domingo, 28 de fevereiro de 2010

Quem procura, sempre acha

E começou a aparecer a papelada que as Forças Armadas juravam ter destruído sem deixar pistas. São documentos dos Anos de Chumbo e que podem contar, mesmo que em parcialmente, capítulos fundamentais da história recente da repressão político-militar em nosso país.
A Aeronáutica foi a primeira a entregar, possivelmente de forma incompleta, o acervo que andava entocado há anos em algum canto obscuro.
Se o governo Lula quiser recuperar uma fração que seja de sua autoridade perdida, deve utilizar esse episódio para realimentar a pressão pela abertura imediata e integral de todo o arquivo do terror. É o mínimo de dignidade que se espera de quem continua auto-proclamando seu compromisso com o resgate da memória e da verdade acerca das atrocidades do último regime militar (1964-1985).

Por água abaixo

Faltou bom senso à maioria dos conselheiros estaduais da OAB-Pará. Para dizer o mínimo.
A decisão de apoiar a polêmica construção da usina de Belo Monte, após uma encenação de debate na sexta-feira, 26, apenas revela como o açodamento pode encurtar, lançando a nódoa da suspeita de estar a serviço de péssimos propósitos, uma gestão que apenas se inicia.
Assim ficam todos sabendo que os tentáculos que se movimentam em torno do bilionário empreendimento estão mesmo dispostos a fazer a disputa em todas as frentes. E em cada uma delas, no aparato do Estado e na chamada sociedade civil, sempre haverá quem lhes dê crédito. Quase nunca de maneira desinteressada, como acabará se revelando mais adiante.

Dialética do etnocídio que plantou raízes

"O vice-rei do Brasil, Luís de Vsconcelos e Souza, comunicou à rainha, em 1784, suas ideias a respeito da dispersão de índios e dos casamentos mistos. Os selvagens deviam

(...) perder gradualmente seus desacreditados costumes. Os desempregados devem ser levados às fazendas para trabalhar na agricultura. (...) Sobretudo, as índias devem fornecer dotes para desposar homens brancos. Estes se rebaixarão para receber tais (mulheres) só por recompensa financeira. Essa política visa a extinguir a raça (indígena), criando novos homens em seu lugar. Poderia implantar uma nova forma de vergonha e desejo que atrairia outros índios, que hoje vivem no desespero e na ociosidade".

John Hemming (1935). Fronteira Amazônica, A Derrota dos Índios Brasileiros p. 238, Edusp, 2009.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uribe e seu labirinto

Álvaro Uribe, o queridinho de Washington, levou um tombo fenomenal.
Por maioria de votos, a Corte Constitucional colombiana colocou uma pá de cal sobre o terceiro mandato que o presidente ultra-conservador (no poder desde 2002) havia comprado, literalmente, no ano passado em meio a denúncias de grossa corrupção.
Agora, diante do malogro, resta tentar vencer as eleições com uma candidatura que represente a continuidade de um Urubismo sem Uribe, tudo para que o país continue a ser, na prática, a estrela de número 51 na bandeira que tremula lá pelas bandas da terra do Tio Sam.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A ocultação do sujeito

É cada dia maior a percepção de que o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), é mesmo um inapto, quase um fantasma no município.
O que muitos não percebem é que isso não diz tudo.
Duciomar abandonou a gestão do município, isto é fato incontestável. Mas nem por isso deixou de trabalhar.
Explica-se: ele não parou um minuto de trabalhar a favor de seus próprios interesses e de seus múltiplos negócios.
Seus movimentos podem ser percebidos naquele território cinzento onde se entrecruzam a gula privada e os ativos públicos, em completa e acintosa promiscuidade.
Como não há patranha que dure para sempre, convém que uns e outros mantenham suas barbas de molho.
De repente, sem qualquer aviso, o inusitado pode acontecer.



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Fora dos trilhos

Já está pousando na Assembleia Legislativa mais um pacotão de benefícios fiscais para as gulosas mineradoras.
A Vale, sempre ela, tem tudo a ver com o projeto. Como se sabe, sua fome por privilégios é crônica e insaciável.
O pé-de-ouvido com os parlamentares já começou, produzindo um efeito especulativo de proporções ainda não totalmente definidas. Mais uma dor de cabeça para os operadores do governo Ana Julia, parte diretamente interessada no sucesso da delicada operação.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Chegou quem faltava

Cedo ou tarde os atores principais vão mesmo ocupar suas posições no grande palco.
Por trás da insensatez de Belo Monte, o rosto de quem manda nos que fazem de conta que mandam em alguma coisa.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tragédia em 3D

Peru, bem próximo da fronteira brasileira, o governo entreguista de Alan Garcia prepara uma hecatombe socioambiental: um super-pacote de concessões de gás e petróleo para fazer a festa de transnacionais de variadas bandeiras, inclusive a Petrobrás que de verde-e-amarela só tem a logomarca.
Ameaçados pela voragem alucinante que está prestes a desabar sobre seus territórios, dezenas de nações indígenas se levantam. É o cenário de guerra que dispensa qualquer efeito especial.

Renascer a cada amanhã

Neuton Miranda, dirigente do PCdoB no Pará, merece um obtuário diferente.
Sem lamentações, sem o tom da tristeza para acentuar ainda mais sua dolorosa ausência.
Trata-se, isto sim, de lembrar que foi a defesa da vida o que motivou a intensa batalha que por longos 40 anos este comunista travou, sem tréguas.
E foi essa obstinação que o temperou nas muitas adversidades de todo um período em que a própria sobrevivência - física e política - já representava uma vitória.
Que sua trajetória - independente de se concordar ou não com todas as posições que adotou - possa servir de exemplo para as atuais e futuras gerações de homens e mulheres de bem.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Efeito Dominó

Agora a vez é do Kassab.
A metástase do DEM (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena) pode estar apenas começando.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Não há mal que dure para sempre

Na contramão da boçalidade dominante, uma decisão de um tribunal superior para lembrar que ainda existe o amparo dos preceitos fundamentais, mesmo que uns e outros imaginem ser possível consolidar um estado de sítio permanente em favor dos interesses do latifúndio e do agronegócio.
Por meses, Charles Trocate e Maria Raimunda, dirigentes do MST no Pará, viveram como foragidos, caçados pela polícia de um governo que se auto-proclama popular. Aliás, suprema ironia que deixa um rastro de consequências deletérias ao ideário de esquerda num país forjado sob a sombra da chibata.

Dialética do ato de espargir palavras

"Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais em uma tentativa. O que também é um prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes, quero apenas tocar. Depois, o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos."

Clarice Lispector


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O profeta desarmado

Num 18 de fevereiro como hoje, há 80 anos, nascia Henri, filho de família rica e herdeiro de uma civilização de conquistadores, na velha Europa do entre guerras.
Quis o destino que Henri voltasse as costas a tudo que sua linhagem pudesse representar de ostentação e riqueza.
Quis o destino que desde muito cedo aquela criança respírasse o ar da resistência contra o monstro nazista, espelho amplificado de uma máquina de moer gente muito mais longeva e tragicamente atual.
Desde 1978 adotou o Brasil como sua pátria.
Desde 1978 caminha pelos sertões amazônicos a espalhar a boa nova.
Fundiu sua vida e emprestou sua voz aos deserdados da terra. Fez-se um deles, diferente e igual, radicalmente humano como apenas os que trazem o coração puro são capazes de possuir e compartilhar.
E é isso que desconserta e, ao mesmo tempo, atemoriza seus (poucos, porém poderosos) detratores.
Não conseguem entender que por trás daquela fala mansa, daquele corpo pequeno e alquebrado posso residir a voragem eterna da resistência e da insubmissão.
Não percebem que Henri Burin Des Roziers, simplesmente frei Henri, há muito encarna o que existe de mais digno e revolucionário nestas vastidões espoliadas.
Mãos que constroem a esperança e lançam sobre a terra sementes de rebeldia, quando tantos resolveram trocar de lado para o aconchego imundo da barbárie fantasiada de modernidade, são mesmo incompreensíveis. Mais que isso: assustadoras para os que conhecem e manejam como ninguém as armas da prepotência e da morte.
Hoje, nas margens do Araguaia é dia de festa.
É dia de celebrar o vigor juvenil deste cidadão do mundo.
É dia de celebrar seu testemunho e de espalhar aos quatro cantos o vigor de seu apostolado.
É dia de enxergar o olhar luminoso daquela criança que brinca, alheia à devastação do entorno, no terreiro de um dos incontáveis acampamentos de sem terra que sabem que Henri é um dos seus.
Nas mãozinhas dessa criança, os grãos da terra que, mais cedo do que tarde, será, inteira e completamente, livre de todos os males.
Que venha, sob o rufar de tantos tambores, a terra do Bem-Virá.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Reféns do medo

Todos os dias, faça chuva, faça sol, assassinatos são cometidos impunemente na grande Belém. Quase sempre são etiquetados como acerto de contas entre bandidos a serviço do tráfico de drogas.
Mas nem sempre é assim.
Sob essa denominação genérica é comum que execuções extra-judiciais - fuzilamentos sumários - acabem recebendo a chancela - mais ou menos encoberta - das ditas autoridades.
Vejamos dois exemplos que falam por si.
Primeiro: dois jovens aparecem mortos nos confins do bairro do Aurá, nos limites com Ananindeua. Todas os indícios levavam a crer que teriam sido vítimas de traficantes que agem com enorme desenvoltura naquela região. Até que aparecem familiares denunciando que ambos, aliás com passagem pela polícia, foram vistos pela última vez com vida na noite anterior ao crime, em um outro bairro pobre ali próximo, sendo presos por uma guarnição da Rotam.
A partir daí cai o manto do mistério. Ou melhor: perdem-se as pistas, porque a família não teve como anotar o número da viatura nem qualquer outro detalhe que possa auxiliar na apuração do fato.
Com um pouco de boa vontade, um investigador dotado de consciência e profissionalismo poderá checar se essa versão é verdadeira, bastando mapear quais equipes de PMs estiveram em atuação naquelas áreas e quais ocorrências foram ou não devidamente registradas. As pegadas do crime poderão emergir e com elas estará aberto o caminho para a descoberta dos responsáveis. Se forem agentes públicos, interessa saber a soldo de quem atuavam. Milicianos contratados por comerciantes? Soldados - fardados, armados e pagos pelo Estado - agindo como pistoleiros do tráfico?
Segundo: um PM é assassinado em um bar no município de Cametá, nordeste paraense. Após perseguição, a polícia consegue deter o agressor, ferido sem maior gravidade após trocar tiros com seus captores. Internado no hospital daquela cidade, o preso acabou fuzilado por um grupo de homens encapuzados que invadiram o prédio durante a madrugada. Não deve ser muito difícil supor a identidade desses criminosos fantasiados de justiceiros, ainda mais numa localidade das dimensões de Cametá. Mas, não é impossível que a polícia refugue diante de um óbvio caso de vingança privada, sem coragem para cortam suas próprias entranhas.
O que está em discussão, além dos crimes em si, é o ambiente no qual essa prática criminosa consegue prosperar. E é justamente aqui onde mora - feito ovo de serpente - todo o perigo.

O Fantasma da Ópera

Culpar o acaso pelo desabamento de parte do teto do hall de entrada do secular Theatro da Paz é uma aposta no embrutecimento da opinião pública. O secretário de Cultura, Edilson Moura, ao formular a versão estapafúrdia e divulgá-la à imprensa, imagina poder minimizar o escândalo, inclusive na insistência de que o "forro" não teria valor histórico. Bobagem dentro da bobagem apenas para tentar erguer uma precária cortina de fumaça.

Todo o prédio, seja a parte construída em 1878, seja tudo o mais que lhe foi acrescentado ao longo de décadas, é parte de um bem tombado. Sua proteção contra toda e qualquer forma de agravo deve ser um ponto de honra, inegociável e intransferível.

Jogar esse peso sobre os ombros de fatos fortuitos - "casualidades" como diz o secretário - é o caminho mais curto para que não se localizem as verdadeiras causas materiais do sinistro, nem muito menos que se proceda a imediata varredura em todo o prédio em busca de sinais que possam servir para neutralizar eventuais situações capazes de colocar em maior risco esta joia preciosa do patrimônio histórico nacional.

Os cupins que dilaceraram o madeirame e a água que se acumulou sobre o gesso - entre outros tantos fatores possíveis - somados ao uso impróprio e predatório que se faz da Praça da República na área adjacente ao Theatro, não estão circunscritos à roleta russa da sorte ou do azar. São ações que podem e devem passar pela ação saneadora do Poder Público.

O primeiro passo, portanto, é fugir do caminho fácil da tergiversação.

O incidente possui uma enorme gravidade. É um sinal de alerta e como tal deve ser tratado.

Qualquer coisa que negue esta obviedade é margear perigosamente o infortúnio, parceiro dileto da incompetência e da incúria.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sob a égide de Momo

De hoje até a próxima quarta-feira, 17, o Página Crítica entra em recesso.
Para os que gostam e curtem o Carnaval, boa folia.
Para todos os demais, bom descanso.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

E agora, José?

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de decretar a prisão do governador de Brasília, José Roberto Arruda (eleito pelo DEM e agora sem partido).
Junto com ele, uma penca de colaboradores suspeitos de falcatruas naquilo que a imprensa cunhou de "Mensalão do DEM", mas cque corresponde a algo muito mais amplo, profundo e imoral do que apenas um esquema de compra e venda de apoio político. Arruda e seus sequazes montaram um verdadeiro e muito profissional sangradouro de recursos públicos surrupiados dos cofres do Governo do Distrito Federal (GDF), irrigando com incontáveis milhões de reais seus respectivos patrimônios.
Além disso, é muito provável que o esquema tenha ramificações em outros estados, envolvendo políticos do DEM e de um leque bem amplo de legendas.
O furo é de Andrei Meireles, da Época.

Marionete de luxo

O novo presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), engenheiro agrônomo Edilson Paiva, não faz segredo de estar a serviço dos poderosos interesses das gigantes multinacionais que controlam o mercado de sementes em todo o mundo.
Sua opinião contrária à rotulagem dos transgênicos, uma obrigação legal que desde 2004 vem sendo sistematicamente descumprida pelo governo Lula, revela que tempos ainda mais sombrios estão por vir.
Ponto para os plutocratas da Bayer, Syngenta, Monsanto et caterva.
Sinal de alerta aceso em grau máximo para os que têm plena consciência da tragédia socioambiental em pleno curso.

Recruta Zero

Enfim alguém lembrou que as Forças Armadas têm como um de seus pilares a hierarquia e a disciplina.
A demissão do general Maynard Marques de Santa Rosa, que ocupava a estratégica chefia do Departamento de Pessoal do Exército, foi uma medida acertada, mas ainda parcial.
O governo Lula havia demonstrado tamanha fraqueza quando recuara, amedrontado, há poucas semanas atrás na questão da Comissão da Verdade, acatando a espúria pressão do comando militar, que gestos de obscena indisciplina como os protagonizados pelo general Maynard poderiam se disseminar por toda a tropa.
Agora, temendo o pior, ocorre a primeira reação. Que não seja a última, sob pena das vozes dos porões sentirem-se fortes o suficiente para novas e mais arriscadas aventuras.

Ao som dos clarins

As aparências enganam. E enganam muito mais quanto mais fácil se compra a versão edulcorada de que, enfim, reina a paz no PT paraense após a tal repactuação interna no governo Ana Júlia.
Nada mais distante da realidade.
Por trás dos gestos de ensaiada cortesia, arma-se a batalha que se prefigura feroz. Movimentam-se tropas, reforçam-se o estoques de armas e munições, enquanto mapas de guerra são abertos sobre amplas mesas.
Falta apenas que o estopim seja aceso. Ou nem isso.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sonho de uma noite de verão

Imaginem só. O governo Lula ensaiou alterar a taxação das mineradoras. Uma facada bilionária que iria sangrar diretamente as gigantes do setor na única parte em que elas realmente sentem: o bolso, é claro.
Conversa vai, conversa vem, a ideia parece que foi mandada para o arquivo.
Motivo: falta de consenso dentro da própria equipe ministerial e a inevitável pressão das empresas, assustadas, segundo dizem, com o suposto risco de perda de "competitividade".
É pouco provável que, em pleno ano eleitoral, apenas argumentos técnicos tenham frequentado as discretas reuniões de cúpula que debateram o espinhoso assunto.

Não tem para ninguém

Os banqueiros - sempre eles - voltam a ocupar o primeiro lugar no podium. É deles, mais uma vez, o troféu de setor mais lucrativo. Em 2009, ano da grande crise (para os outros), a banca nacional aumentou seus extraordinários lucros em 24% frente aos resultados de 2008.
É evidente que na outra extremidade alguém pagou a conta.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Tempos Modernos

Vejamos um caso exemplar: a venda, por 450 milhões de reais, da Celpa para o Grupo Rede, um dos maiores escândalos da história recente do Pará, está prestes a completar 12 anos. Na época, sob o reinado de Almir Gabriel (PSDB), quase ninguém atentou para o ridículo ágio de apenas 0,1% sobre o preço mínimo e de apenas um consórcio comprador ter se habilitado no "leilão".
Das promessas de melhoria do serviço prestado à população e dos supostos investimentos redentores na economia paraense - quase nada restou. Aliás, a herança não poderia ser mais maldita.
Mas nem todo mundo tem motivos para reclamar. Não, isso não.
Após anos a fio remetendo os lucros obtidos no Pará para cobrir outras operações deficitárias da empresa, os controladores foram tecendo um quadro de virtual insolvência e viram a água bater muito próximo de seus elegantes pescoços. Falir um negócio tão lucrativo assim não estava em seus planos, afinal capitalista brasileiro que se preze nunca abrirá mão de recorrer ao Estado, aquele mesmo que é apontado como perdulário, ineficiente e mastodôntico.
Na hora H, chegou o socorro providencial na forma da aquisição - ou reestatização - de quase metade das ações da companhia pela holding do sistema elétrico brasileiro, a Eletrobrás. Negócio de muitos e muitos milhões. Tudo gerenciado por cima e sob controle estrito do Planalto.
Por que não assumir o controle total e auditar as peripécias do grupo privado?
Simples: tucanos (os autores da primeira privataria) e petistas (executores da operação salvamento) são muito mais parecidos do que ousam admitir. Uns e outros são elementos complementares do mesmo projeto de entrega do patrimônio nacional à sanha do lucro máximo e do risco zero.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Polícia para quem precisa de polícia

Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT): é crescente a criminalização dos conflitos sociais. O número de sem terra presos, entre 2008 e 2009, simplesmente triplicou.
No extremo oposto, grileiros e mandantes de crimes de encomenda continuam não precisando temer apodrecer no fundo de uma cela. Uma ou outra honrosa exceção, como o recente retorno à cadeia de um dos patrocinadores do martírio de Dorothy Stang, apenas serve para lembrar a regra de ferro que se mantém incólume.

Zumbilândia

Na corte do morto-vivo José Roberto Arruda, governador democrata do Distrito Federal, cada hora somente antecipa o fim inevitável.
Tem de tudo: bilhete como garantia de suborno milionário, fitas ainda mais comprometedoras e um sobrinho, secretário-particular do mandatário, flagrado como estafeta para cá e para lá com enormes sacolas de dinheiro.
Enfim, o que falta para alguém ejetar a poltrona de Arruda, jogando-o ao mar sem colete salva-vida?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Falta alguém no banco dos réus

O vento das palavras varre o Haiti.
Sua história, sonhada e recontada em voz baixa, revela a mão que esbofeteia.
Das entranhas, laceradas, a trilha do aço que não cansa de macerar.
Conhecer as faces encobertas, retirar-lhes as elegantes máscaras e perceber como gotejam, rubras de sangue alheio, os dedos que agora se apresentam como salvadores.
Eduardo Galeano, cidadão do mundo, quer chamar atenção para o escândalo. Antes que tudo seja esmagado pela pesada potência do silêncio imperial.


Criatório de tubarões

Não para de chover na horta das grandes empreiteiras brasileiras. Dinheiro público, crédito subsidiado, novos e mais apetitosos nacos de serviços públicos privatizados e a privatizar. Enfim, um mundo de possibilidades que parece não ter fim.
Por trás dessa alegria toda, a operosa mão do Estado.
Sim, do Estado - sempre aparelhado pelos de cima - e não apenas do governo de plantão, muito embora o lulismo tenha elevado a graus nunca vistos essa simbiótica - e muito suspeita - conjunção de interesses.
Matéria da Folha de São Paulo de hoje mostra como um voraz processo de concentração e monopolização de capital está em marcha. Sob as bençãos e os bilhões do BNDES.
É só a pontinha de um gigantesco novelo, cujos contornos nebulosos parecem não despertar nenhum interesse especial. Reduzir o papel do governo a um simples reforço de caixa eleitoral é não saber da missa a metade.
Pena que o debate político esteja tão limitado e indigente. Fosse outra a situação, quem sabe, estaria aí uma boa pista para se desvelar a força motriz da tragédia nacional.

Dialética da idade sem esperança

"Tenho sido um homem velho desde, talvez, os doze anos.
Minhas lembranças, um tanto esgarçadas, retrocedem a tempo mais distante ainda, captando episódios que estavam a denunciar o velho, as barbas do velho, os humores do velho, contidos num triste menino que pouco sorriu, na idade em que os meninos andam a desferir risos de pássaros, sem, às vezes, nenhum motivo. Bem cedo rejeitei o concurso de amassecas, preferindo desembaraçar-me sem arrimos, ostentando enfática e ingênua suficiência, que fazia burlesca a sofrida criança de três anos, a enfiar suas botas, a remover a roupa, a procurar o banho na hora habitual, a partir o pão, a cuidas das suas miúdas cousas, dispondo-as, cada qual, no seu lugar. Não estou louvando; estou deplorando este menino rígido como um punho cerrado, que nunca pôs a voar um papagaio, nem montou o dorso de uma árvore para colher as suas frutas. Seus sentimentos e ideias eram ideias e pensamentos idosos. E foi sempre, sem realmente o desejar, uma peça dura e estranha, um som ríspido, desalojado entre as crianças, de cuja intimidade se omitia, deliberadamente, para estar só. Nasceu daí o amor carnal pela solidão, a boca somítica de palavras, a imperícia quase orgânica de criar e cativar laços amistosos -os gestos sem doçura de um boneco de mola, a acidez, os olhos álgidos, os súbitos e ferrozes arroubos de silêncio."


Haroldo Maranhâo (1927-2004). "Allegro Ma Non Troppo" em A Estranha Xícara (p.69, Editora Saga, 1968)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Adivinhem quem vem para o jantar?

Ela, sempre ela, com sua indefectível presença, andava um tanto sumida. Pelo menos dos noticiários e da cantilena dos comentaristas econômicos.
De repente, e talvez não tão subitamente assim, eis que a tal crise econômica volta a pipocar.
Desta feita o epicentro do abalo se deu no velho continente, em terras lusitanas, para começo de conversa, porque o contágio parece ser inevitável.
As primeiras ondas já começaram a rebentar nas lucrativas praias da bilionária Bolsa de São Paulo.
Pode ser o (re)começo de um período de incertezas. Ou pode ser apenas um breve soluço. Até que as placas tectônicas do cassino global voltem a se movimentar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Quem é que vai pagar por isso?

Ao que parece, não vale mesmo um vintém furado as tais "condicionantes" com as quais o IBAMA enfeita as licenças ambientais que concede para satisfazer a gula do grande capital.
Só isso explica, por exemplo, que na polêmica e muitíssimo suspeita obra de construção da usina de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, não tenham detectado a existência de índios isolados, agora submetidos ao quase certo e letal contato com as frentes de trabalho da empreiteira Suez, multinacional francesa de péssima fama.
Quem faz a denúncia é Mary Alegretti, antropóloga e ambientalista que abraçou a causa da defesa da Amazônia e de seus povos há várias décadas, desde o tempo em que caminhava por entre os seringais acreanos em companhia de Chico Mendes.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Uma ponte de solidariedade

Além das palavras, atos concretos.
É isso que o povo do Haiti precisa. E tem todo o direito de exigir.
José Saramago aponta o caminho.
Veja como, aqui.

De alhos e bugalhos

Para a grande mídia Hugo Chávez é um Stalin ressuscitado.
A batalha que se trava na Venezuela, opondo setores da plutocracia midiática e o governo legalmente instituído, estaria mais para uma Primavera de Praga do que para as conhecidas (e sempre reincidentes) articulações golpistas latino-americanas.
A repetição é tão intensa que discordar da tese dominante exala naftalina e gera imediato desconforto.
Mas romper esse cerco informativo é uma exigência do momento.
Como separar o joio do trigo?
O jornalista Breno Altman resolveu meter sua colher neste angu de caroço.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sob a sombra do tumbeiro

Rugendas (1802-1858) retratou o ventre medonho de um navio negreiro.
A luz penetra no porão infecto onde seres humanos são destruídos por uma máquina insana. Naquele último círculo do inferno, quase metade da "carga" perecia antes da chegada ao porto. De doenças e de fome. Ou moídos até a morte pela força bruta do açoite.
O Brasil de hoje, dito moderno e globalizado, permanece tratando seus pobres - da cidade, dos campos, das florestas, pouco importa - com o mesmo desprezo com que eram tratados os africanos que atravessaram o Atlântico naqueles barcos da morte, tumbeiros, como passaram à história.
É só isso que pode explicar a forma como o Estado brasileiro - pouco importando se apropriado pelos tucanos ou pelo petismo de Lula e Dilma - continua a impor sua vontade por sobre os direitos das parcelas mais vulneráveis da população brasileira, índios, ribeirinhos e quilombolas, por exemplo.
A licença prévia para a usina de Belo Monte, expedida ontem (1º), é muito mais do que um um atentado contra a vida desses povos amazônidas. É a prova de que, passados cinco séculos, o chicote permanece vivo e atual, talvez apenas deslocado para outras mãos, mas mantendo a mesma abjeta utilidade.

Fado Tropical

Razões não faltam para se abrir, em um seleto círculo de privilegiados, um bom vinho do Porto para embalar uma operação de sucesso.
Não é para menos: a tarifa do ônibus urbano de Belém acaba de ser reajustada numa encenação bem conhecida.

O resultado também é bastante óbvio: reforço no caixa oficial das perdulárias empresas de transporte, já devidamente vitaminado com o recente pacotão fiscal patrocinado pelo prefeito Duciomar Costa (PTB) e por sua prestimosa base de apoio na Câmara.

Sobre o outro caixa - paralelo até a alma - convém não especular. Pelo menos por enquanto.

Em carne viva

O mapa da destruição da Amazônia está sobreposto às trilhas dos grandes projetos que avançam sob a bandeira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da Iniciativa de Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Causa e efeito, a destruição não é efeito colateral. É o fio condutor da apropriação do território para fins de acumulação, em escala ainda mais ampliada, pelos oligopólios do capital sem fronteiras.
O Atlas de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, excelente trabalho dos pesquisadores de Instituto Socioambiental (ISA), deixa tudo às claras, sem retoques.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ground Zero

Uma pesada cortina de silêncio desabou sobre os escombros do pequeno Haiti.
Era previsível, sem deixar de ser absolutamente cruel.
Outros fatos - ou meros factóides - atraem as lentes ávidas pela notícia instantânea e superficial.
Poucos permanecem por lá, respirando o ar carregado de dor, doença, fome e morte.
Leandro Colon, correspondente do Estadão, é um deles.
Suas matérias revelam o lado humano da tragédia. Focalizam o dia seguinte do que é apenas extensão de um sofrimento que parece não ter fim.
O caso da enfermeira salva por soldados brasileiros, após três dias do terremoto, tudo registrado por uma equipe da Rede Globo, permanece como um emblema de como o mundo pode continuar lavando as mãos na água podre do descaso e da infâmia.