A Colômbia sob Uribe é um laboratório do que há de pior na política sul-americana. Como um estato-títere, contaminado até a medula por suas relações carnais com o narcotráfico, não causa o menor constrangimento aos seus governantes exercer o triste papel de neocolônia, armada até os dentes e sempre disposta a executar, interna e externamente, os serviços sujos que lhes forem confiados por Washingthon. A imposição de uma saída militar à crise com as Farc, por exemplo, é a pedra de toque da política belicista implantada há quase duas décadas, mesmo que isso represente a ampliação sem precedentes dos custos humanos e materiais de uma guerra civil que se arrasta desde meados do século passado.
Por tudo isso, não se deve estranhar que o governo colombiano comemore a suposta morte do líder máximo das Farc, Manuel Marulanda, vítima de um ataque cardíaco no final de março em plena selva, segundo afirmam fontes anônimas, mas “confiáveis”, pelo menos para os propósitos propagandísticos de Uribe e seus generais. O eventual desaparecimento do velho guerrilheiro de quase 80 anos é apresentado como um troféu, símbolo de que a estratégia de guerra total aos insurgentes estaria dando certo. Tudo, porém, pode não passar de uma eficiente cortina de fumaça.
Vejamos: Marulanda pode mesmo ter falecido. Sua saúde dava sinais de fragilidade há muitos meses, agravada pela impossibilidade, dada as condições difíceis do ponto de vista militar, que ele recebesse tratamento adequado. Mas também é verdade que, desde um bom tempo, o comando das forças guerrilheiras passou a ser exercido por uma junta de vários comandantes, que na prática substituíram “Tirofijo” (tiro certeiro, em tradução literal) em suas funções de mando. Sua eventual morte não altera o cenário da guerra, antes, pelo contrário. Cada vez mais isolada, a guerrilha tende a endurecer suas ações, retardando uma solução humanitária à crise dos reféns e prolongando indefinidamente a situação de beligerância.
Uribe sabe muito bem disso. Não tem esperanças de uma vitória militar retumbante. O que quer, neste momento, é colher frutos em outra seara, a da política interna. Mergulhado em uma desgastante crise ética, com parte de sua base parlamentar – cerca de 50 congressistas – investigada por envolvimento em crimes variados relacionados aos paramilitares – interessa ao governo desviar as atenções e continuar fustigando a guerrilha, de forma intermitente. Por outro lado, renasce no meio político colombiano a proposta de alterar a Constituição para que Uribe possa concorrer a um terceiro mandato consecutivo, uma re-reeleição (como são pouco originais os governantes dessa parte do planeta!).
Só o tempo dirá se Marulanda de fato faleceu nas circunstâncias alegadas pelo governo e quais as conseqüências deste fato para o futuro imediato da Colômbia. Até agora, as Farc têm dado declarações dúbias. A Agência de Notícias Nova Colômbia (veja link entre os Preferidos deste Blog), apontada como porta-voz extra-oficial da guerrilha, acaba de emitir um comunicado dúbio. Ressalvando que até o momento o Secretariado Nacional das Farc não se pronunciou sobre o tema, “única fonte verdadeira”, a nota relembra que pela lei da vida, o trânsito de todos pela terra é circunstancial. A diferença, afirma, é saber o que se fez e em benefício de quem, sendo que a vida de Manuel Marulanda é “rica em lutas e êxitos”. Em seguida, praticamente admitindo a morte do legendário guerrilheiro, dá conta que “se morreu, sua passagem não foi estéril pela pátria de Bolívar, diferentemente de muitos que não serão recordados ou simplesmente receberão o desprezo das gerações futuras”, conclui o despacho emitido na noite de ontem, 24.
Foi o próprio Marulanda (Pedro Antonio Marin em sua certidão de batismo), fundador das Farc em 1964 e participante da luta armada desde 1948, ainda com 19 anos, quem disse certa vez que as autoridades governamentais teriam anunciado sua morte umas “1200 vezes” nos últimos anos. Involuntariamente, teriam contribuído para reforçar o mito que existe em torno de sua militância. Tudo indica, entretanto, que desta feita podem ter acertado o alvo.
Atualizada em 14h45,
Agora é oficial. A rede Telesur, com sede em Caracas, acaba de noticiar que o Secretariado das Farc emitiu nota confirmando que Manuel Maralunda "morreu no último dia 26 de março, de infarto, nos braços de sua companheira e acompanhado de sua guarda pessoal". O mesmo comunicado informa que assume o lugar de Marulanda, como comandante máximo da guerrilha, o advogado Afonso Cano (cujo nome verdadeiro é Guillermo León Sáenz Vargas), há vários anos integrando os escalões superiores da organização colombiana.
3 comentários:
É o começo da derrocada das Farc. Já era tempo. Mesmo sob o domínio norte-americano, a Colômbia precisa de paz.
Que tal o blogueiro falar um pouquinho do terrorismo, das mortes descabidas de inocentes que as Farc fazem e feizeram durante todos estes anos? Ou será que você acredita que eles são inocentes?
Cabe ao povo da Colômbia decidir se quer permanecer nas mãos dos Estados Unidos. Mas, tenho certeza que as Farc eles não querem no poder.
Suas certezas, caro anônimo das 17h23, devem ser baseadas em pressupostos ideológicos ou são fruto de pura de desinformação. O que você diz ser "terrorismo" deve ser lido como parte de uma processo de guerra civil, que dura décadas, e é precedente à própria guerra fria, de onde, suponho, derivam parte de suas "certezas".
A pacificação da Colômbia - cada vez mais urgente e necessária - passa por um amplo acordo nacional, que inclua na mesa de diálogo todas as forças beligerantes, com destaque para as Farc. Supõe, também, o combate à narcopolítica, esse câncer que sobrevive e se nutre dos bilhões de dólares enviados pelos senhores de Washingthon, supostamente destinados a erradicar o tráfico de cocaina, nos marcos do malfadado Plano Colômbia. Não esqueça que Álvaro Uribe é expressão da parte necrosada da política colombiana. Sua permanencia no poder, isto sim, representa a certeza de que teremos mais sangue derramado nas terras desse país-irmão.
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