domingo, 27 de setembro de 2009

Aprendizes de feiticeiros

Honduras, pequeno país centro-americano, está sob virtual estado de sítio. O regime militar instalado há poucos meses endureceu o controle sobre o país. Toque de recolher, fechamento de aeroportos e fronteiras, censura à imprensa e ataques sistemáticos à liberdade de manifestação fazem do cenário atual hondurenho a expressão mais acabada de uma ditadura, tal qual tantas que enfernizaram o continente de 1960 até quase o fim dos 80.
Apesar disso, a imprensa brasileira não consegue disfarçar sua simpatia pelos golpistas. Manuel Zelaya, o presidente constitucional deposto, é apresentado como um destrambelhado seguidor das ordens da Venezuela de Chavez, um satélite de Cuba e outras baboseiras do mesmo quilate.
Pouco importa se o referendo possibilitando a reeleição - apresentado como causa imediata do golpe - fosse valer para o próximo mandato, não beneficiando diretamente Zelaya. Ou ainda: o que dizer do colombiano Álvaro Uribe que acaba de conquistar no parlamento a realização de uma consulta popular que deverá lhe conceder o direito à segunda reeleição, num eventual terceiro mandato para bem servir aos interesses da Casa Branca e seguir transformando a Colômbia num gigantesco porta-aviões de Washington?
Ainda assim a presença de Zelaya na embaixada brasileira, na qual está abrigado desde o início desta semana, é apresentada como uma "armadilha" na qual a diplomacia de Lula, na melhor das hipóteses, deixou-se envolver também sob as ordens do demoníaco ocupante do Palácio Miraflores.
A foto de Zelaya com seu indefectível chapelão cobrindo o rosto, dormindo num sofá da embaixada corre o mundo e é repetida à exaustão. Um trapalhão, um aloprado a expor o Brasil na arena internacional...
Sobre o golpe militar e a ditadura que o mundo inteiro tem repudiado, inclusive a ONU, a OEA, a União Europeia, pouco se fala, como se isso não passasse de um detalhe acessório, sem importância.
A bem da verdade, dos grandes meios da imprensa, apenas a Folha de São Paulo tem procurado manter uma cobertura mais ou menos isenta. Chama de golpistas - sem meias palavras - o governo de "facto" acantonado em Tegucigalpa e mantém uma equipe de reportagem no interior da embaixada brasileira, sitiada por um cerco policial-militar cada dia mais rigoroso. Talvez a cúpula do jornal paulista esteja escaldada com o escândalo de ter chamado o golpe militar de 1964 de "ditabranda", num ato falho que revelou as incontidas simpatias que as empresas do grupo nutriram por longos anos pelo regime fardado de Brasília.
Já o Estadão arreganhou os dentes e faz a defesa enfática e fundamentalista dos gorilas e seus sequazes que se apossaram do poder e depuseram pela força o presidente Zelaya. Quando muito, os editorialistas concedem chamar os miliatres de "desastrados", talvez por não terem mantido o presidente preso no próprio país. Ao expulsá-lo, simplesmente, adiram a solução do "problema", que agora está de volta para atrapalhar os planos de estabilização das oligarquias locais.
Para os que ainda se confundem com a real situação hondurenha vai uma sugestão: assistir, aqui mesmo na blogosfera, ao documentário A revolução não será televisionada (The revolution will not be televised, 2002, 74 minutos), dos cineastas irlandeses Kim Barthey e Donnacha O' Briain, retratando em detalhes o golpe que em abril de 2002 tentou - sem sucesso - apear Hugo Chavez do poder. Qualquer semelhança com a quartelada hondurenha ou com os pendores golpistas de parte da mídia brasileira não será mera coincidência.


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