domingo, 3 de janeiro de 2010

Acorda, Alice. Ainda há tempo

Brasil, país das maravilhas, dormiu no berço mais esplêndido da maciça propaganda neste final de ano. Não se tratou apenas do previsível bombardeio da mídia governamental. Esta, como era de se esperar, ancorada na versão "Pra frente, Brasil" do reinado lulista. O que chamou atenção foi a verdadeira enxurrada de filmes promocionais das mais importantes corporações do país que louvaram as conquistas do ano que terminava e lançaram luz sobre o futuro brilhante que nos espera virando a esquina.

É só assim que devem ser lidas as campanhas de mastodontes como a Vale, Bradesco e Itaú, por exemplo, todas sintonizadas com a disseminação do clima de inegável otimismo verde e amarelo.

Esta aliança midiática estatal e privada bateu, à exaustão, na promessa da combinação de gigantismo econômico com uma (suposta) política de distribuição mais equânime dos resultados do crescimento. Sua eficácia, porém, não deve ser desprezada, justamente porque não labora sobre campo infértil. Ao contrário, surfa numa onda que tem raízes na realidade concreta.

A questão é saber até quando o efeito lisérgico perdurará, encobrindo com lantejoulas douradas uma sociedade fraturada de cima abaixo, que sangra e expele suas mazelas através de espasmos contínuos de uma barbárie que vai se incorporando ao cotidiano de todos, sem respeitar, vez por outra, mesmo os muros de proteção que a elite busca erguer para manter longe, na planície distante, os ecos da surda guerra civil que não dá sinais de arrefecimento.

É evidente que tudo já está inscrito no contexto sucessório de 2010. Mas não de uma forma tão direta e unilateral como a primeira vista pode parecer. O jogo é um tanto mais complexo, sem deixar de ser bruto, como convém às disputas onde não estão em jogo o que efetivamente importa. E as fichas vão sendo lançadas sobre o enorme pano verde do multimilionário cassino eleitoral, não necessariamente em um único e solitário número. Apostas múltiplas são aceitas sem problemas. Ganhar ou ganhar (com este ou aquele candidato da ordem, pouco importa) se transforma em questão de sobrevivência. Vale dizer: sobrevivência de um modelo que deve se perpetuar – com maiores ou menores ajustes – desde que os interesses dos de cima sejam corretamente preservados.

Apesar de tudo, um ano novo é sempre um tempo de expectativas. De renovação de esperanças, por mais esquálidas e esfarrapadas que estas possam parecer para os que foram dilapidando a capacidade de indignação ao longo do tempo.

Uma hora dessas, quase sem aviso aparente, eis que o gigante desperta. E seu rugir soará como música para uns e como o réquiem desesperador para outros que dormem embalados pela falaciosa pretensão de ter posto o ponto final na História.

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