raúl Reys, em território equatoriano. E, acima de tudo, a ordem de ataque foi dada em bom e claro inglês.