Rita nasceu pobre. Tudo conspirava contra seu futuro. Estava condenada a uma vida medíocre, repleta de privações e refém da desesperança. Como romper as cadeias da miséria que prendiam sua família desde sempre e ameaçavam impor a mesma sina a seus três filhos menores?
Rita nasceu negra. A marca da exploração e do preconceito impressa na pele. Para sempre e desde cedo submetida à pedagogia da exclusão.
Rita resolveu lutar. Bateu com a cara em seguidas portas - fechadas, impenetráveis. Foi batendo em um teto, cada vez mais baixo e sufocante. Beco sem saída?
Rita ousou não desistir e encontrar um caminho, nem que fosse um atalho. Um caminho mais curto para a conquista de um padrão de vida menos indigno, onde as privações dessem lugar ao prazer de comprar, consumir. Ter para ser, como nos sonhos de propaganda.
Rita pulou - de corpo e alma - através da única janela de oportunidades que lhe ofereceram: "fazer a vida" no Suriname, receber em dólar, passar uns tempos e retornar com dinheiro suficiente para dizer um basta à pobreza. Não foi a primeira jovem paraense a enveredar por esse tortuoso caminho. Não será a última a perceber que, sob fantasiosos invólucros, estava entrando como mercadoria no lucrativo mercado de carne humana.
Rita atravessou a fronteira e conheceu o pesadelo. Foi levada para os insalubres garimpos no interior do Suriname, onde impera a lei da selva. Lá são inúmeras as garotas brasileiras - paraenses em sua maioria - que se tornam escravas sexuais, peças de uma cruel engrenagem criminosa, este sim um negócio lucrativo e em plena expansão.
Rita está, há semanas, desaparecida. A família que mora em Icoaraci, distrito de Belém, recebeu um telefonema do Suriname no qual uma mulher denuncia o assassinato de brasileiros, inclusive de mulheres que se prostituíam nos garimpos. Posteriormente, outro telefonema e uma voz que se identificou como Rita para dizer que estava viva, mas que não poderia dar mais detalhes por estar em plena selva e as comunicações por satélite serem precárias.
Aterrorizada, e sem acreditar completamente na segunda ligação, sua mãe clama por ajuda e teme pela vida da filha, que, na melhor das hipóteses, pode ser refém de algum cafetão, homem que gerencia e garante a lucratividade - a ferro e fogo - para as redes de exploração sexual que disseminam seus tentáculos dos dois lados da fronteira.
Rita carimbou seu passaporte diretamente para o inferno. Seu caso não pode cair no esquecimento.
As autoridades brasileiras podem agir no Suriname e exigir respeito aos direitos de cidadãos de nosso país, pouco importando se lá ingressaram legal ou clandestinamente.
No Pará, mais especificamente na capital, não chega a ser um mistério insondável a forma como agem os aliciadores de mulheres que alimentam as casas de prostituição no exterior. Por exemplo, em Icoaraci há uma mulher bastante conhecida que se dedica a seduzir jovens com promessas de ganhos fáceis para, em seguida, levá-las através do Amapá até o Suriname. Apesar de criminosa, sua ação parece ser tolerada pela polícia e por outros agentes da lei, com os quais possui estreito relacionamento.
Se não for desbaratada definitivamente esse esquema de proteção ao crime e de despudorada impunidade, o número de vítimas – fatais, inclusive- , só tende a aumentar.
Rita tem um sonho e, talvez, possa ainda ser salva. Quem se habilita?
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