"Quando quis rezar - e só um pensamento, como um raio e raio, que em mim. Que o senhor sabe? Qual: ...O Diabo na rua, no meio do redemunho..."
Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas (p. 450).
Logo mais, às 8 da manhã, um dos mandantes do assassinato de irmã Dorothy sentará, pela terciera vez, no banco dos réus. Vitamiro Bastos de Moura, vulgo Bida, jurará inocência e verterá lágrimas como se estes cinco anos que separam o trágico 12 de fevereiro de 2005 tivessem o condão de transformar a ele - e a todos que urdirão aquela conspiração covarde - em anjos caídos, conversos sinceros e exemplares. Mas que ninguém se engane: suas mãos ainda trazem a marca indelével do sangue de uma mártir.
Não é apenas uma triste ironia que mais esta sessão especial de Justiça ocorra em plena Páscoa, a Pessah judaica e a travessia sem-fim para os cristãos. Do cativeiro à terra sem males, sonho renovado e inconcluso. Do cativeiro ainda ao cativeiro, melhor e mais precisamente, quando se olha no entorno, funda e profundamente.
Bida, com olhar de vítima, sentará no banco de réus. Enquanto isso, os sicários que ele contratou gozam do "direito" de passar o feriado em liberdade. Os pistoleiros e intermediários - Rayfran Neves, Clodoaldo Batista e Amair da Cunha - apresentam-se, agora, como detentos de "bom comportamento", como se o tempo os estivessem redimindo. Será mesmo?
Logo após sair do presídio, Rayfran disparou: no dia do assassinato, no coração da floresta, em plena Terra do Meio, ele revela ter sido "ameaçado" pela freira de 73 anos. Matou, sim, mas para se defender. Afinal, nas mãos da religiosa, misturado com terra e com seu próprio sangue, restou um exemplar da Bíblia, com o qual, num último e frustrado esforço missionário, ela tentou dissuadir seus executores.
Dorothy era e continua sendo uma séria ameaça. Ameaça , sim, o privilégio dos que transformam a terra - os rios, os bichos, as gentes - em mercadoria. Estupram sem perdão e sem remorso a dádiva mais preciosa que foi legada à espécie humana e, entretanto, borram-se de medo diante de uma anciã de fala mansa, mas de coração vocacionado a jamais transigir diante das múltiplas formas de apreentação do Mal.
Que se faça a Justiça, de uma vez por todas. A sentença a ser imposta a Bida, como a seus comparsas, deve ter um caráter pedagógico.
Ou agimos com a firmeza necessária, ou nossos sertões continuarão a encenar o duelo intermitente onde a força destruidora e corrompedora da morte insiste em se declarar vencedora.
Atualização das 9:30:
Uma manobra da defesa provocou a suspensão do julgamento. Mais uma, por sinal.
Com isso, ganham mais alguns dias e esticam ainda mais a corda da impunidade. Até quando?
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