Quando o aventureiro espanhol Vicente Pizón, no alvorecer de 1500, viu pela primeira vez a grandiosa foz do rio-mar e tomou contato com a extraordinária beleza da imensa ilha – Marinatambalo para os indígenas – que sozinha era do tamanho de Portugal, ele não imaginava que estava, com a sua presença invasiva, amaldiçoando aquelas terras. Foi das entranhas do arquipélago marajoara, recém “achado”, que foram seqüestrados os primeiros 36 “negros da terra” da América do Sul. Desterrados, agrilhoados e levados como peças exóticas para o outro lado do oceano.
O desfile dos séculos, entretanto, trouxe outras mazelas. E o Marajó das majestosas civilizações pré-colombianas permaneceu prisioneiro de um círculo de ferro de fome, miséria e doença. Não por castigo dos céus, mas por imposição de estruturas historicamente impostas, humanas por certo, apesar de produzirem desumanidades sem-fim.
Pano rápido. O Marajó não deixa de freqüentar, uma única semana sequer, as manchetes da grande imprensa, no desfile interminável de novas tragédias. Não bastasse ostentar o vergonhoso status de abrigar o município com a maior proporção mundial de infectados por malária – Anajás com seus 25 mil habitantes, 6300 dos quais contaminados pela doença em 2007, um de cada quatro residentes, como prova inconteste do quanto a saúde pública na região evoluiu para um quadro de absoluto e criminoso abandono.
Agora é Bagre, outro empobrecido município do arquipélago, que registra, segundo as autoridades estaduais de saúde, casos de febre tifóide, doença gravíssima e que pode ser letal. Como sempre, as causas da disseminação não poderiam ser mais simples: a mais completa ausência de saneamento básico, que obriga centenas de famílias a conviver com o drama de, num território marcado pelo império das águas, não ter direito ao fornecimento de água potável. Uma tragédia de dimensão amazônica.
Até quando o Marajó vai se perpetuar como sinônimo de sofrimento e de descaso para com os mais pobres?
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