A linguagem diplomática tem mesmo suas particularidades. Um país resolve penetrar quilômetros no território do vizinho, utiliza-se de armamento pesado - aviões de combate, tropas aerotransportadas, artilharia - e, na calada da noite, destrói um acampamento de um grupo guerrilheiro que lá se abrigava. Não houve propriamente combate. Os insurgentes foram mortos enquanto dormiam. Numa palavra, massacre.
Em um único episódio foram pisoteados, de uma só vez, inúmeros artigos da Carta das Nações Unidas e da OEA. Mas toda essa selvageria pode ser minimizada com um simples pedido formal de desculpas ao país agredido. Ainda mais se for alegado o princípio da autodefesa e simulada a existência de combates "quentes", que teriam fugido ao controle.
Esse roteiro de hipocrisias foi seguido à risca pela Colômbia na tentativa de diminuir a reação internacional contra seu ato de agressão contra o território equatoriano, ocorrido no sábado (1) e que dizimou um pequeno agrupamento das FARC, ceifando a vida do comandante guerrilheiro Raul Reyes, o número dois da organização que há mais de 40 anos luta contra as oligarquias daquele país.
precedente foi gravíssimo, assim como as respostas de Equador e Venezuela estão proporcionais ao agravo sofrido. O rompimento de relações diplomáticas e o envio de tropas às fronteiras devem ser entendidos nesse contexto, aí sim como movimentos de preservação de suas respectivas seguranças e soberanias nacionais, claramente ameaçadas pela posição belicista do governo colombiano.
Estes são os fatos. Vamos às versões.
Enquanto a mídia internacional, em particular na Europa, deu ao caso a dimensão de um incidente de primeira linha, fazendo o imediato elo entre o massacre e as tentativas de Álvaro Uribe de sabotar os esforços de mediação com as FARC - que haviam acabado de libertar, de forma unilateral, mais um grupo de reféns -, no Brasil a cobertura descambou para a mais aberta campanha ideológica contra o governo Chavéz e de criminalização dos guerrilheiros, sempre apresentados como braço armado do narcotráfico. Aliás, narcotráfico que penetrou de cima abaixo na sociedade colombiana, infiltrando-se nas estruturas de seu governo direitista e medularmente vinculado aos criminosos grupos paramilitares (estes, como se sabe, sócios dos cartéis da droga e propulsores da violência endêmica que infelicita aquele país).
A reação brasileira, que deveria ter ocorrido ainda no domingo, foi se arrastando indefinidamente até o final da tarde de ontem. Limitada a uma entrevista do chanceler Celso Amorim, primou pelo linguajar diplomático e foi fria como uma pedra de gelo. Evitou estabelecer condenação aberta à ação da Colômbia, deixando esse posicionamento nas entrelinhas. Pediu uma declaração mais explícita de desculpas ao Equador, diante das evidências de que seu território foi invadido em uma ação militar planejada e meticulosamente executada. Palavras elegantes para nominar um crime contra o Direito Internacional.
É claro que o Brasil também não enveredou para ataques xenófobos à Venezuela e seu governo. Também não criticou a mobilização de tropas do Equador. Ficou ali no limite do bom-comportamento que tem caracterizado nossa diplomacia, mas muito aquém do papel protagonista que um país das dimensões e importância do Brasil pode e deve jogar no cenário do continente.
O momento de conflito iminente exige coragem e disposição para ferir interesses. E esses interesses - os do dono, claro - estão fora da América Latina, abrigados no Salão Oval, de onde manipulam os cordões que regem as pantomimas bélicas de Uribe e seus generais de aluguel. Mais pedir isso a Lula é um pouco demais. Significa cobrar uma estatura que efetivamente ele não possui.
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