A imagem do engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, ensangüentado e cercado pelos guerreiros Kayapó, está correndo o mundo. A Folha de São Paulo, em primeira página, sapecou na legenda da foto: “Selvageria”. A expressão, carregada de significado e rancor ideológico, não deixa de revelar um sentimento de pânico. Afinal, alguma peça pode mesmo estar fora de ordem, com um bom potencial de turbar a marcha acelerada dos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia. Um sinal de alerta capaz de inocular dúvidas no onipotente mercado, que já se assanha de olho no mega-leilão da usina de Belo Monte, previsto para 2009 – esses barrageiros são mesmo uns otimistas – apontada como a jóia da Coroa (na verdade, um dote de mais de US$ 7 bilhões).
Ainda é cedo para se saber ao certo o que detonou a reação dos integrantes das diversas etnias que se encontram reunidos em Altamira, reeditando, 19 anos depois, o histórico encontro de povos indígenas do Xingu. Talvez uma frase mal-colocada – “Nós iremos à guerra para defender o Xingu” - cujo sentido abstrato pode não ter sido apreendido corretamente pelos indígenas. Ou, quem sabe, a explosão decorreu de um lento acúmulo de frustrações e humilhações que esses povos enfrentam há décadas. Porém, as causas mais profundas são de amplo conhecimento e resultam de cinco séculos de cruel e sistemático etnocídio, realizado sempre em nome dos valores do progresso e civilização.
Para os que imaginam que o facão dos Kayapó teria inaugurado a violência, nunca é demais recordar as palavras do barão Johann Jakob von Tschudi, diplomata e naturalista suíço que percorreu o interior do Brasil na segunda metade do século XIX: "Os portugueses adotaram os meios mais infames para atingir esse objetivo. [...] Nenhuma nação européia se rebaixou tanto para manchar seu nome e sua honra como Portugal (...) Nos últimos tempos, apesar de já existir uma Constituição brasileira, que, infelizmente, tem sido implementada de forma muito precária, a guerra de destruição contra os índios na província de Minas Gerais ainda continua".
5 comentários:
Para refletirmos:
Além de acabar com a cultura dos povos tradicionais e guerreiros do Xingu, Belo Monte, já está mais do que comprovado, é inviável economicamente para o País. A usina vai produzir 11 mil kws de energia apenas três meses por ano. No restante, por causa da vazão do rio Xingu, a produção de energia cairá para no máximo 3 mil kws´, o que a tornará inviável pelo alto custo para manter um projeto deste porte. Em nome da ganância nacional, as terras dos Kaiapós, Xipaiais e tantas outras etnias serão praticamente exterminadas.
Será que a exemplo dos povos que habitavam os arredores de Tucuruí, os índios vão amargar décadas de êxodo, em nome da produção nacional e do suposto desenvolvimento? Até hoje, os remanescentes da barragem de Tucuruí sofrem sem ter onde produzir, morar viver, e, ultimamente, já viraram até marginais, invadindo a base da usina, desligando motores e outras atitudes ilegais. Por trás de todo este quadro, estão famílias inteiras que foram expulsas de suas terras, obrigadas a deixar sua cultura, seu modo de vida e de sobrevivência para que o Brasil pudesse ter energia, aumento de produção, desenvolvimento e outros trelelês. E quem garantirá a manutenção da vida e da cultura dos guerreiros do Xingu?
Que Deus tenha misericórdia do Xingu.
Pensemos, não custa nada.
A necessidade de energia no futuro, tão apregoada pela gangue capitaneada pela senhora Dilma Roussef, não passa, na verdade, da sanha de empreiteiras e sua fauna acompanhante por lucros exorbitantes. A coisa é tão descaradamente escandalosa, que os estudos de impacto ambiental serão feitos pelas próprias empreiteiras, com a benção de uma desembargadora que envergonha a Justiça. Infelizmente sobrou para um engenheirozinho colocado no encontro como boi de piranha, um ignorante e arrogante porta-voz de seus abonados patrões. Isso, para a Folha de São Paulo e o restante da imprensa ( aquela que gozará das benesses da farra na construção de hidrelétricas, como sempre), é chamado de "selvageria". O termo, na verdade é correto, porque os índios vivem mesmo na selva, mas a acepção usada pela Folha ( assim com o foi há anos pela Veja) é totalmente calhorda, porque eles fecham os olhos para a violência perpetrada há séculos contra os índios, mas se horrorizam quando os mesmos reagem no mesmo patamar.
Já refleti!
Sinceramente acredito que haja muita hipocrisia no trato desta questão de Altamira, pois se começarmos a justificar a verdadeira bandalheira que vem sendo há muitos anos patrocinada pelos índios no Brasil então é melhor entregar o Planalto para um cacique Caiapó.
Essa conversa fiada de 'peninha' dos índios é ridícula pois fica muito bonita nas tribunas de periferia.
Ao que parece muitos preferem não ver que essa etnia perdeu sua cultura nativa há décadas e hoje vive perfeitamente 'ocidentalizada', 'civilizada', e, o que é pior, cometendo crimes e delitos graves sob o amparo de uma impunidade constitucional.
É patético querer defender os indígenas com o argumento falacioso de que Brasil não precisa de mais uma usina hidrelétrica: PRECISA SIM!
Precisamos de energia e quanto mais melhor, pois estamos a beira de um colapso energético, e se tiver que ser criada no Xingu ou no raio-que-o-parta, que seja, pois somente podemos respeitar o direito de uma minoria quando este direito não estiver atravancando, impedindo, o desenvolvimento da maioria que somos nós, os cara-pálidas, e o Poder Público deve então desenvolver programas sociais para acabar com essa pantomima de ocas, tabas e cocares de uma vez por todas, tornando o índio o verdadeiro cidadão brasileiro que de fato é.
Todavia caso alguém ainda acredite e defenda aquela piada de que 'os índios são os verdadeiros donos desta terra' então, como sempre digo, não fiquem apenas nessa constatação cretina (exemplo hipotético por analogia: "Eu roubei 100,00 do meu vizinho e todos os dias eu exibo para todo o mundo e digo: - olhem, esses 100,00 são do meu vizinho! É ele o verdadeiro dono! Coitado dele!") e façam alguma coisa, começando por sí mesmos entregando todos os seus bens para o primeiro pajé de calça jeans e camiseta que encontrarem pela frente.
Enfim, é o que penso.
E parabéns pelo blog.
Ricardo Pinto
www.temporaldeideias.com
Ricardo Pinto,
Em nome do pluralismo, muito embora não concorde com nenhum de seus argumentos, publico seu comentário. Como você parece ser uma pessoa ilustrada, mesmo que dotado de concepções retrógradas, sugiro a leitura do excelente livro Tenotã-Mõ - Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (2005, 341p), organizado pelo professor A. Oswaldo Sevá, da Unicamp.
O texto integral pode ser baixado no seguinte link:
http://www.viomundo.com.br/denuncias/tenotamo-site-estreia-novo-servico-oferecendo-livro-que-explica-campanha-contra-barragem-no-xingu/
Obrigado por visitar o Página. Volte quando quiser.
Para os povos indígenas, a dor é um fato da vida. Se provamos do doce, também temos de provar do amargo. A vida é assim. Por isso, cedo os índios se familiarizam com a dor. Como os Kayapó, por exemplo, que, para marcar a passagem para a vida adulta, se escarificam usando a mandíbula afiada do peixe cachorra. São cortes profundos ao longo dos braços, que sangram muito. Para quê? Para lembrar ao indivíduo que ele não é melhor, nem pior que os outros, que assim como ele pode fazer mal aos outros, eles também podem lhe fazer o mesmo. A nossa sociedade é muito mal acostumada, com a sua mania de "estágio evolutivo avançado", de renegar elementos naturais dos quais nunca vai se desvencilhar. O cheiro corporal, a violência, a dor. A Eletronorte, expressão de um desenvolvimento social que busca nos distanciar do mundo desconfortável onde se dorme no escuro, onde a comida tem que ser consumida toda no mesmo dia, onde não se assiste TV, essa Eletronorte no fundo não liga a mesmo para o povo da região que lhe dá o nome. E um golpe de terçado no braço do engenheiro da Eletronorte representa, simbolicamente falando, menos que uma agressão inconseqüente, de bar de periferia, representa aquele lembrete básico: a Eletronorte está nos trazendo uma dor como esta, só que multiplicada milhares de vezes. Que não poderá ser tratada à base de rifamicina, e que talvez nem vá cicatrizar. A dor do engenheiro Francisco Rezende, tomara que lhe sirva de ponto de partida para um profundo questionamento pessoal, em que a lembrança da sua própria fagilidade mostre também a fragilidade da Amazônia, diante dos barrageiros e assemelhados.
Artur Dias
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