segunda-feira, 14 de abril de 2008

Um herói de verdade

Alguns setores da imprensa cunharam a expressão pejorativa "Bolsa-Ditadura" para designar o suposto exagero na concessão de indenizações a atingidos pelo regime militar. A grosseira ironia vai ao limite de insinuar que teria sido "um bom negócio" ter sofrido perseguições nos anos de chumbo. Avançando um pouco mais, os críticos chegarão a questionar a própria existência da ditadura. Não terá sido uma invenção da esquerda - este pote inesgotável de rancor e revanchismo? Ou, por outro lado, não teriam feito um bom investimento para, quatro décadas depois, ganhar uma bolada dos cofres públicos?
A indenização pecuniária às vítimas ou aos seus familiares é um dos poucos avanços obtidos nos últimos anos, mas é claramente insuficiente. Está muito longe de ser uma reparação à altura dos crimes inomináveis cometidos num passado tão recente. Insuficiente também porque consagrou a impunidade, através de uma interpretação equivocada da lei de Anistia de 1979, que acabou por premiar aqueles que agiram nos porões como uma verdadeira gestapo tupiniquim, torturando e matando dezenas de brasileiros.
Em momentos em que a confusão de valores impera, sempre é oportuno recordar - e manter viva - a memória de heróis brasileiros como o paraense Manoel Raimundo Soares, sargento do Exército, preso, torturado e barbaramente executado nos primeiros anos do regime militar. De família humilde, ele migrou para o Rio de Janeiro aos 17 anos, logo aderindo à militância política. No quartel, foi um dos líderes destacados no forte processo de politização das camadas inferiores das Forças Armadas, nos anos imediatamente anteriores ao golpe de 64. Perseguido, caiu na clandestinidade. Em março de 1966, em Porto Alegre, é detido por homens do Exército e arrastado ao inferno da tortura e do pau-de-arara. Durante cinco meses esteve sofrendo nas garras de seus algozes, de prisão em prisão, sofrendo as mais lancinantes torturas, até que seu corpo foi localizado, boiando nas águas do rio Jacuí. Detalhe: suas mãos estavam amarradas e em seu corpo havia sinais evidentes de espancamento.
Muitos anos depois, em 2005, a viúva de Manoel Raimundo, obteve o direito à pensão vitalícia, retroativa a agosto de 1966, mas os criminosos que o assassinaram permanecem livres, gozando de total impunidade. Muitos continuaram na carreira militar, alcançando altas patentes.
Para crimes hediondos como esse não há indenização que suplante o sofrimento e a tragédia que se abateu sobre sua esposa e demais familiares.
O que está faltando para que este digno filho do povo do Pará receba, em sua terra natal, uma homenagem que eternize seu nome e seu exemplo?

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo que o Estado tem de reparar o mal que foi feito durante os anos de chumbo da ditadura militar. Isso deveria ser feito historicamente, nem vou voltar muito no tempo, se não teria de tratar da reparação a que tem direito índígenas e negros nesta terra Brasílis. Poderíamos só pra começar falar da reparação a que teriam direito os sobreviventes e seus descendentes da guerra de Canudos ou do contestado. O Estado brasileiro nem se quer pediu desculpas (o Exército então só tem boas recordações sobre o conflito) por esses crimes. Mas o que me parece muito obscuro são os critérios usados pela comissão sobre quem deve ser idenizado e o valor dessa idenização.
Reitero que acho positiva a iniciativa do Estado brasileiro reparar de algum modo o mal que fez e concordo que isso só será encerrado quando os criminosos (torturadores) pagarem pelo que fizeram.

Cláudio

Aldenor Jr disse...

Caro Cláudio,

Os critérios para a concessão das indenizações são estabelecidos em lei. A Comissão que se encarrega do assunto faz um juízo técnico e define os valores. É muito difícil calcular quanto vale dez ou 15 anos de perseguição. Qual o valor capaz de reparar os agravos sofridos por tantos brasileiros sob o regime militar? Difícil definir, por certo. O importante é que não ficasse limitado apenas à reparação pecuniária. A sociedade brasileira tem o direito de conhecer toda a verdade e ver a memória de seus mártires devidamente preservada.
Obrigado pela visita e volte sempre.

Anônimo disse...

E no caso dos que adeririam à luta armada? Se, conscientemente, assumo o risco de ser morto em combate, isto dá direito a indenização à minha família? E os que, hoje, têm carreira acadêmica, artística, empresarial, política etc., e não têm necessidade de indenização para sobreviver?
Em que medida as indenizações não podem custar um saque a mais aos cofres públicos, considerando os casos acima referidos?

Artur Dias

Aldenor Jr disse...

Caro Artur,

A enorme maioria dos assassinados pela ditadura - inclusive os que até hoje figuram na lista dos desaparecidos - não "morreram em combate". Foram, isto sim, presos, recolhidos a prisões legais ou clandestinas e, em seguida, trucidados já sob a pretensa guarda do Estado brasileiro. Daí que o direito às indenizações é líquido e certo.
Como disse, existe uma legislação regulando a concessão de benefícios pecuniários. Não se trata de arbítrio de quem quer que seja.
Vamos continuar debatendo o assunto.