sábado, 6 de março de 2010

Dialética da linguagem e seus descaminhos

"PALAVRAS

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num ligar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturam a linguagem. E não eu."

Manoel de Barros (1916), poeta brasileiro. Ensaios fotográficos ( Editora Record, 2000, p.57).

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