domingo, 4 de abril de 2010

As aparências que enganam

Foram sete anos de espera para a primeira visita de Lula a Israel.
Ao longo deste período, não foi pequena a pressão para que houvesse um claro alinhamento da política externa brasileira aos ditames do Pentágono e de sua manifesta - e quase absoluta - postura de alinhamento com os falcões israelenses e sua faxina étnica na Palestina ocupada.
A ascensão de Obama não alterou o quadro, e as eventuais turbulências são acidentes de percurso, como esta última crise detonada pela ilegal, imoral e truculenta decisão do gabinete israelense de avançar na colonização de Jerusalém.
O Brasil, pelo menos na aparência, vinha mantendo sua tradicional posição de defender uma saída política negociada para o conflito que se arrasta há mais de seis décadas, sem qualquer perspectiva de desenlace à vista. Essa solução sempre passou pelo reconhecimento do direito dos palestinos à auto-determinação e pela fundação de um Estado próprio, cuja capital indivisível é (e será um dia) Jerusalém.
Pois bem. Lula este em Israel. Lá discursou no Knesset defendendo o reatamento do diálogo direto entre israelenses e palestinos. De passagem ainda se recusou a participar de uma agenda não oficial, mas bastante simbólica para os israelenses, causando um certo desconforto diplomático. Ao contrário da maioria dos chefes de Estado que visitam Israel, Lula não depositou flores no túmulo de Theodor Herzl, fundador do movimento sionista.
Ademais, Lula fez questão de pisar no solo ensanguentado da Cisjordânia, nos mesmos dias em que as tropas de ocupação desfechavam mais uma ofensiva, com os costumeiros assassinatos de jovens palestinos desarmados.
O que, entretanto, obteve quase nenhum registro na imprensa foi seu gesto mais concreto e que vai produzir consequências imediatas e duradouras. Este sim em aberta contradição com os que no mundo inteiro lutam pelo fim imediato do holocausto palestino.
Lula anunciou, em 15 de março, o início oficial das relações entre Israel e o Mercosul, tornando este país o primeiro a integrar o bloco fora das Américas.
Desde 2005 se arrastavam as negociações para incluir Israel e, em paralelo, os movimentos sociais e de direitos humanos impulsionam uma campanha mundial para o estabelecimento de um total boicote a produtos made in Israel. Tal qual ocorreu com o regime do Apartheid sul-africano, somente um amplo boicote comercial irá pressionar a direita israelense e forçar a retomada das negociações de paz. Uma paz justa, e não a dos cemitérios que Israel produz todos os dias, impunemente.
Todo esse esforço solidário virou pó. Agora, os produtos israelenses, muitos produzidos em terras ocupadas e manchados pelo sangue dos mártires, terão tratamento aduaneiro absolutramente privilegiado, avançando sobre mercados do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Um enorme deserviço à verdadeira luta pela paz. Uma enorme contribuição aos que já deram reiteradas demonstrações de que pretendem, em pleno terceiro milênio, continuar executando um genocídio semelhante àquele que vitimou os armênios no alvorecer do breve e dramático século XX.

9 comentários:

Anônimo disse...

Essa foi de lascar. Se boicotes comerciais dessem jeito, Cuba e a Coréia do Norte já seriam de Tio Sam há muito tempo. Critique-se o militarismo israelense, bata-se no governo Lula, mas não com aquilo que tanto reclamamos arder em nossos olhos.
Principalmente porque impor bloqueio comercial a Israel é por tabela arrasar de vez com os palestinos. Ou você tem alguma dúvida que não há comércio entre as duas partes, ainda que fortemente dominado pelo mercado negro e por vínculos precários de trabalho?

Anônimo disse...

Caro poster, alí naquela área, infelizmente, os dois lados são culpados, tem malucos radicais e intolerância de sobra.
Um lado mata com jatos poderosos; o outro com malucos-bomba.
Ambos são iguais: matam inocentes.
O resto é retórica rançosa e tendenciosa tentando justificar a estupidez de matar inocentes, como se houvesse diferença entre as atrocidades de um lado e outro.

Aldenor Jr disse...

Caros anônimos,

O conflito israelense-palestino não aceita reducionismos e simplificações.
Na raiz de tudo - e a história está aí para comprovar - está o enclave colonial representado pela criação do Estado de Israel em 1948. Antes, a ONU já havia cometido a injustiça histórica da Resolução da Partilha (29 de novembro de 1947), plantando as sementes dessa tragédia sem fim.
Em mais de 60 anos o mundo viu aquela ferida apenas se abrir e sangrar com mais abundância.
Ou seja: sem a criação de um Estado palestino, autônomo e soberano, dotado de território e com fronteiras reconhecidas e respeitadas, esse banho de sangue atroz não encontra paradeiro.
O boicote é sim um instrumento válido e legítimo para enfrentar regime de apartheid. Foi assim na África do Sul, com resultados extraordinários. Pode ser assim em relação ao Estado de Israel e sua política de limpeza étnica.
Sigamos, pois, o bom debate.

Anônimo disse...

Você defende a destruição de Israel para construir o Estado Palestino?
Se essa é a base do teu pensamento, então você também é um genocida pré-datado. Aí, o debate existirá sim, mas noutro nível e não contigo.

Aldenor Jr disse...

Anônimo das 19:39,

Não é mais viável a fórmula de um Estado para os dois povos. Um Estado laico e democrático está bloqueado definitivamente na Palestina histórica. Uma pena.
A existência de Israel não está em discussão. Ela é um fato, muito embora suas atuais fronteiras estejam em desacordo com a legalidade emanada pela resolução 181 (1947). Essas fronteiras não pararam de crescer, avançando sobre os territórios destinados aos palestinos, além de áreas do Líbano e da Síria.
Já a criação do Estado palestino é uma exigência imprescindível e inadiável. Os territórios devem ser fruto da somatória da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, além de parte oriental de Jerusalém, muito embora toda essa cidade possua até hoje status especial delegado pela ONU. Ademais, outras áreas ilegal e militarmente ocupadas por Israel na Cisjordânia deverão ser devolvidas. Menciono, especialmente, áreas ocupadas por colônias ilegais e outras
que o "muro da vergonha" subtraiu nos últimos anos do futuro Estado palestino.
Disponho-me ao debate com quem deseje expor argumentos e não simples vociferações em favor da barbárie que se processa na Terra Santa.

Anônimo disse...

Vamos continuar sim o debate, é salutar.
Mas sem posições "faca nos dentes";
sem fazer distinções dos "tipos de mortos" (mortos palestinos sempre são mártires; mortos judeus sempre são...nada;
E seria interessante tentar esclarecer perguntas até agora sem respostas, como:
- quem seria a autoridade a representar os palestinos? Sim, pois a Autoridade Palestina é um mero joguete nas mãos dos grupos armados, sempre.
Se todos os debates remeterem sempre a quem foi o primeiro culpado; quem atirou primeiro...vai sempre se chegar a situação atual: nada.
Olhar, sempre, um dos lados como bandido e o outro, sempre, como vítima também leva a...nada.
Não esqueçamos extremistas existem dos dois lados; que interessados em NÃO ACABAR o conflito existem dos dois lados.
Se toda conversação e/ou debate começar com derramamento de combustivel, a possibilidade de violência será eterna.

Anônimo disse...

Que o Estado Palestino deve existir, não há dúvida.

Mas, a quem compete criar o Estado Palestino? A Israel? Aos EUA?

A resposta não seria: aos próprios palestinos?

E o que falta, pra que eles façam isso?

A ONU autorizou a criação desse Estado desde 1947. De lá pra cá, essa autorização já foi ratificada mais de uma vez. Mais de duas, aliás.

Por que o Estado Palestino ainda não foi criado?

Anônimo disse...

"...continuar executando um genocídio semelhante àquele que vitimou os armênios...".

Qual o significado da palavra "genocídio"?

Que se saiba, a população palestina tem crescido continuamente. E a taxas mais elevadas que a população israelense.

E isto se aplica não apenas à população palestina em Gaza e Cisjordânia, mas também -- e principalmente -- à população palestina residente em Israel. Tanto que demógrafos são unânimes em afirmar que, no prazo de 30 anos, aproximadamente, a população palestina com cidadania israelense já será maior que a população judaica.

Como se explica isso, num quadro de "genocídio"?

Anônimo disse...

Boicote econômico?

Certo, mas não esqueça que todo o comércio exterior dos palestinos é feito via Israel.

Aliás, Israel é o maior comprador dos produtos palestinos. E a esmagadora maioria das importações palestinas é de produtos israelenses.

Quanto ao Brasil, é bom não esquecer que:

1 - Israel é, hoje, um dos pólos mundiais de alta tecnologia. Na Nasdaq, só é superado pelos EUA.

2 - Praticamente ninguém vive um único dia sem usar produtos de alta tecnologia desenvolvidos em Israel (como o protocolo IP, o antivírus pra internet, o telefone celular, e uma pilha de etc.).

3 - Conclusão: o boicoteiro vai continuar a usar produtos israelenses ou com tecnologia israelense. Só que vai pagar o custo da intermediação.

Muito mais sensato foi aquele cidadão lusitano que queimou o sofá...