A cólera que transborda, assassina, não é amor.
O tiro, insidioso e traiçoeiro, que mata sem dar oportunidade de defesa é tudo, ou qualquer coisa, mas definitivamente não é amor.
A paixão desfigurada em suas múltiplas manifestações de posse ensandecida, esta sim está na raiz de tantas tragédias, como a que abalou o país e marcou com sangue inocente, sob os olhares atentos e impotentes de tantos milhões, no modesto conjunto habitacional de Santo André, em São Paulo.
O cenário, entretanto, poderia ser qualquer um. Poderia ser uma mansão reluzente ou um casebre abjeto. A sandice que transforma a pessoa amada (?) em objeto e que lhe sentencia à morte, não possui preconceito de qualquer espécie. Está entranhada na cultura secular da supremacia masculina – “ela é minha e tenho sobre ela posse, uso, gozo e disposição” - e se reproduz e se justifica diante de uma sociedade cúmplice e só levemente envergonhada. As vítimas são contadas aos milhares, numa corrente contínua de truculência e barbárie.
Que o martírio da jovem Eloá sirva de lição e de alerta. Há um elo quebrado, cuja existência sinaliza a proximidade – inapelável? – de uma convivência social cada vez mais condicionada pelo signo da posse, da violência de gênero e da coisificação das relações humanas.
Porém, há uma saída. Em algum lugar, frágil e sufocada, germina a possibilidade de instituir formas humanizadas e verdadeiramente amorosas de convívio. Resta saber quem se habilita a viver essa aventura civilizatória na contramaré dos cinzentos tempos em que vivemos.
Um comentário:
Infelizmente, o desfecho do caso nos leva a refletir sobre nós e o que somos, o que queremos, o que não queremos. E a maioria das pessoas que escuto queriam que o causador disso tudo fosse executado pelos atiradores de elite, como se isso resolvesse definitivamente o caso. O golpe foi duríssimo para as famílias envolvidas. Não há como mensurar a revolta, a indignação, a comoção da sociedade. Mas, a mãe da menina Eloá, no ápice de seu sofrimento, nos surpreende e autoriza a doação de todos os orgãos que puderam ser aproveitados. Talvez, Aldenor, este seja um pequeno (grande) gesto em direção à aventura que propões. Quanto aos justiceiros, será que a sociedade prefere se igualar ao rapaz? Infelizmente este rapaz não é o primeiro, nem será o último ser humano egoísta e doente que causará dor a alguém neste mundo.
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