segunda-feira, 19 de julho de 2010

Nicarágua, tão violentamente doce (*)

1.

A primeira vez em que me encontrei com a pequena Nicarágua foi diante de uma tela de TV.
A imagem era chocante.
Um homem - um repórter estadunidense - vai se aproximando de uma patrulha da Guarda Nacional somozista. Ele levanta as mãos e parece dialogar com os soldados.
De repente, cai mortalmente ferido.
A câmera treme, de terror. E a notícia ganhou o mundo naqueles dias turbulentos no finalzinho da década de 70. Somoza estava acabado. Era uma questão de tempo. E de sangue, muito sangue, ainda.

2.

O 19 de julho de 1979 - dia da entrada triunfal das forças da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) em Manágua - me remete a um início de noite quando a boa-nova já era manchete na imprensa mundial.
Nicarágua? Somoza? Sandinistas?
Tudo parecia tão distante e tão onírico para um adolescente de 15 anos que há pouco havia descoberto a política e a vontade/necessidade de lutar contra outra ditadura, a nossa e sua abertura contraditoria e limitada.

3.

1987, fazenda La Pintada, Departamento de Matagalpa, norte de uma Nicarágua sob cerco.
Quase uma década da revolução os sinais de senilidade do processo que tantas esperanças despertara estavam por todos os cantos, mas meus olhos e de tantos que ali se entregavam ao trabalho solidário da 2a Brigada Brasileira Zumbi dos Palmares não estavam preparados para enxergar.
No olhar de um povo já cansado de tanta guerra e de uma violência que a tudo esterilizava já se podia antever os percalços que dentre poucos anos se afirmariam.
Mas, isso só é óbvio vendo do ponto de vista do presente.
Naquele momento, com a bandeira rubro-negra da FSNL servindo-nos de coberta, não poderia existir maior demonstração de certeza no futuro (cujo encontro, como se sabe, nem sempre se realiza como esperamos).

4.

Hoje, 19 de julho, são exatos 31 anos da insurreição que fez a cabeça de toda uma geração pelo mundo afora.
A partir da derrota eleitoral de 1990, o sandinismo entrou em crise profunda.
O que subsistiu em seu nome não deixa de ser uma negação dos valores que iluminaram aquela gesta de extraordinária entrega e rebeldia.
Não faz mal.
Lá, entre os vulcões, e nas cidades e campos desta América ultrajada, permanece vicejando - teimosa e valentemente - a flor da liberdade humana que não se deixa perecer.



(*)

Este título é um empréstimo não-autorizado de Julio Cortázar (1927-1984), argentino e cidadão do mundo, que soube traduzir como poucos as emoções, enlaces e desenlaces das eletrizantes últimas décadas do finado século XX.

3 comentários:

CHICO CAVALCANTE disse...

Belíssimo texto, Jr. E de muito boa memória. Grande abraço.

Anônimo disse...

Junior! Lindo texto, lembranças maravilhosas. Eu não tinha certeza se era voce mesmo, nosso compa de La Pintada.
Estamos tentando, depois de 23 anos, contatar o pessoal da 2a Brigada. Se permitires posso te enviar as respostas do pessoal que consegui descobrir até agora. Meu e-mail: vanag@terra.com.br
grance abraço
Viviane (Florianópolis)
saudades

Aldenor Jr disse...

Viviane,
compa:

É um enorme prazer te reencontrar e a todos e todas que partilharam a bela experiência da Brigada Zumbi dos Palmares.
Conte comigo.

Abraços,

Aldenor Jr.