Varrer a sujeira para debaixo do tapete e mantê-la bem escondida durante séculos. Parece apenas um pueril sonho de algum déspota pouco esclarecido, mas é exatamente isso que o Estado brasileiro vem fazendo com segredos incômodos de nossa história pretérita (da última metade do século XIX), mas também dos chamados anos de chumbo do regime militar de 64.
Segundo matéria da Agência Folha, estaria em andamento uma dura luta interna no governo Lula acerca da questão da abertura dos arquivos carimbados com o "sigilo perpétuo". Em posições antagônicas a super-ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e o chanceler Celso Amorim (Relações Exteriores). No cerne da polêmica a possibilidade de "desclassificar" documentos datados do período da Guerra do Paraguai (1864-1870), que comprovariam que o Brasil teria subornado árbitros internacionais para abocanhar extensas áreas do vencido Paraguai. Pratica semelhante teria sido executada pela Argentina. Documentos centenários capazes de provocar, de acordo com fontes da diplomacia brasileira, agudas polêmicas e novas disputas territoriais.
Como tudo interfere na legislação vigente sobre documentos ultra-secretos, acaba-se por manter o véu de silêncio sobre uma parte importante da documentação do regime militar, sobretudo aquela referente à Guerrilha do Araguaia e ao destino de dezenas de desaparecidos políticos.
Frustração
Para muitos, o governo Lula seria a porta de acesso para uma completa revisão de nosso passado recente. Além da liberação dos arquivos da ditadura - que as Forças Armadas insistem em divulgar a versão inverossímil de que grande parte teria sido destruída -, esperava-se que o caminho fosse aberto para a possibilidade de punição dos crimes de tortura e de execuções extrajudiciais cometidas de 1964 a 1985. Porém, a decepção foi ainda maior quando, sob o comando de José Dirceu, um ex-perseguido pela ditadura, foram mantidas e até ampliadas as restrições ao acesso à documentação. Sobre uma eventual revisão da Lei da Anistia de 1979, nenhuma palavra. Antes, reiteradas declarações de que não se pretende "provocar os militares" e que não há, por parte do governo, nenhuma intenção em reabrir processos daquele período.
Tudo isso, diga-se, na contramão do que vem acontecendo na Argentina e no Chile, para ficar em apenas esses dois exemplos eloqüentes de que é possível, dentro da normalidade democrática, fazer um indispensável ajuste de contas com o passado.
Na esteira da decisão da justiça italiana decretando a prisão de autoridades envolvidas na Operação Condor, inclusive de 13 brasileiros, começa a surgir propostas que reacendem esse debate. A entrevista do ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), divulgada pelo Estadão, pela primeira vez, defende a possibilidade da Lei da Anistia ser revista a fim de se "adaptar aos tratados de direitos humanos assinados pelo País que condenam crimes políticos e a prática da tortura".
Que sua voz não seja logo sufocada pela "turma do bom-senso" e pelos defensores da "governabilidade" a qualquer custo.
É hora de reabrir essas feridas, expor as entranhas de um período marcado pela violência e pela brutalidade, para que as cicatrizes possam ser definitivamente curadas. Aprender com o passado, para que não sejamos vítimas dos mesmos crimes nos tempos que estão por vir. Eis uma bela exigência e uma boa luta para o ano que se inicia.
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