Robert S. McNamara morreu ontem, 6, enquanto dormia. Tinha 93 anos e atravessou o século XX como testemunha e protagonista privilegiado das ações belicistas do império norte-americano, a quem serviu com inegável competência.
Qual terá sido seu último sonho, no exato momento em que a morte, implacável e definitiva, pôs fim à sua longa carreira de intelectual orgânico da elite do centro do poder mundial?
O Japão e suas centenas de milhares de vítimas, queimando em agonia sob o intenso bombardeio da aviação dos Estados Unidos enquanto ele, integrado ao alto comando aliado no Pacífico, fazia os cálculos para tornar mais eficiente - e econômica - aquela horrenda máquina de matança de inocentes?
A linha de produção da Ford em seu alucinante crescimento naqueles anos dourados quando ele, um jovem e talentoso profissional , tornava-se o primeiro presidente da corporação que não era egresso da família dos plutocratas que a haviam fundado poucas décadas antes?
A pequena e rebelde Cuba durante os dias que precederam o quase fim do mundo, na grande crise dos mísseis no início dos 60, enquanto ele, tornado principal conselheiro do presidente Kennedy antevia a iminente destruição global?
Ou, na verdade, McNamara perdeu o fôlego para sempre debatendo-se com o pesadelo da tragédia do Vietnan, afogado num mar de sangue de milhões de suas vítimas, enquanto o acre cheiro de napalm e as chamas que a tudo devoravam faziam o pano de fundo do inferno cuja culpa ele carregou até seu último dia?
Próximo do final da vida, já com 86 anos, Robert Macnamara refletiu sobre o seu passado e tentou tirar lições de tudo que viveu. Tornou-se um pacifista confesso, sem contudo abdicar completamente das razões que estiveram na base de sua carreira tão rica quanto contraditória. Rompendo a névoa da guerra tentou retirar ensinamentos e elaborar antítodos à barbárie que se manifesta na voragem estúpida e imoral patrocinada por aqueles que têm os senhores da guerra em suas régias folhas de pagamento.
Nada indica, porém, que o velho pregador tenha partido tranquilo ao perceber a incontornável capacidade de reciclagem do sistema que engendrou as cenas dantestacas que povoaram por tantas décadas o sono e a vigília deste homem atípico e genial.
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