Um verdadeiro palavrão está de volta: desfavelização.
Claro, tudo apresentado como imperativo para salvar vidas diante da tragédia climática no Rio de Janeiro.
Será mesmo?
A prefeitura da capital carioca anunciou que vai desapropriar todas as casas do morro do Livramento, no centro da cidade, diante da ameaça iminente de novos desastres.
A Rede Globo, fiel a seu estilo, faz campanha aberta contra as obras realizadas, há duas décadas, pelo projeto Favela-Bairro, que levou calçamento e infraestrutura àquela comunidade. Insinua que foi dinheiro jogado fora e que a "remoção" era a melhor saída.
É a volta do velho sonho das elites de "limpar" a Zona Sul, escondendo a pobreza para os confins mais distantes. Longe dos olhos de turistas e da classe média.
Na década de 60, de triste memória, foi realizada uma tentativa traumática de "higienização" social na chamada Cidade Maravilhosa. Os métodos foram tão violentos - incêndios criminosos e intimidação estatal - que não pode ser levado adiante. Mas ficou a ferida aberta como forma de lembrar o tipo de sociedade o Brasil gerou ao longo de décadas.
Tudo isso faz recordar a origem pouco conhecida da palavra Favela.
Na Guerra de Canudos, no finalzinho do século XIX, em pleno sertão baiano, foram escritas, a sangue e fogo, uma das mais belas páginas da resistência do povo brasileiro. E um dos ícones dessa epopéia foi o morro da Favela - cujo nome remonta a uma planta típica do sertão, a faveleira - que dominava aquele sítio que foi ponto privilegiado da guerrilha camponesa contra as tropas legalistas.
Ao término do massacre, os soldados desmobilizados foram lançados na miséria e muitos ao retornarem ao Rio de Janeiro - negros e extremanente pobres - foram construir seus casebres nos morros inabitados da antiga capital federal. Daí a denominação acabou se generalizando e entrando no vernáculo nacional.
Da mesma forma, muitos migrantes do nordeste, baianos na maioria, seriam expulsos do centro do Rio pela reforma urbana elitizada do prefeito Pereira Passos no início do 1900. Subiram os morros para encontrar abrigo e moradia, levando consigo a memória do Arraial de Belo Monte, àquela altura transformado em cinzas pela brutalidade da revanche oficial.
Funciona, assim, como uma metáfora: a guerra contra a pobreza não termina nunca. Canudos renasce, como alegoria e como alerta de que aos pobres somente é apontado o caminho da senzala, se possível bem distante e convenientemente escondida ao olhar dos habitantes da Casa Grande.
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