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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
Tranca em porta arrombada
No centro da polêmica, até agora, a ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), o ministro Altemir Gregolin (Pesca) e o ministro Orlando Silva (Esportes), todos flagrados em despesas de difícil justificativa pela ótica do interesse público, como a aquisição de produtos em free Shop e pagamento de contas em restaurantes.
Resta saber se as medidas serão suficientes para estancar o desgaste que o tema tem produzido e cujo potencial de ampliação pode ser ainda maior se novas denúncias vierem à tona nas próximas semanas.
Passaporte carimbado
Apesar dos desmentidos protocolares, a decisão de Mário abandonar a disputa estaria muito perto de ser anunciada. Se isso se confirmar, não significa que o caminho está livre para as pretensões da deputada Regina Barata, por enquanto a única outra pré-candidata que postula a indicação do partido. Sob sigilo - relativo, é claro - outras possibilidades estão sendo pacientemente articuladas, garantem fontes com amplo acesso à cúpula petista paroara.
Corte-cola
Esse tipo de serviço está longe de ser gratuito. A remuneração é garantida pelas salgadas taxas de inscrição, multiplicadas por milhares e milhares de concorrentes, como é o caso do gigantesco concurso da Seduc. O mínimo que se exige é que o processo seletivo seja cercado de todas as garantias e completa lisura. Infelizmente, o caminho pode estar aberto para novas denúncias e questionamentos.
A propósito, a escolha do Cefet - através de sua fundação de pesquisa, praticamente sem experiência no ramo de concursos públicos - não teria sido influenciada pela presença entre seus dirigentes do professor Edson Ari, irmão da muito bem relacionada Edilza Fontes, atual coordenadora da participação social do governo Ana Julia.
Sob a pata do boi
Vitaminada com o acesso a crédito fácil e, agora, pela elevação dos preços internacionais da carne e da soja (que ocupa áreas de pasto e obriga o avanço sobre a floresta), a pecuária força a expansão da fronteira agrícola. Simples assim, leis de um mercado que não reconhece apelos preservacionistas despidos de força coercitiva e de um modelo alternativo de desenvolvimento.
Por falar em modelo alternativo, está brilhando pelo mais eloqüente silêncio a governadora Ana Julia diante da mais recente crise do desmatamento. Até agora, nem uma palavra e nem um gesto concreto que mobilize o Estado para deter a barbárie.
Durepox
Agora, o processo sobe em grau de recurso para o STJ, em Brasilia.
O olhômetro e a destruição sem culpados
Foi o próprio presidente Lula que se encarregou de bater em retirada, verbalizando as suspeitas “técnicas” dos sojeiros – Maggi à frente – e determinando que um grupo de ministros fosse sobrevoar as áreas desmatadas. É o olhômetro substituindo a medição feita pelas poderosas lentes dos satélites.
De quebra, Lula ainda se deu ao trabalho de fazer – pela enésima vez – uma defesa entusiasmada do agronegócio – “não se pode culpar a soja, o milho, o gado, o feijão, os sem-terra pelo desmatamento”, disse ele. E as ONGs, bem, que vão plantar árvores em seus países de origem, que ninguém segura esse país e seus planos fantásticos de crescimento (a todo custo, faltou complementar).
Não se sabe por quanto tempo o governo federal ainda se equilibrará no tênue fio de um discurso contraditório e desconexo. Na terra dos sem-culpados o ronco das motosserras enfurecidas nunca esteve tão forte.
Ataque cirúrgico
A política de comunicação do governo federal – contrariando os que ainda deliram diante das promessas de “democratização da mídia”- segue seu caminho, centrada na imposição de férreo controle sobre as poucas estações alternativas que ainda sobrevivem. É uma repressão seletiva, com objetivos políticos claramente estabelecidos. Calar a esquerda, isso é o que importa.
Entrementes, as outorgas de novas freqüências continuam a animar o balcão de negócios em um Ministério das Comunicações sob o controle do PMDB desde tempos imemoriais. Aos amigos da realeza, tudo. As concessões para rádios e TVs engrossam os bornais de uma trupe de malfeitores, alguns com assento na Câmara Federal. Comércio lucrativo capaz de erguer, em poucos anos, alguns impérios voltados para a prática da extorsão e do mais degradado estilo de mau jornalismo.
Fazer a tal reforma agrária nas ondas do ar é questão vital para continuar se almejando uma democracia no país. Antes que a força bruta tenha conseguido se impor de forma definitiva e estenda seu manto de silêncio.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
Neverland
Corporação protetora
Uma floresta de dúvidas
Com o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado, a Cosipar espera que a Vale retome o fornecimento de minério que está suspenso desde outubro do ano passado, que levou a uma queda de até 30% de sua produção anual de 500 mil toneladas de ferro-gusa.
Teme-se o risco do prometido "reflorestamento com espécies nativas" virar monocultivo ou plantações homogêneas, como o eucalipto, que a empresa alega possuir um viveiro com mais de 7 milhões de mudas. Um negócio da China, na esteira de um belo jogo de faz-de-conta?
Dialética da notícia-espetáculo
Pierre Bourdieu (Sobre a Televisão).
Papéis trocados
Pois bem. Que tal a notícia, furado pela Globo desta semana, dando conta da ida do presidente Lula (acompanhado do governador do Rio, Sérgio Cabral) ao apartamento do chairman da Vale, Roger Agnelli, no elegante bairro de Ipanema, para participar de um jantar de "cortesia". Diante de olhares assustados com o ineditismo da cena, Lula se apressou em esclarecer que "não trataria" da rumorosa (e polêmica) aquisição pela Vale, por um valor que pode chegar a U$ 100 bilhões, da gigante anglo-suíça Xstrata. Com a pretendida aquisição, cujas negociações seguem a todo vapor, a Vale poderá se tornar na maior mineradora do mundo.
O que causa estranheza, pelo menos para os que desconhecem que a Vale, há muito, se transformou no "Estado dentro do Estado", é que o governo não tem feito segredo de sua contrariedade diante da megaaquisição. Segundo fontes credenciadas, o Palácio do Planalto tem que tenhamos a repetição do "efeito Ambev", ou seja, a transferência do "poder decisório" para fora do país. Ingenuidade ou má-fé?
Desde a privatização (privataria, esse neologismo horrendo que o reinado tucano nos legou), o "poder decisório" da Vale já está fora de nossas fronteiras. Anotem aí: os investidores estrangeiros controlam 42,48% do capital votante (antes de 1997, detinham apenas 11%). Tudo isso torna mais ridícula (ou eloquentemente emblemática) a troca de gentilezas entre quem se supunha ser a maior autoridade do país e o executivo de uma multinacional (cada vez menos verde e amarela).
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Ranking macabro
Quem conhece os estreitos laços que aproximam toda sorte de atividades ilegais (extração ilegal de madeira, grilagem, roubo de cargas, etc.) com as estruturas da corrompida política daquele município, não se assustam com a manutenção de Tailândia em posição tão vergonhosa (já integrou a listagem dos 10 mais violentos numa prévia da pesquisa divulgada no ano passado, com dados até 2004).
Não será mera coincidência que após a prisão, no final do ano passado, de um grupo de extermínio que tinha como cabeça um vereador da base do atual prefeito, Paulo Jaster (PSDB), o notório Macarrão, as estatísticas de assassinatos em Tailândia tenham caído vertigionosamente. Causa e efeito, para demonstrar que é possível - e indispensável - combater de forma eficaz e imediata o crime organizado que há muito se apossou do destino dessa importante região do Pará.
A força bruta e seus velhos argumentos
Há muito a municipalidade tenta impor a "ordem" no espaço público, disciplinando o comércio e demais manifestações em vias públicas. O Código de Posturas aprovado pela Câmara Municipal e executado pelo governo da Província do Grão-Pará, em 1831, estabelecia em seu artigo 3o a "proibição de exercer alguém o comércio de - fazenda, gêneros secos, comestíveis, molhados ou outros quaisquer objetos - sem a licença da Câmara" (Ernesto Cruz, História de Belém, 1973). Da mesma forma, durante a Colônia e o Império era enorme a preocupação com as atividades "ilícitas" de escravos e libertos, que "vagabundeavam" pelas ruas em busca da sobrevivência.
O drama social da pobreza emerge de qualquer forma, desconhecendo os códigos e outras regras voltadas à "higienização social". Por que seria diferente com os milhares de ambulantes - cerca de 10 mil segundo o Dieese - que ocupam - de forma desorganizada e anárquica - praticamente todas as ruas e calçadas da capital paraense? "Escravos de ganho" do século XXI, a eles e somente a eles, cobra-se o rigor da lei. Nada original, portanto.
A vitória pontual do governo Duciomar pode ser apenas um episódio. Coberta pelo "consenso social" em favor das medidas de desopupação da avenida, talvez dê até uma pequena sobrevida a uma gestão marcada pela completa ausência de realizações dignas de nota. Mas, que ninguém se engane, Belém e sua população majoritariamente excluída e sem emprego formal possui uma sensibilidade toda particular diante do trabalho nas vias públicas. Uma espécie de solidariedade entre os despossuídos - silenciosa a princípio - que cobrará seu preço no tempo certo.
Dialética da palavra desmedida
Carlos Nejar (Caderno de Fogo).
Em nome do Pai
Pelo menos 28 fiéis da Igreja Universal acionaram a Justiça propondo ações indenizatórias contra o jornal paulista, alegando que se sentiram ofendidos pelo teor da matéria.
Na última quinta-feira (24), saiu a primeira sentença favorável à Folha, determinada pelo juiz Alessandro Leite Pereira, de Bataguassu (MS), condenando o autor da ação – um tal Carlos Alberto Lima, à pena de litigância de má fé. Da decisão, ainda cabe recurso.
A batalha jurídica está apenas começando, mas pode ser um excelente instrumento para lançar luz sobre as atividades mais que suspeitas que a multinacional da fé do bispo Edir Macedo vem praticando, com total impunidade, há mais de 30 anos.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
A volta dos que não foram
Tudo como dantes, a Mesa permanece como uma das principais trincheiras de oposição ao prefeito Duciomar Costa (PTB), grande interessado e incentivador semi-oculto do imbroglio que se arrasta há meses, sem solução definitiva à vista.
Chacina à mineira
Os irmãos Mânica, um dos quais prefeito de Unaí, denunciados como contratantes dos pistoleiros - estes, presos - têm poder suficiente para levar o caso aos tribunais superiores, arregimentando um exército de advogados que exploram cada uma das muitas brechas que a lei reserva aos endinheirados.
O crime, que provocou grande comoção, foi decisivo para que a Câmara dos Deputados, em 2004, aprovasse em primeiro turno, a Proposta de Emenda de Emenda Constitucional (PEC) 438, que estabelece o confisco das fazendas onde for flagrado trabalho escravo. Desde então, com o aumento de musculatura da bancada ruralista, a emenda está sob embargo de gaveta.
Hoje é dia não só de lembrar a memória de servidores federais que morreram combatendo a degradação do trabalho. É dia também de lutar contra a impunidade.
Classificados do crime
Uma notícia, porém, perdida nas entrelinhas do noticiário encharcado de tragédias, pode ter passado despercebida. É cada vez maior o número de assaltos praticados com armas e munições de aluguel. Emblema da pobreza da periferia, o aluguel de armas de fogo para a prática de crimes virou um comércio lucrativo. Investigá-lo pode conduzir a outros elos que se beneficiam - e, muitas vezes, controlam - o varejo de assaltos e furtos na cidade. Está no mesmo nível e integra a rede de receptadores e traficantes de drogas, verdadeiros "patrões" da legião de jovens que engrossa as estatísticas policiais e reforça o pânico que se alastra de forma incontrolável.
Algum choro, nenhuma vela
O que se viu depois foi a generalização do uso da máquina pública para assegurar a reeleição, no cargo, de governantes - presidente, governadores, prefeitos -, que, na prática, trabalham com mandatos de oito anos. A tal da isonomia na disputa foi para o espaço. Já era ficção jurídica, distorcida pelo abuso do poder econômico, tornou-se uma aberração completa.
Enquanto se aguarda uma reforma política que não chega nunca, a reeleição vai se mantendo. Sua sobrevivência responde aos interesses dos inquilinos do poder, não importando muito sob que legenda se abrigam.
Financiamento público, mandatos revogáveis, mandatos de cinco anos sem reeleição, democratização do acesso à mídia eletrônica, permanecem como pontos de uma agenda perdida, mas, paradoxalmente, essencial para dar algum alento democrático ao sistema político brasileiro.
Fundo Constitucional da Destruição
Uma série de matérias da Folha de São Paulo, assinadas pelo repórter Rodrigo Vargas, faz a radiografia da barbárie em terras do extremo norte do Mato Grosso. Alta Floresta e Paranaíta, epicentro da derrubada da floresta, revelam também a ausência total ou, na melhor das hipóteses, a presença insuficiente dos agentes públicos. Por exemplo, o Ibama tem na região apenas três fiscais (o mínimo seria 50 para uma área de 13 municípios, 92 mil Km2) e nenhum de seus automóveis estavam funcionando. Faz de conta que fiscaliza enquanto a motosserra avança, enlouquecida. Um passo mais acima e poderiam focalizar o mesmo quadro em território paraense. Irmãos na tragédia, Pará e Mato Grosso vão ficando cada vez mais parecidos. Lá, sem muito esforço, pode-se antecipar o futuro que nos espera, se o império do agronegócio continuar avançando sem quaisquer empecilhos.
domingo, 27 de janeiro de 2008
Para os que acreditam em duendes
Essa crença infantil é que explicaria a súbita valorização da vaga de vice numa eventual chapa de Duciomar, movimento especulativo que, nas últimas semanas, tem movimentado de petistas a demos, passando por tucanos e peemedebistas, além de outros espécimes da fauna política local.
Só quem não tem a menor idéia do que acontece no mundo político e empresarial do Pará seria capaz de acreditar em semelhante asneira. E o mais incrível é que a fila de incautos não pára de crescer.
100 metros rasos
Sua cadeira - um dos menores órgãos estaduais, mas nem por isso menos cobiçado - já é carta no baralho de intensas negociações por espaços de governo - cargos e verbas, traduzindo para o português claro - que animam as intermináveis rodadas de negociações entre as diversas facções do partido da governadora Ana Júlia.
Perigo voador
O Ministério da Saúde há muito acompanha – com preocupação, mas de forma excessivamente discreta – a evolução dos números que desenham um cenário desolador: o país poderá sofrer, nos meses de verão, uma grande e letal epidemia, que exporá a falência dos sistemas de controle e prevenção da doença em praticamente todas as regiões.
De janeiro a novembro de 2007, o informe epidemiológico sobre a dengue, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), órgão do próprio Ministério da Saúde responsável pelo controle de epidemias, foram registrados 536.519 casos suspeitos de dengue, resultando em 136 mortes por dengue hemorrágica, com a confirmação de 1.275 casos da doença em sua apresentação mais grave. Ensaio geral para o desastre sanitário que está por vir.
O Pará – como sempre – tende a ocupar as manchetes pela porta dos fundos. Aqui, sobretudo na região metropolitana e no Araguaia-Tocantins, tudo leva a crer que o Aedes aegypti fará estragos consideráveis. As mortes registradas em Redenção neste início de ano só prenunciam o quanto a dengue hemorrágica pode se expandir.
Prepara-se a repetição da surrada guerra de palavras, opondo autoridades que têm em comum apenas o fato de todas – sem exceção – serem responsáveis pela má gestão de recursos públicos destinados ao combate à doença.
Na Sespa, pelo que até a grande imprensa a vazar, ainda a conta gotas, o que polariza as atenções não é exatamente a saúde da população, mas a preservação de usos e costumes consagrados pela argúcia e esperteza de uns poucos. Reclamar ao bispo?
Dialética das conexões possíveis
Alberto Dines (Vínculos do Fogo)
Uma fresta no muro
Aliás, comenta-se que o simples registro nos jornais acerca do achado macabro de corpos desovados na periferia - tema recorrente a cada final de semana - funcionava como uma espécie de prova dos serviços executados pela escuderia de criminosos. De posse da matéria jornalística, podiam comprar a fatura do interessado.
Levantou-se, até agora, uma ponta insignificante do enorme tapete que encobre a sujeira acumulada em um bom período de atuação desses celerados. Suas ligações, influências, proteções e (maus) propósitos ainda permanecem em segredo. Não tão profundo que não possa emergir diante de uma investigação verdadeiramente voltada a extirpar o cancro do crime organizado.
sábado, 26 de janeiro de 2008
De vilões e carapuças
A carapuça serviu perfeitamente para os pecuaristas e agronegocistas paraenses, representados pela Faepa. Eles são mesmo os principais vilões do desmatamento no Estado, cujo intenso crescimento nos últimos meses acendeu o sinal de alerta das autoridades federais.
Pode espernear à vontade, mas não dá para negar que 99% - incrível - dos desmatamentos no Pará são completamente ilegais, segundo declarou à imprensa o secretário de Estado de Meio Ambiente, Valmir Ortega. A expansão da pecuária, a exploração irregular de madeira e o uso de floresta nativa para a produção de carvão vegetal (que vai compor a cadeia produtiva do ferro gusa, por exemplo), são as atividades que mais contribuem para o aprofundamento do quadro de degradação socioambiental.
Diante da constatação, aguarda-se para as próximas semanas, com redobrada expectativa, a efetivação prática das medidas de embargo decretadas pelo governo federal. Os 12 municípios paraenses incluídos na lista suja do desmatamento - 36 municípios que são responsáveis por mais de 50% do desmatamento da Amazônia - já foram cenários de outras operações pontuais dos órgãos fiscalizadores, com escassos resultados práticos.
Que não se repita como farsa, é o que se espera.
A cobra vai fumar
Tratar a questão como simples caso de polícia - e há sempre vozes clamando por uma Blitzkrieg - pode ser o caminho mais curto para o prolongamento indefinido do impasse.
Aeródromo bovino
Entendidos no assunto garantem: uma manada está prestes a alçar vôo.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Dialética do distanciamento necessário
Albert Camus (Núpcias, o Verão)
Passaporte para o inferno
Rita nasceu negra. A marca da exploração e do preconceito impressa na pele. Para sempre e desde cedo submetida à pedagogia da exclusão.
Rita resolveu lutar. Bateu com a cara em seguidas portas - fechadas, impenetráveis. Foi batendo em um teto, cada vez mais baixo e sufocante. Beco sem saída?
Rita ousou não desistir e encontrar um caminho, nem que fosse um atalho. Um caminho mais curto para a conquista de um padrão de vida menos indigno, onde as privações dessem lugar ao prazer de comprar, consumir. Ter para ser, como nos sonhos de propaganda.
Rita pulou - de corpo e alma - através da única janela de oportunidades que lhe ofereceram: "fazer a vida" no Suriname, receber em dólar, passar uns tempos e retornar com dinheiro suficiente para dizer um basta à pobreza. Não foi a primeira jovem paraense a enveredar por esse tortuoso caminho. Não será a última a perceber que, sob fantasiosos invólucros, estava entrando como mercadoria no lucrativo mercado de carne humana.
Rita atravessou a fronteira e conheceu o pesadelo. Foi levada para os insalubres garimpos no interior do Suriname, onde impera a lei da selva. Lá são inúmeras as garotas brasileiras - paraenses em sua maioria - que se tornam escravas sexuais, peças de uma cruel engrenagem criminosa, este sim um negócio lucrativo e em plena expansão.
Rita está, há semanas, desaparecida. A família que mora em Icoaraci, distrito de Belém, recebeu um telefonema do Suriname no qual uma mulher denuncia o assassinato de brasileiros, inclusive de mulheres que se prostituíam nos garimpos. Posteriormente, outro telefonema e uma voz que se identificou como Rita para dizer que estava viva, mas que não poderia dar mais detalhes por estar em plena selva e as comunicações por satélite serem precárias.
Aterrorizada, e sem acreditar completamente na segunda ligação, sua mãe clama por ajuda e teme pela vida da filha, que, na melhor das hipóteses, pode ser refém de algum cafetão, homem que gerencia e garante a lucratividade - a ferro e fogo - para as redes de exploração sexual que disseminam seus tentáculos dos dois lados da fronteira.
Rita carimbou seu passaporte diretamente para o inferno. Seu caso não pode cair no esquecimento.
As autoridades brasileiras podem agir no Suriname e exigir respeito aos direitos de cidadãos de nosso país, pouco importando se lá ingressaram legal ou clandestinamente.
No Pará, mais especificamente na capital, não chega a ser um mistério insondável a forma como agem os aliciadores de mulheres que alimentam as casas de prostituição no exterior. Por exemplo, em Icoaraci há uma mulher bastante conhecida que se dedica a seduzir jovens com promessas de ganhos fáceis para, em seguida, levá-las através do Amapá até o Suriname. Apesar de criminosa, sua ação parece ser tolerada pela polícia e por outros agentes da lei, com os quais possui estreito relacionamento.
Se não for desbaratada definitivamente esse esquema de proteção ao crime e de despudorada impunidade, o número de vítimas – fatais, inclusive- , só tende a aumentar.
Rita tem um sonho e, talvez, possa ainda ser salva. Quem se habilita?
Plantão Médico
Alpiste envenenado
Entrementes, na capital, outras aves (de rapina, é claro) não se cansam de construir, freneticamente, vistosos e milionários ninhos.
Se os promotores estaduais tiveram visão para enxergar as falcatruas de um pássaro tão pequeno como o Curió, há centenas de quilômetros, o que estaria faltando para que suas lentes possam também focalizar o que está ocorrendo a poucos passos de distância?
30 bilhões de argumentos
Assim é que fica mesmo muito difícil tocar projetos de cunho popular como a revisão dos índices de produtividade da terra ou aprovar, em segundo turno, a PEC 438, que confisca as fazendas onde há trabalho escravo. São velas incompatíveis e não é possível acendê-las simultaneamente no altar dedicado a apetites tão forazes.
Directorium Inquisitorum
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
É para valer?
O governo federal acaba de anunciar o embargo da atividade madeireira em 36 municípios apontados como campeões do desmatamento na Amazônia. Segundo a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), até que os proprietários rurais comprovem a regularidade fundiária de suas propriedades a extração de madeira ficará sob embargo. É aí que mora o perigo. Pela relação dos municípios paraenses incluídos no index, fica a sensação de que, se for para valer, é bom que a força-tarefa de Brasília venha preparada com armas e bagagens (não necessariamente nesta ordem).
Veja os municípios do Pará na lista suja do desmatamento:
1) Altamira
2) Brasil Novo
3) Cumaru do Norte
4) Dom Eliseu
5) Novo Progresso
6) Novo Repartimento
7) Paragominas
8) Rondon do Pará
9) Santa Maria das Barreiras
10)Santana do Araguaia
11) São Félix do Xingu
12) Ulianópolis
Um massacre que não termina
Em meio à desconfiança expressa pelos trabalhadores rurais - cansados de promessas não-atendidas - o governo decidiu formar uma "nova comissão para o atendimento das vítimas", sem se comprometer com prazos, o que não deixa de ser uma sinalização de distância entre intenção e gesto.
Polígrafo enferrujado
George W. Bush e seus principais assessores deram, em apenas dois anos, 935 declarações falsas sobre a Guerra do Iraque, afirma um estudo realizado por ONGs independentes estadunidenses. Números grandiloquentes, sem dúvida.
Teriam igual (ou maior trabalho) quem se dispusesse a fazer semelhante pesquisa no Brasil, submetendo ao crivo de um detector de mentiras as declarações de nossas mais bem situadas autoridades, cujo apego à verdade (e à coerência) não deixa nada a desejar frente a seus colegas da Casa Branca.
Sigam o dinheiro
As causas da aceleração podem ser facilmente detectadas, sem ser necessário muito empenho investigativo. Basta consultar a cotação internacional do gado e da soja, nas Bolsas de mercadorias, para se identificar o vilão de sempre: commodittes em alta, floresta no chão. Leis do mercado, ora direis.
Enquanto a mata arde, o Pará reassume a liderança no ranking da destruição socioambiental. O Imazon, cuja respeitabilidade não deixa dúvidas, afirma que o avanço da motossera em terras paraenses tem sido implacável, superando o Mato Grosso, até então o paraíso dos sojeiros e pecuaristas. Dados de novembro (em relação a outubro) revelam um incremento de 300% no volume de floresta derrubada, demonstrando que o agronegócio não está brincando em serviço.
O que esperar da reunião de "emergência" dos ministros de Lula? Nada além de declarações de boas intenções, num jogo de cena para inglês ver. Lá fora, os termômetros apontam para um incontrolável - nos marcos do atual modelo agroexportador - processo de aniquilamento de um patrimônio que a natureza demorou incontáveis séculos para construir.
Alçapão via satélite
Com o auxílio da denúncia veiculada pelo Linha Direta, da Globo, a polícia do Maranhão conseguiu prender o foragido, que é ex-Policial Militar e estava condenado a 50 anos de reclusão.
Foi também uma matéria do Linha Direta que ajudou a prender, em Boston, Estados Unidos, José Serafim Sales, o "Barreirito", executor do sindicalista e poeta popular Expedito Ribeiro de Souza, outra execução que marcou, nos anos 90, a fronteira de sangrentos conflitos no Araguaia-Tocantins. Hoje, o pistoleiro cumpre a pena de 25 anos de prisão em uma penitenciária do Pará.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) alerta para o fato de que continuam livres outros assassinos de trabalhadores rurais da região. Entre eles, Vantuir Gonçalves de Paula, fazendeiro que ordenou o fuzilamento de João Canuto. Em Gurupi, Estado do Tocantins, estaria refugiado outro pistoleiro, Edson Matos dos Santos, apontado como participante da chacina dos irmãos Canuto.
É a roda da impunidade que estimula a ocorrência de novas tragédias mais que anunciadas.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
Dialética de uma beleza quase perdida
Spix e Martius (Viagem ao Brasil: 1817-1820)
Medelin
Os motivos do assassinato permanecem obscuros. Alguns falam em cobrança de dívidas de agiotagem. Se a polícia quiser, pode começar a investigar as atividades que Mazine desenvolvia em Outeiro, onde era proprietário da Couronorte, curtume envolvido em seguidas denúncias de crimes ambientais. Talvez encontre alguma prova de que, entre as matérias-primas utilizadas, não haveria apenas couro, mas outras substâncias bem mais valiosas.
Querubim desmemoriado
Para justificar seu milionário patrimônio - frota da veículos, apartamentos de luxo em Belém e Fortaleza, salas comerciais - o auditor repetiu a incrível história de uma herança paterna de R$ 5 milhões, multiplicada por suas conhecidas habilidades no mundo dos negócios.
Está bem contado na acirrada disputa pelo troféu "Cara de Pau do Ano", versão 2008.
Propinobrás
Um baronete pouco delicado
Para atingir seus objetivos ele não hesita em falar grosso, muito embora não seja essa sua especialidade. Preferiria métodos mais delicados, mas nesse ramo - mundo cão, mundo cruel - não se pode mandar flores. O argumento da força impõe sua presença. E a vida continua.
Por enquanto, ainda é um baronete. Enfeitado, com a nascente musculatura à mostra, mas apenas um projeto de fidalgo do reinado midiático. Mas o futuro, repete para si mesmo, pertence aos espertos.
Quem é nosso personagem? Apenas uma pista: sua carreira começou nos palcos iluminados. Hoje, desfila por outros picadeiros.
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Faixa de Gaza
A estatal está comprando diversos equipamentos para tornar mais eficiente sua tropa anti-motim, serviço de segurança patrimonial mascarado de batalhão de choque. Senão, vejamos os itens com os quais serão gastos, pelo menos, R$ 218 mil: 36 pares de "caneleiras anti-tumulto"; "cotoveleiras" para utilização em ação tática e "luvas para emprego em distúrbio urbano"; escudos, capacetes e coletes de uso controlado pelo Exército, além de 36 pares de tonfa - cassetete com empunhadura vertical, muito utilizado por forças policiais.
Logo se vê, por essa relação, que a Eletronorte não se prepara para combater atentados terroristas contra as estratégicas instalações da 2a maior hidrelétrica do país. Antes se prepara para se defender a imensa e insubmissa massa de excluídos, em permanente mobilização para ver respeitos, mesmo que parcialmente, seu direito a uma vida com o mínimo de dignidade.
Que tal investir mais tempo - e recursos - no atendimento da pauta dos atingidos pela barragem? Este é o único caminho para que seja pago uma parcela que seja da enorme dívida socioambiental que a construção de Tucuruí deixou ao povo do Pará como herança nefasta.
Marinatambalo chora
O desfile dos séculos, entretanto, trouxe outras mazelas. E o Marajó das majestosas civilizações pré-colombianas permaneceu prisioneiro de um círculo de ferro de fome, miséria e doença. Não por castigo dos céus, mas por imposição de estruturas historicamente impostas, humanas por certo, apesar de produzirem desumanidades sem-fim.
Pano rápido. O Marajó não deixa de freqüentar, uma única semana sequer, as manchetes da grande imprensa, no desfile interminável de novas tragédias. Não bastasse ostentar o vergonhoso status de abrigar o município com a maior proporção mundial de infectados por malária – Anajás com seus 25 mil habitantes, 6300 dos quais contaminados pela doença em 2007, um de cada quatro residentes, como prova inconteste do quanto a saúde pública na região evoluiu para um quadro de absoluto e criminoso abandono.
Agora é Bagre, outro empobrecido município do arquipélago, que registra, segundo as autoridades estaduais de saúde, casos de febre tifóide, doença gravíssima e que pode ser letal. Como sempre, as causas da disseminação não poderiam ser mais simples: a mais completa ausência de saneamento básico, que obriga centenas de famílias a conviver com o drama de, num território marcado pelo império das águas, não ter direito ao fornecimento de água potável. Uma tragédia de dimensão amazônica.
Até quando o Marajó vai se perpetuar como sinônimo de sofrimento e de descaso para com os mais pobres?
Dialética da decisão
Haroldo Maranhão (na voz de D. Jerónimo de Albuquerque, o tetraneto del-Rei, que evoca as veredas de Guimarães Rosa).
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Cimento fresco
Como a imprensa local tem guardado um silêncio obsequioso sobre o caso, não custa lembrar que o major Bastos não faz segredo de suas múltiplas amizades nos altos círculos do poder paraora. A propósito, ele está lotado na Assembléia Legislativa, no gabinete do presidente da Casa, deputado Domingos Juvenil (PMDB).
Contágio global
País do futuro?
O Pará, como sempre, está na lanterninha dos indicadores nacionais. No região Norte, ganhamos apenas o Acre quando o tema é o número de analfabetos entre 15 e 17 anos. Uma vergonha que foi atestada por uma recente pesquisa coordenada pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), mantida por Argentina, Brasil, México, Nicarágua, Panamá e Venezuela, e que apurou o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ), que nos coloca na 23a posição no ranking de 26 Estados e mais o Distrito Federal.
Copyleft
Em virtude disso, agradeço aos colegas do Diário do Pará, que reproduziram na edição de hoje (na coluna Repórter Diário) o trecho inicial do post “Invisíveis, mas reais”, rebatizado de “Cena”. Solicito, entretanto, que não deixem de atentar para a necessária citação da fonte.
Você pagou com traição
Pensando por esse ângulo, eles têm motivos de sobra para não dar o menor crédito às novas promessas apresentadas pelo prefeito.
domingo, 20 de janeiro de 2008
Cátedra do terror
Ao som dos tambores
E, na janela que se abre sobre as lutas de hoje, o olhar atento para as ameaças cotidianas contra a Amazonia e seus povos.
Tudo isso no site da ex-deputada e historiadora Araceli Lemos. Vale a pena visitar.
Clique em www.aracelilemos.uniblog.com.br
Ouvidos moucos
Ilusões insustentáveis
O fenômeno pode ser explicado com uma única palavra: Vale e sua forte presença na região, que cresce a cada ano, desde que há três décadas, em associação com um consórcio de 17 empresas japonesas, a gigante da mineração e infra-estrutura resolveu implantar um poderoso pólo de processamento de alumínio no então pacato município do Baixo-Tocantins. Construído o enclave e despendidos alguns bilhões de dólares, a riqueza foi crescendo e se concentrando em saltos, enquanto no seu entorno foi se consolidando um amplo cinturão de miséria e de desencanto. Progresso para poucos, como pode se deduzir da quantidade de empregos gerados. Na Albrás, por exemplo, são cerca de 1300 empregos diretos. Na recente expansão da Alunorte, na qual foram gastos R$ 2 bilhões, cada emprego custou quase R$ 2,5 milhões, um número absurdo e que só se explica pelo fato de que é essa mesmo a lógica das indústrias eletrointensivas: investimentos gigantescos para retorno social medíocre. Ou pior ainda: geram um enorme passivo socioambiental e exportam, quase sem pagar impostos, uma riqueza não renovável em contagem regressiva para o esgotamento. Lá fora, riqueza e empregos quintuplicados. Aqui, buracos e miséria sem-fim.
Pois bem, chuva sobre o molhado, dirão alguns. Mas não custa lembrar obviedades quando o que está em jogo é a nossa própria sobrevivência como projeto de nação. Até porque não há sinais de que esse modelo insustentável e excludente esteja em vias de ser alterado, muito ao contrário. Todas as linhas estratégicas em vigor jogam mais água nesse moinho e nos aproximam do desastre. É por isso que merece registro a recente decisão da Vale de voltar a fornecer matéria-prima à Usipar, que produz ferro gusa em Barcarena. A suspensão anunciada há algumas semanas respondia às denúncias de crimes ambientais provocados pela empresa do grupo Cosipar, este também reiteradamente envolvido em práticas apontadas como criminosas (utilização de trabalho escravo na cadeia produtiva do carvão vegetal, para ficar em apenas um exemplo), no âmbito ambiental e trabalhista. Realizado o jogo de cena e passado o impacto inicial do escândalo, tudo volta aos eixos, naturalmente. Ordem natural, sacrossantas imposições do mercado. Na arquibancada, uma multiplicação de olhares aparvalhados e submissos.
Talvez não seja oportuno lembrar as palavras de um sábio judeu, Hilel, “O Velho”, que viveu aproximadamente em 30 A.C. Dizia ele, e ficou registrado no Talmud: “Se eu não for por mim, quem será? Mas se eu for só por mim, o que serei eu? E se não agora, quando?”. Aos paraenses, expectadores perplexos e paralisados diante da barbárie que se aprofunda, o chamado e o desafio.
Meu mundo, minha ilha
Segue o oportuno comentário de Ghys:
Hoje uma notícia importante: mais de 8 milhões de cubanos estão votando neste domingo, 20/01/08, para eleger os novos 614 integrantes do Congresso e os deputados provinciais. O novo Congresso elegerá o presidente do Conselho de Estado - título oficial do chefe do Executivo, que tem como titular Fidel Castro, 81 anos, cargo ocupado interinamente pelo ministro da Defesa, Raúl Castro.Ressalto que no sistema eleitoral cubano todos os candidatos concorrem independentes de partidos políticos e os deputados não ganham salários. Lá também o voto não é obrigatório.Em Cuba, onde se respira alegria, solidariedade e liberdade, a democracia é muito, muito mais viva do que entre nós.Um abraço e viva a Revolução!
sábado, 19 de janeiro de 2008
Porcódromo
Dialética do neoliberalismo
Thomas Friedman (New York Times, 28 de março de 1999)
Estrela encantada
Anos rebeldes, agitados, insubmissos. No início dos anos 80 semanas podiam valer por anos e tudo parecia se mover a uma velocidade muito acelerada. A morte – e seus traumas – estava sempre rondando, como um perigo e uma possibilidade. Ela brotava de histórias macabras – a cabeça de Oswaldão decepada e seu corpo puxado por um helicóptero no meio da selva – e poderia estar em cada esquina. Naquela esquina em que, por mais uma vez, cobri um ponto e fui recolhido para a uma reunião clandestina. Esperar o contato, em plena São Paulo, com uma revista VEJA na mão, com aquele mar de gente em volta, parecia prosaico demais, entretanto funcionava e, ao que parecia, de forma eficiente. Codinomes. Destruir as anotações, mas todas mesmo. Seguir adiante, avançar. Retroceder? O que é isso companheiro?
Mundo louco aquele, sem dúvida. A volta para casa de ônibus. 48 horas de estrada, com pouquíssimo dinheiro no bolso, mas com a cabeça fervilhando. Tarefas, planos, compromissos para um militante que já podia se julgar experiente com apenas 18 anos.
Parada obrigatória na fria rodoviária de Anápolis, ao amanhecer daquele dia. O clima parecia diferente, paralisado (talvez esse aspecto tenha vindo depois, com o choque, não sei ao certo). Na primeira banca de revista, um jornal qualquer alardeava: Morreu Elis. A estrela se cala. Li e não acreditei. Aquilo não poderia ser verdade. Oswaldão sem cabeça, o vento solapando a copa das árvores. O frio e a morte, combinados. O medo, espaçoso e invasivo, dominava tudo, onipotente.
Estranho que não imaginava que Elis pudesse morrer. Pelo menos, não tão jovem, tão produtiva, tão linda. Acho que naquele dia – exatamente ali, parado, petrificado diante de um jornal qualquer, envelheci vários anos. A pulso, como se diz.
Há pouco tempo assisti a um especial de TV sobre Elis e essas lembranças todas voltaram com força. Quantos de nós – jovens de mais de 40 – não sentiram o mesmo?
De qualquer forma, hoje é dia de celebrar a sua presença, eterna, aliás, e se deixar levar através do seu sorriso e de sua voz de anjo.
A pesada mão do Dr. Bernardo
A decisão de cortar o ponto dos grevistas da Advocacia-Geral da União - paralisados diante da quebra da promessa de 30% de reajuste salarial - determinada pelo aprendiz de Dulce Paulo Bernardo, do Planejamento - revela a disposição de endurecer com os movimentos sociais neste início de temporada. É a marca de um governo sem palavra, que não hesita em escolher sempre os mesmos podes para expiar culpas alheias.
A corda será retesada. É só início de uma jornada que se prenuncia dramática e dolorosa, se o governo persistir na intenção de sacrificar o funcionalismo sob o frágil argumento de que as finanças públicas teriam sido feridas de morte pela derrubada da CPMF. Triste o país submetido a essa lógica da empulhação permanente.
Alerta insuficiente
Cabe perguntar sobre o destino dos milhões de reais que foram (ou deveriam ter sido) investidos nas ações de prevenção da doença. O Aedes aegypti, como é de conhecimento geral, não é ordenador de despesa e não pode ser denunciado por formação de quadrilha.
Tropas de resgate
O Congresso Nacional é campo fértil para a germinação de propostas para reduzir ou eliminar direitos consagrados pela Constituição de 1988. Em cada projeto, muitas vezes se esconde uma ameaça de alto poder ofensivo. E os alvos são sempre os mesmos: as nações indígenas, as comunidades tradicionais, os excluídos numa nação (?) que não consegue se ver no espelho.
Nesse contexto regressivo, merece atenção especial a PEC 117/07, do desconhecido Edio Lopes (PMDB-RR). Ele quer simplesmente que as demarcações de Terras Indígenas, hoje realizadas por decreto presidencial, depois de preenchidas inúmeras exigências legais, passe a depender de autorização, através de lei específica, aprovada pela Câmera e pelo Senado. Trocando em miúdos: quer acabar com as demarcações e, assim, deixar o campo aberto para grileiros, mineradores, madeireiros ilegais e grandes empresas que cobiçam os territórios indígenas, sobretudo na Amazônia.
Não é mero acaso que o autor da emenda seja de Roraima. É lá que se trava, há anos, uma dura batalha pela efetiva demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. De um lado, toda a elite política do Estado cerrando fileira em torno de um punhado de grandes proprietários, sobretudo de arrozeiros; de outro, os povos indígenas que exigem o cumprimento da Constituição. Como se sabe, o governo Lula vacilou durante largo tempo sobre essa matéria e não tem mostrado disposição para afirmar a autoridade do Estado brasileiro quando já existe julgado em última instância, o pleno reconhecimento do direito dos índios sobre sua terra ancestral.
Antes que seja tarde, a sociedade brasileira precisa se mobilizar para que a violência embutida na PEC 117/07 não prevaleça, sepultando o ódio étnico que ela expressa.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Pobreza sobre rodas
Ainda há os que se iludem com o discurso de que a pobreza, lenta e paulatinamente, vai subindo os degraus da inclusão social e para ingressar na tão sonhada "classe média". Num Estado como o Pará, onde 40% da população - 533 mil famílias - são tão pobres que precisam integrar o Bolsa-Família (recebendo até 90 reais por mês), e os índices de violência explodem em todos os cantos, fica fácil perceber o enorme abismo entre intenções (dando o benefício da dúvida de que sejam boas) e os gestos (mais que limitados, raquíticos para enfrentar o profundo fosso da miséria social cavado há tantos séculos).
Mas sempre existem os crédulos, pessoas de bom coração e capacidade crítica nem tanto. Por isso, sugiro um teste decisivo: uma viagem de ônibus, durante o dia, entre o Ver-o-peso e o Entroncamento, por exemplo. Pode ser um veículo de qualquer uma das dezenas de linhas que se dirigem às áreas mais periféricas, no sentido de Icoaraci ou de Ananindeua, tanto faz. Em cerca de 50 minutos - tempo estimado da "viagem" - o passageiro vai ver diante de seus olhos um desfilar quase permanente de deserdados, que entrarão no veículo sob as mais diversas justificativas. Verá, por exemplo, uma criança de rua e se desajeitado número de malabares. Com olhar algo perdido e a tez envelhecida pela brutalidade das ruas a criança aparentará, certamente, uma idade superior a que em verdade possui. Nem por isso deixará de chocar pelos traços de abandono e desesperança.
Aí entrarão os vendedores de qualquer coisa. Bombons, chocolates, picolés, ou algo qualquer que possa render algum trocado. Farão o mesmo discurso, ensaiado e monótono, apelando para a caridade alheia. Pedem desculpas por atrapalhar a viagem, mas revelam não ter alternativa.
Ao todo, quase uma dezena de vendedores, ambulantes no sentido próprio do termo. Homens, mulheres, deficientes ou não, além de crianças, muitas crianças (apesar das esporádicas campanhas contra essa prática). Todos, indistintamente, carregam a marca da exclusão que os persegue desde o berço.
Este contínuo desfilar da pobreza crônica em um Estado tão rico deve servir de alerta para o caldeirão social, que no lado de fora das encardidas janelas dos coletivos, ameaça entrar em erupção, desmoralizando definitivamente estatísticas que teimam em aplicar Band-aid em fratura exposta.
Senzala verde e amarela
Dialética da natureza humana
Vós não fostes criados para bichos,
e sim para o valor e a experiência."
Dante Alighieri, Divina Comédia, Canto XXVI (citado por Primo Levi, É isto um homem?, 1998)
Os insaciáveis
Cordão dos descontentes
Rastilho de pólvora, o movimento paredista dos federais deve se generalizar por dezenas de categorias e por todo o país. Quando o carnaval passar, a batalha por salários vai dar o tom dos problemas que esperam o governo Lula em pleno ano eleitoral.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Missão (quase) impossível
Poder de veto
Dialética da acumulação
Benedicto Monteiro (in O Carro dos Miagres)
Motivos para desconfiar
Comissão de frente
Na pauta do encontro, como é de se esperar, um forte sentimento de frustração com as políticas do governo Lula para a Amazônia e a decisão de apertar o passo do calendário de mobilizações de sem-terra, atingidos por barragens, comunidades indígenas e quilombolas.
Além do bê-á-bá das ocupações de terras e de prédios públicos, os movimentos prometem priorizar investir pesado na unificação das lutas em toda a região ao longo de 2008. Não fazem segredo de seus principais inimigos: o agronegócio e o imperialismo, este último encarnado na prepotência da besta-fera Vale do Rio Doce.
O nome da crise
Exposto a altas labaredas na última semana, Lobão resistiu e acabou sagrado ministro, mesmo sob preço de provocar a introdução de um novo móvel de tensão no conflagrado plenário do Senado.Com sua posse no ministério, Lobão deixa o mandato para seu filho, crivado por sérias denúncias de corrupção. Certamente, a presença do herdeiro político dessa importante família sarneysta será fonte de dor de cabeça para as lideranças da base aliada, que apostam tudo na operação abafa no estilo da que salvou o pescoço de Gim Argello (suplente que substituiu o renunciante Joaquim Roriz). O argumento utilizado – ética e juridicamente questionável – foi o de que não se pode apurar crime ocorrido antes do início do mandato. Uma espécie de salvo-conduto para toda sorte de pilantragens.Apesar dessas manobras, tudo indica que a temperatura em Brasília estará nas alturas nas próximas semanas. E a crise, depois de perseguir por meses a fio a clã Calheiros, pode começar 2008 respondendo por outro sobrenome.
Chapa quente
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
Saia Justa
Coube aos secretarios do Prefeito Duciomar, a patética tarefa de tentar abafar com aplausos, a ruidosa manifestação de descontentamento daqueles que acompanhavam a abertura dos trabalhos legislativos na galeria da CMB . O tempo esquentou mais ainda quando a Vereadora do PSOL, Marinor Brito, apoiada por perueiros, populares e servidores públicos resolveu soltar o verbo. Depois do fogo cruzado e da fala final do Presidente da casa, vereador Zeca Pirão, Duciomar quebrou o protocolo dirigindo-se a tribuna para responder aos ataques da vereadora. Aí a emenda saiu pior que o soneto. Para delírio dos que gritavam “pede prá sair”, o dotô acabou confessando que entendia pouco de saúde.
Matilha em apuros
Logo se vê que o clã Lobão é extremamente criterioso na escolha de seus parceiros de chapa. Tutti buona gente, é claro.
Dialética da aprendizagem
Clarice Lispector
Blindagem que custa caro
Lei de Murphy
Que tudo pode ficar pior, ninguém duvida. Também que a economia americana está incubando uma crise de altíssimas proporções igualmente já virou lugar comum entre os (cada vez mais nervosos) analistas do mercado. Mas a frase reproduzida pela Folha de hoje, atribuída a um alto executivo do Citi Group, maior bando dos Estados Unidos, é de uma sinceridade desconcertante: "AS COISAS podem ficar ainda piores, sob certas circunstâncias", afirmou, no dia em que as bolsas do mundo inteiro registraram forte queda, na esteira da divulgação prejuízo trimestral do Citi que bateu na cifra dos U$ 10 bi.
Mais cedo do que muitos possam pensar a economia brasileira - financeirizada e desregulamentada como os gringos tanto gostam - terá que passar por uma prova decisiva. Resistirá ao abalo sísmico que está por vir ou teremos de volta a temporada recessiva que já se desenha nas terras do Tio Sam?
Ruínas da cultura
Existe, porém, um detalhe importante que merece destaque na triste situação do Teatro São Cristóvão: o imóvel, cujo valor histórico e cultural é inquestionável, localiza-se na Avenida Magalhães Barata, centro de Belém, exatamente em frente ao Parque da Residência, onde funciona a sede da Secretaria de Cultura do Governo do Estado.
Supõe-se que, todos os dias em que dá expediente, o secretário Edilson Moura, note a presença de um patrimônio cultural prestes a desabar, um eloqüente exemplo da incúria e do desamor por Belém. Talvez se o dirigente da Secult, até agora brilhando pela ausência de projetos e realizações dignas de nota, possa refletir e encontrar em um projeto de intervenção emergencial capaz de salvar o Teatro São Cristóvão da destruição iminente, um bom destino para os milhões da cultura paraense que serão esterilizados no patrocínio do concurso de beleza Rainha das Rainhas do Carnaval, promoção privada que está a léguas do que possa lembrar uma política cultural séria ou, como insiste a propaganda, "democrática e popular".
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Disk Silêncio
Lobos ao mar
A fritura, porém, não é nem inédita nem gratuita. Revela, antes de tudo, o método várias vezes utilizado pelo Planalto para sacrificar seus próprios indicados que, sob intenso desgaste, acabam obrigados a pedir o chapéu. Talvez seja esse o destino do cargo de ministro de Minas e Energias prometido para Edison Lobão, duramente alvejado pelos mal-feitos de seu enrolado rebento.
Com uma bala na cabeça
Em que cidade do Brasil os familiares de um adolescente de 14 anos, gravemente ferido com uma bala alojada na cabeça, precisam interditar a movimentada rua em frente ao Pronto Socorro Municipal, durante longos 40 minutos, para forçar a operação que salvaria a vida do paciente?
Quem respondeu Belém, acertou. A notícia, que entristece e revolta, está em jornais de hoje e expõe pela enésima vez o caos instalado no sistema de saúde da capital.
É bom que se dia que a criança estava aguardando cirurgia desde a sexta-feira, 11, vítima de bala perdida na guerra urbana que parece não ter fim.
A cena dos familiares deitados no asfalto, gritando em desespero, possui eloqüência suficiente para transformar em pó, demolindo frame a frame, as edulcoradas imagens de um fantasioso "novo tempo".
Vale fora da lei
Hoje, o projeto Onça Puma, inicialmente desenvolvido pela canadense Canico Resource, pertence desde 2005 à Vale do Rio Doce. Isso bastou para que os pequenos agricultores passassem a conhecer um determinado método muito característico da 2a maior mineradora do mundo, que não costuma se deter diante de nada para levar adiante seus negócios.
Denúncias da Comissão pastoral da Terra (CPT) revelam que, há pelo menos dois anos, dezenas de pequenos agricultores - muitos deles assentados da Reforma Agrária pelo Incra - foram pressionados a vender o "direito de uso" sobre suas terras, o que seria ilegal. As indenizações, sobre as quais não foram estabelecidos critérios transparentes, são pagas e imediatamente os lotes são incorporados ao patrimônio da Onça Puma, que avança nas obras de construção da planta de mineração, que deverá alcançar, pelo menos, U$ 1 bilhão depois de concluída.
Os impactos socioambientais são evidentes e repetem como tragédia e farsa ao mesmo tempo, o que já ocorreu nas décadas anteriores por todas as regiões onde a Vale ergueu seus enclaves. O pior, diz a CPT, é que levas de camponeses, iludidos com os valores das indenizações, migram para áreas próximas dali, buscando novas áreas de cultivo em terras públicas, inclusive Terras Indígenas, tornando ainda mais dramático o quadro de destruição na vasta região da Terra do Meio, cenário permanente de conflitos sangrentos e de um desenfreado (e pouquíssimo combatido) processo de grilagem e extração ilegal de madeira.
Sob o manto protetor da Vale, o escândalo vem sendo abafado e a mobilização das autoridades é inversamente proporcional à profundidade dos efeitos que a ação da mineradora tem provocado, alguns simplesmente irreversíveis.
Dialética dos maus presságios
Karl Marx (O 18 Brumário de Luís Bonaparte)
Chove lá fora
Tal qual Leandro Tocantins, para mim Belém é - continuará sendo - "meu Palácio da Memória".
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
Vítimas do abandono
Não deverá ser árduo o trabalho da equipe de auditores do governo do Estado: o caos da saúde pública no Marajó, que volta e meia ganha as manchete, é bem antigo e, infelizmente, pouco ou nada está sendo feito para superar esse problema crônico de falta de assistência. Essa é a realidade - nua e crua - que insiste em desmoralizar determinadas propagandas institucionais que estão no ar.
Rastros de sangue
O caso mereceu registro nos cadernos de polícia dos jornais do sábado passado. Depois disso, certamente cairá na vala comum dos muitos assassinatos sem solução que, todas as semanas, ensangüentam as áreas mais pobres da capital. Um número perdido nas estatísticas da violência urbana, cada vez mais incontrolável.
Porém, se houver vontade e disposição das autoridades policiais, este assassinato pode virar peça importante numa eventual investigação de grupos de extermínio, fardados ou não, que atuam com plena liberdade há bastante tempo, impondo um tipo bem particular de "justiça".
O rapaz executado teria envolvimento com a venda de drogas. Varejo, bem explicado. Seu assassinato faria parte, segundo fontes que por razões óbvias exigem o anonimato, de uma lista de marcados para morrer, da qual faziam parte os suspeitos de tráfico que atendiam pelas alcunhas de Chia e Nena, recentemente mortos em circunstâncias bastante semelhantes.
Não será, então, mera coincidência que os pretensos assassinos de Reginaldo tenham utilizado, segundo testemunhas, uma motocicleta, traço característico da atuação do bando criminoso auto-intitulado "Los Mexicanos".
Picadeiro
O circo Portugal levantou lonas em Belém. Promete, entre outras atrações, malabaristas, mágicos, animais exóticos devidamente amestrados e palhaços, muitos palhaços.
O que os artistas do Portugal não sabem é que o palco, aqui na maltratada capital dos paraenses, já está bastante congestionado. Ilusionistas e palhaços, não necessariamente nessa ordem, revezam-se no noticiário. Basta ler os jornais do final de semana.
domingo, 13 de janeiro de 2008
Ensaio geral
As supostas armas nucleares iranianas podem ser apenas argumentos de ocasião. Alguém ainda lembra-se das propaladas e afinal inexistentes "armas de destruição em massa" do finado Saddam Hussein?
A acusação de Bush, mesmo que não possua qualquer consistência, pode justificar novas e desastrosas aventuras intervencionistas, um prato cheio (de dólares e de sangue) para os sempre insaciáveis gestores do complexo industrial militar. Este, montado em seu bilionário orçamento anual, mais vivo e atuante do que nunca.
Invisíveis, mas reais
A pouca distância dali, em Abaetetuba, dois meses atrás, o drama da menina L, 15 anos, presa e violentada na delegacia do município, causou forte comoção. Foi um escândalo de alta octonagem política, cujos desdobramentos ainda estão por vir (pelo menos, espera-se que algo realmente aconteça). Entretanto, o drama de L. não foi gerado em apenas um dia. Por quantos meses - talvez anos - ela não terá vagado pelas ruas, praças e portos da região, sem que nenhuma autoridade tenha tomado conhecimento de sua existência?
Nem mesmo após o primeiro delito cometido e a primeira detenção - com o conseqüente rito de passagem ao inferno carcerário - sua condição de criança vítima da barbárie social foi reconhecida. Precisou surgir, em rede nacional de TV, a primeira manchete negativa para causar estupor no berço esplêndido onde parecem dormir aqueles que possuem o dever constitucional de proteger a sociedade e impor o Estado de Direito.
Pergunta-se: o que se espera para agir diante do flagrante desrespeito aos direitos de criança e adolescentes nesse movimentado porto estadual? Certamente que não seja a próxima tragédia.