quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Hora da verdade

A grande mídia faz coro com as viúvas da ditadura, fardadas ou não. Clamam por isonomia, como se fosse possível - ou eticamente defensável - colocar no mesmo plano de responsabilidade quem supliciou, esquartejou e deu sumiço a um ser humano com aquele que, diante das circunstâncias do seu tempo, soube exercer seu direito à rebeldia.
A polêmica sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos ainda está longe do fim. O governo parece querer ganhar tempo, jogando a decisão final da controvérsia para mais adiante.
À sociedade civil interessa colocar tudo em pratos limpos, ampliando a denúncia e a pressão legítima para que a covardia não prevaleça.
Felizmente, as primeiras vozes já começam a se fazer ouvir. Aqui e aqui.

Dialética dos bons augúrios para 2010

Lista de preferências

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.

Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contíngentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro,
Meses, outubro.

Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.

Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.


Bertolt Brecht (1898-1956), poeta, escritor e dramaturgo alemão.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Alegria, alegria

O Natal da banca financeira brasileira nunca foi tão fabuloso. Se alguém duvida, que tal conhecer alguns números que explicam a eterna festança no andar de cima.

Nenhum passo atrás

A temperatura na cúpula militar chegou no nível máximo. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica ameaçam pedir demissão se o presidente Lula não determinar a revisão de trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, lançado oficialmente dia 23. Os ministros militares se insurgem, em especial e não por coincidência, contra o eixo norteador 6 (Direito à Memória e à Verdade), não admitindo que seja criada uma "Comissão da Verdade" para identificar o destino dos desaparecidos do regime militar e nem que se proíba a denominação de prédios, ruas, praças ou quaisquer outros logradouros públicos em homenagem aos que cometeram crimes durante a ditadura.
O presidente Lula, mais uma vez, vacila. Pressionado, ensaia uma tal "formula de conciliação", que no caso específico significa acatar a chantagem dos militares e do ministro da Defesa, Nelson Jobim.
Diante do impasse, o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), ameaça pedir o chapéu. Ele é um homem honrado. É é de honra exatamente do que se trata.

Vinhas da ira

Deve causar escândalo, mas não surpresa, que brasileiros sejam brutalmente expostos à violência no Suriname. Há muito que uma intensa e crescente leva migratória partindo sobretudo do Pará abastece a fornalha do garimpo ilegal no Suriname e na Guiana Francesa, face mais visível de uma tragédia que alcança muitas outras dimensões. O tráfico de seres humanos, meninas marajoaras em sua maioria, utiliza esses países fronteriços como corredor para a Europa. Lá, essas mulheres acabam como escravas sexuais, reféns das dívidas e, muitas vezes, da cruel ditadura das drogas.
Muito pouco tem sido feito para desarticular esse esquema criminoso, cuja elevada lucratividade deve também explicar o tratamento leniente que recebe por parte das ditas autoridades em ambos os lados da fronteira.
A verdade, então, é que a existência do garimpo ilegal na região de Albina, a 150 quilômetros da capital Paramaribo, sempre foi uma bomba prestes a explodir. E explodiu, da forma mais dramática e incontrolável, deixando atrás de si um rastro pavoroso de dor, sangue e destruição.
Apesar de tudo, em poucas semanas a "normalidade" será restaurada. Até o próximo desenlace, infelizmente.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Luzes de emergência

Há dias o Blogspot, hospedeiro deste espaço, entrou em curto-circuito global. Milhões de blogs fora do ar e absolutamente nada a fazer. Aliás, apenas uma coisa a fazer: esperar que tudo se normalize em breve e definitivamente.
Até lá, o Página Crítica funcionará no modo de emergência. Ou seja: de vez em quando, quando o cérebro da máquina que sustenta a operação de uma teia quase infinita, sabe-se lá onde localizado, segure as pontas da conexão.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Medalha de Ouro

Às vésperas de completar 51 anos de revolução, o povo cubano sabe que não conquistou o paraíso terrestre, mas tem muito o que comemorar. Extinguir o flagelo da desnutrição infantil severa, algo inédito na América Latina e no Caribe, pode parecer pouco para alguns. Mas não é. Não é mesmo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Recesso natalino

O Página Crítica retorna na segunda-feira, 28. Feliz Natal para todos e todas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Antiguidade é posto

Do quase ex-prefeiNegritoto Duciomar Costa falando de cátedra, ontem (21), na TV Liberal: "Tentaram tomar a prefeitura de assalto, mas não conseguiram".

Faltou, apenas, afixar no Palacete Azul, símbolo do poder político na capital paraense, um singelo e esclarecedor aviso: "Sessão lotada". Assim, incautos de várias índoles seriam mantidos à distância segura, sem quaisquer chances de turbar o alegre e nada discreto ataque ao patrimônio municipal que desde 2005 lá se realiza. Impunemente, pelo menos por enquanto.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Abismo entre intenção e gesto

A COP-15 foi um rotundo fracasso. Certo? Excetuando Barack Obama todos hão de concordar que a enorme montanha de Copenhague pariu uma esquálida ninhada de ratinhos.
Muito barulho por quase nada, dirão muitos. Mas para Lula não foi tão ruim assim. É unânime a avaliação de que ele se deu bem, muito bem, lustrando um pouco mais sua imagem de líder emergente.
Tudo seria uma maravilha se o que é vendido lá fora não fosse a antítese do que se pratica aqui dentro.
Na mesma semana em que seus negociadores atrapalhados, com Dilma no comando, davam cabeçadas no clima dinamarquês abaixo de zero, o governo Lula autorizava uma vergonhosa anistia de R$ 10 bi para os destruidores da floresta. Um escândalo dentro de um escândalo continuado.
Alguém duvida? Recomenda-se a leitura de um especial sobre o papel do BNDES no fortalecimento do modelo sociodevastador brasileiro. Aqui, no Brasil de Fato.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Dialética dos primeiros começos

O paraíso

Da leitura do Gênese se infere
que Adão, nosso primeiro pai
não usava toga ministerial ou acadêmica
manto de rei ou anel de bispo
não trazia tampouco jarreteiras ou barrete
nem gravata cinza para as reuniões do diretório
nem guarda-pó de físico nuclear
nem lapela para o distintivo do partido
nem uniforme de hippie ou de boêmio
e sua excentricidade era tão extrema
que tampouco queria usar calças;
acho que deveria reler o Gênese
pois as letras sagradas sempre ensinam algo

Sara Zapata Valeije, poetisa argentina. Folhetim, poemas traduzidos (Tradução de João Moura Jr, Folha de São Paulo, 1987, p.37).

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Nada de novo no front

Cenas de guerra em pleno centro da cidade. Pânico, medo e sangue. Muito sangue. O desfecho trágico - quatro mortos e vários feridos - serve para lembrar que Belém deixou há muito de ser um lugar seguro. Aqui, como nas principais cidades do país, qualquer um pode ser a próxima vítima.
A morte do cabo da PM e de assaltante que havia feito uma mulher como refém, na tarde sangrenta de ontem (17), engrossa uma estatística vergonhosa. Talvez jamais se apure de onde partiu o primeiro tiro que desencadeou a tragédia, muito embora as imagens exclusivas da TV Record insinuem a possibilidade de que tenha havido descontrole na ação policial, de resto muito difícil e delicada em razão da real ameaça à vida da refém em decorrência da negativa de rendição do assaltante, um jovem de apenas 19 anos.
Já a morte de dois outros acusados, nos momentos seguintes ao tiroteiro, guarda todas as características de uma vingança privada, como tem sido regra neste tipo de ocorrência. A versão de que houve tiroteio entre os policiais e os acusados, nas ruelas da Terra Firme, dificilmente poderá ser reconstituída com o mínimo de fidelidade. A cena do crime foi violada e as vítimas, possivelmente já sem vida, foram levadas como de costume ao Pronto Socorro, forma eficaz de impor o pretenso "auto de resistência".
Essa pedagogia que cobra seu preço em sangue só aprofunda a extensão e a profundidade da barbárie que a tudo e a todos engolfa.
Um dia definitivamente triste, maculado pelo signo da brutalidade, a sinalizar um cenário onde está cada vez mais difícil preservar inteiriço o tênue fio da esperança.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Profecia

Se a usina de Belo Monte se tornar realidade, deixando um rastro de destruição socioambiental em proporções gigantescas e irreversíveis, não terá sido por falta de aviso. Há mais de duas décadas que vozes se levantam contra essa aventura. Vozes com a autoridade decorrente de anos de pesquisa e de vivência entre as populações indígenas e ribeirinhas da região.
O pesquisador Oswaldo Sevá, livre-docente pela Universidade Estadual de Campinas, uma das mais respeitadas autoridades no país na área energética, é um entre tantos que jamais compactuaram com a "verdade" oficial que quer impor o desastroso aproveitamento hidrelétrico do Xingu, do qual Belo Monte será apenas o primeiro e desgraçado passo rumo à construção de, pelo menos, mais cinco barragens. Foi ele o organizador do execelente Tenotã-Mõ (Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, 2005, 92 páginas, com download gratuito aqui).
Agora, quando a pressão a favor da obra atinge seu nível máximo, nunca é demais ouvir os ensinamentos (e proféticas previsões) deste velho mestre, em uma série especial de artigos publicados pelo Correio da Cidadania.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O elo perdido

O governador tucano Aécio Neves cultiva a imagem de bom moço. E isso não é de agora. Mas, por essas ironias do destino, pode ser que tenha dado um pequeno (e grave) passo em falso quando se aproximou em demasia do (hoje) maldito governador José Roberto Arruda (DEM).
Sem poder se desdizer, o aspirante tucano ao Planalto resolveu se fechar em copas. Bico calado, nem um pio sequer diante do maior escândalo político dos últimos anos, foi a única e mais cômoda alternativa, enquanto torce para que a pressão sobre Arruda diminua e não apareça mais nenhum vídeo impróprio para maiores.
Só resta, então, rezar para que da Caixa de Pandora candanga não salte nenhum novo esqueleto capaz de revelar algo muito mais comprometedor que inocentes apertos de mãos e troca de amabilidades diante das câmeras (da imprensa, por favor).

Hasta la vista, baby

Uma foto, às vezes, vale por um milhão de palavras. Vale, sobretudo, quando pouco ou quase nada se tem a dizer. Ana Júlia (PT) e José Serra (PSDB), quem diria, têm muito mais em comum do que um observador ingênuo possa imaginar. Ambos precisaram disputar a chance de dividir o enquadramento nas objetivas dos repórteres fotográficos que cobrem o iminente naufrágio global em Copenhague, posando junto com o governador republicano da Califórnia e entusiasmado apoiador do clã Bush, Arnold Schwarzenegger.
O ex-ator e atual político conservador do estado mais rico dos Estados Unidos vem conseguindo operar com sucesso uma gigantesca operação de marketing ambiental. Para tanto, não lhe falta a ajuda de governantes dos países periféricos, ávidos por arrancar, de qualquer jeito, um lugarzinho ao sol nas primeiras páginas dos jornais de seus tropicais redutos.
Ana Júlia, por sinal, terá perdido uma boa oportunidade para ficar calada. Sugerir um intercâmbio em termos de projetos ambientais com o governo californiano soa quase como uma piada. Piada de péssimo gosto, of course.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A hora da verdade

A Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em Buenos Aires, foi um lager portenho. Campo de extermínio, central de atrocidades, onde foram assassinados milhares de prisioneiros políticos do último regime militar argentinho (1976-1983). Lá, entre gritos terríveis e torturas inomináveis, pontificou um jovem e brutal militar, o capitão Alfredo Astiz, conhecido pelas alcunhas "O corvo" ou "Anjo da morte". É ele e outros 18 acusados que desde a última sexta (11) estão sendo julgados por uma enorme quantidade de crimes cometidos naqueles anos de chumbo.
A Argentina, com todos os seus problemas políticos e institucionais, se agiganta quando tem a coragem de romper com este passado ignominioso.
Do lado de cá do Rio do Prata, para nossa vergonha, prevalece o comportamento pusilânime dos que preferem confraternizar com os algozes de ontem.
Ariel Palácios, correspondente do Estadão na capital argentina, conta essa história de horror, em detalhes. Uma leitura dolorosa e indispensável.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Inimigos íntimos

Almir Gabriel desembarcou. Depois de 21 anos, disse adeus ao PSDB, partido que ajudou a fundar e liderou, no Pará, com mão de ferro por duas décadas.

Sua saída, entretanto, não chegou a ser uma surpresa. Era irrespirável o clima entre ele e Simão Jatene, finalmente sagrado, com direito a alguma pompa e relativa circunstância, candidato da tucanada à sucessão de Ana Júlia (PT). Mais do mesmo, o convescote tucano deixou no ar uma sensação de déjà vu. Afinal, nada mais cafona que aquela profusão de balões e camisas de um amarelo escandaloso.

Só mesmo a carta de Almir, publicada no Diário do Pará de hoje, em mais um excelente furo da jornalista Rita Soares, para quebrar a pasmaceira em que se transformou a política paraense, cachorro que insiste em perseguir o próprio rabo. De tudo que disse, o ex-governador deixou no ar uma denúncia grave: o veto ao seu nome não teria partido apenas das lideranças locais do partido. Não, ele foi rejeitado por outras gentes, mais poderosas e muito bem-posicionadas. É o que se depreende da seguinte e (nada) enigmática frase: "Pressinto e lamento, principalmente, a rendição ao atual representante exibicionista do Bradesco na Companhia Vale do Rio Amargo, somada ao governo egocêntrico de São Paulo, "territorializando" a recolonização da gestão pública no Pará (...)".

Ponto. Mais claro impossível. Almir revela que dois grandes "eleitores", por trás de todos os panos, resolveram a parada na disputa entre os tucanos paraenses: Roger Agnelli, o poderoso chairman da Vale e o irritadiço José Serra, governador de São Paulo, ambos apresentados como autoridades neocoloniais a ditar suas vontades sobre um PSDB "dividido e agachado".

Mais não disse - e parece que não lhe foi perguntado. É uma pena. A história encoberta dessa rinha turbulenta deve possuir muitos outros lances que precisariam ser de conhecimento público. Até porque, no final das contas, será o dinheiro público que sustentará o brilho de mais esta ópera bufa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Crer? Só vendo

Roberto Messias, presidente do Ibama, repete ao Estadão de hoje a promessa de que o licenciamento de Belo Monte não sairá a qualquer custo. Nem pode estabelecer prazos, diz ele, já que está diante do mais difícil e complexo projeto de toda sua vida.
Dá pra acreditar nessas supostas boas intenções? Até que ponto não se trata apenas de uma manobra diversionista, para ganhar um pouco de tempo enquanto a pressão social - aqui e lá fora - arrefece um pouco?
Num belo dia qualquer, podem esperar, virá o prato feito: a concessão da licença prévia para que se faça o leilão bilionário e em poucos meses as máquinas já estarão abrindo uma ferida na floresta.
Que ninguém se engane: tudo será devidamente rebuscado com um conjunto de medidas mitigadoras, o que na prática significa algo semelhante a tratar fratura exposta com algumas doses de aspirina.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Pax tucana

Bicos esfolados, asas dilaceradas e sangrando, um gosto de fel na boca de uns e de outros. Apesar desse inventário de perdas e danos, a foto estampada nos jornais da terra hoje - pelo menos ela - revela uma unidade duramente conquistada entre os senhores da guerra - shoguns caboclos - que dividem o comando da cambaleante nau do PSDB no Pará.
Só mesmo um governo desastroso como o de Ana Júlia poderia ter sido capaz de ressuscitar - pelo menos como ameaça - o retorno dessa turma em 2010.
Essa perspectiva - vade retro! - deve ser vista como prenúncio de tempos ainda mais sombrios para um estado já tão massacrado.
Como todo vaticínio, pode ser esconjurado. Quem se habilita?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Bolsa Devastação

Que tal um presente de Natal de R$ 10 bi, ou o equivalente a um ano de Bolsa Família?
O pior é que não é nada de inédito: todos os anos os ruralistas - sempre eles - esperam por seu agrado de final de ano. Pode ser que na gigantesca meia - ops - que penduram nas cercas de suas propriedades apareça um reescalonamento de suas bilionárias dívidas com os bancos oficiais. Ou, como agora, recebam o regalo de continuar impunes aos crimes previstos no desmoralizado Código Florestal.
Como este espaço adiantou há mais de um mês, Lula já havia dado sinais de que se vergaria, mais uma vez, a essa pressão espúria. Ao premiar quem absolutamente não merece, o governo está sinalizando para a continuidade do modelo devastador. E não tem nem o pejo de esperar o fim da aparentemente inútil Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em Copenhague.
Fica a piada de péssimo gosto. Como prometer uma redução de 1/3 nas emissões de carbono até 2020 estimulando as forças que promovem o corte raso da floresta para fazer avançar a fronteira da agropecuária?
Lula não deixa margem a qualquer dúvida. Ele escolheu um lado - o lado errado, diga-se - e essa escolha ocorreu há bastante tempo, no exato momento em que um legítimo filho do Brasil resolveu passar de mala e cuia para o time adversário.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Dialética como exercício do direito à diferença

"A proteção inútil

(...)
Não adianta falarem comigo no tom que se usa com as crianças, eu olho para o infinito onde há contudo uma andorinha esperando para afiar suas tesouras em meu pescoço. Os vereadores locais chegaram a votar verbas para a minha proteção, o pessoal se preocupa comigo.

Obrigado, senhoras e senhores, eu gostaria de retribuir tanta gentileza com ternura e civilidade; infelizmente vocês estarão sempre aí e isto é despenhadeiro abrupto, máquina de moer sombra, insuportável exagero de uma bondade armada com garras de coral. Cada vez me parece mais penoso complicar a existência alheia, mas já não resta nenhuma ilha deserta, nenhum arvoredo infame, nem sequer um curralzinho para me trancar nele e, dali, olhar os outros sob a luz da aliança. Terei eu culpa, oh, terra povoada de espinhos, de ser um unicórnio?".


Julio Cortázar. Último round (Civilização Brasileira, tomo I, 2008, p.21).


Quanto maior, maior o tombo

Adhemar Palocci, irmão do ex-czar da economia lulista, Antonio Palocci, caiu na rede da PF durante as investigações da Operação Castelo de Areia. Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo de hoje, Adhemar, que exerce a estratégica diretoria de engenharia da Eletronorte, seria figura chave na montagem de um propinoduto que interligou os cofres da Camargo Correa, empreiteira responsável pela interminável (e cada vez mais dispendiosa) construção das eclusas de Tucuruí, no Pará.
Quem conhece minimamente os corredores do alto circuito de obras públicas no Brasil não deve estar nenhum pouco surpreso com a descoberta. Estranho, muito estranho mesmo, seria o justamente o contrário.

O náufrago

O último que sair do governo Arruda, por favor, não esqueça de apagar a luz.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Dia do espanto

A cassação do prefeito Duciomar Costa (PTB) por abuso do poder econômico nas eleições de 2008, por meio de fundamentada sentença do juiz Sérgio Andrade Lima, da 98ª Zona Eleitoral de Belém. trouxe um sopro de ar na modorrenta cena política da capítal paraense.
Naquelas horas de tensão máxima, foi quase possível ouvir o desespero e o ranger de dentes lá pelas bandas do Palacete Azul. Devem ter corrido feito loucos para triturar papéis diversos, planilhas de recebimento e de pagamento, agendas, laptops e outras coisitas mais.
Porém, a disputa jurídica que se abriu vai dar uma bela dor de cabeça para o capo do PTB e tirar um certo ar de empáfia de sua matilha de apoiadores, mas dificilmente provocará a queda definitiva do prefeito, cujos advogados se apressam em busca de algum remédio jurídico de emergência.
Seja como for, por mais precária e ligeira que possa ser a retirada da atual turma que assaltou o poder no município, que se transforme pelo menos em uma janela para revelar a interminável lista de delitos que se comete ali desde 1º de janeiro de 2005. Até ontem, aliás, impunemente.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pausa forçada

Compromissos profissionais afastam nos próximos dias o editor destas páginas de sua base, no Pará.
Postagens e comentários retornam somente na próxima segunda-feira, 7.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

As águas, que ninguém duvide, vão rolar

Foi-se, sem maiores lamentações, a cúpula do setor de licenciamento ambiental do IBAMA, em Brasília. O pedido de demissão de dois técnicos, ambos responsáveis pela análise do licenciamento da polêmica obra da usina de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu paraense, é mais um episódio da guerra surda (e suja) que se trava nos bastidores do poder federal. A ordem de cima para arrancar, a qualquer custo, a licença prévia para viabilizar o leilão bilionário, talvez não seja interrompida. Quem sabe, seja até acelerada.
A mácula de coisa malfeita, porém, já está definitivamente impressa na testa dos defensores de Belo Monte, símbolo maior do garrote neocolonial que ameaça de morte os povos desta sangrada Amazônia.

A cada um o seu quinhão

Chamar o mega-escândalo de corrupção montado pelo consórcio criminoso de José Roberto Arruda (DEM), no Distrito Federal, de simples "mensalinho", como faz parte da grande mídia, é uma agressão à inteligência de qualquer um.
As palavras, como todos sabem, não são inocentes. Carregam, em seu seio, múltiplas significações e cumprem fielmente a ordem de seus senhores.
Demos, tucanos e congêneres bem sabem que a chapa nunca esteve tão quente sobre os seus delicados pés. Perderam - se algum dia já tiveram - a legitimidade de criticar as falcatruas de Lula e do PT, pelo simples motivo de partilharem, desde sempre, dos mesmos métodos de saque aos cofres públicos, regra de ferro que explica - entre outros muitos fatores - que vivamos num país onde tudo muda para permanecer exatamente do mesmo (e insuportável) jeito.

Conversas em torno do mesmo pelourinho

Um juiz de direito envolvido com a prática odiosa do trabalho escravo. Punição certa?
Menos, muito menos. O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) achou melhor passar a mão pela cabeça do magistrado. Afinal, os 25 trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravo, dentro da fazenda do juiz Marcelo Baldochi, eram todos pobres, muito pobres. Para eles, a Justiça sempre olhará com aquela mesma desconfiança que a Casa Grande nutria pelos cantos de dor e de raiva que ecoavam das insalubres senzalas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Irmão Sol. Irmã Lua

Democratas e tucanos, de mãos dadas, organizaram o saque aos cofres de Brasília. Este é o fato.
A cada versão, com novos desmentidos de pé quebrado, vai ficando mais feio, mais insustentável.

Mórbida semelhança

Propina em escala industrial. Comissões sobre (quase) todos os contratos de obras e serviços. Ampla e irrestrita patifaria envolvendo os cabeças do governo e sua operosa base parlamentar, vendilhões no altar da mais acabada política de resultados (altíssimos e sonantes, diga-se).
Se alguém pensa que a definição acima aplica-se apenas ao putrefato governo de José Roberto Arruda (DEM), o grão-corrupto do Distrito Federal, é porque nunca deu uma volta lá pelas banda da Praça Dom Pedro II, na ilharga do Palacete Azul.

Patio trasero

A diplomacia das canhoneiras está de volta. Mas, dessa vez, vem revestida de uma sutileza desconcertante. A invasão dos marines caiu em desuso; hoje, as fronteiras já não conseguem deter o fluxo alucinante dos dólares que a tudo dominam. Já os golpes militares sangrentos - as quarteladas que infernizaram a América Latina por décadas - nunca saem de moda. Apenas recebem uma nova e vistosa vestimenta.
Honduras foi um perigoso laboratório. Se o governo de Porfirio Lobo, nascido de uma eleição ilegítima e realizada sob o manto do arbítrio, conquistar amplo reconhecimento internacional, a partir da bênção que obteve dos patrones da Casa Branca, estará aberto o caminho. E ninguém estará protegido contra essa eventual onda de exportação de democracia made in USA.