terça-feira, 5 de agosto de 2008

Dialética da tragédia humana (vista de cima)

"Houve um silêncio, Deus e o Diabo olharam-se de frente pela primeira vez, ambos deram a impressão de ir falar, mas nada aconteceu. Disse Jesus, Estou à espera, De quê, perguntou Deus, como se estivesse distraído, De que me digas quanto de morte e de sofrimento vai custar a tua vitória sobre os outros deuses, com quanto de sofrimento e de morte pagarão as lutas que, em teu nome e do meu, os homens que em vós vão crer travarão uns contra os outros, Insistes em querer sabê-lo, Insisto, Pois bem, edificar-se-á a assembléia de que te falei, mas os caboucos dela, para ficarem firmes, haverão de ser cavados na carne, e os seus alicerces compostos de um cimento de renúncias, lágrimas, dores, torturas, de todas as mortes imagináveis hoje e outras que só no futuro serão conhecidas (...) Todos eles vão ter de morrer por causa de ti, perguntou Jesus, Se pões a questão nestes termos, sim, todos morrerão por minha causa, E depois, Depois, meu filho, já to disse, será uma história interminável de ferro e de sangue, de fogo e de cinzas, um mar infinito de sofrimento e lágrimas, Conta, quero saber tudo."

José Saramago (1922), escritor português, Nobel de Literatura (1988). O evangelho segundo Jesus Cristo, p.380-381, Editora Record, 1995.

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