Nem pude acreditar. Na minha frente, depois de anos de buscas, estava lá, solene e provocante, o título que tanto procurava. Rio de Raivas, em letras vermelhas, cor de sangue, sobre o fundo branco, imaculado, de uma capa simples e primorosa. Uma ótima maneira de fechar o ano, pelo menos para quem cultiva o vício de percorrer os (poucos e decadentes) sebos da cidade, atrás de alguma pedra preciosa num mar de cascalhos.
Há anos tentava reencontrar a obra de Haroldo Maranhão, cujo exemplar - também comprado em um sebo, em meados dos anos 80 - se perdeu inexplicavelmente. Minha coleção das obras (quase) completas de nosso maior escritor ficou, assim, fraturada. Um dente quebrado, enfeando a face. Um vazio que fazia sofrer aquele canto da biblioteca que abriga mais de 20 edições do escritor nascido no Pará e emigrado para Brasília e depois para o Rio de Janeiro, onde morreu há poucos anos.
Ler Haroldo é fonte de prazer, muito embora não isento de sobressaltos. Ler (e reler) Rio de Raivas nos remete a uma Belém dos anos 50, tão provinciana e mesquinha como a em que vivemos hoje, mas, talvez, menos hipócrita.
Orgulhoso de minha conquista natalina faço inveja aos demais integrantes da seita de adoradores de Haroldo Maranhão, reproduzindo seu magistral trecho de abertura:
"I
A Santa Maria de Belém chegava-se pelo rio. De onde quer que se viesse chegava-se pelo rio. Mesmo quando a invenção de voar chegou por lá, no rio ainda é que águias e condores pousavam, no rio. O rio era um rio sem convulsões, dava baques fracos na amurada do cais, na Escadinha, no Galpão Mosqueiro-e-Soure, no Porto do Sal, na Estação Hidroviária da Panair".
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