1626, na boca do grande rio, sob o calor das imensas fogueiras nas quais ainda ardiam os restos calcinados das grandes malocas tubinambá, com o ar contaminado pelo odor de uma torrente de sangue humano que parecia não ter fim, pisou no sítio onde nasceria, pouco tempo depois, a cidade do Pará, Bento Maciel Parente, um exímio exterminador de índios. Sua missão: quebrar a espinha dorsal da resistência indígena que infernizara, nos últimos sete anos, as tentativas de penetração do exército colonial. Cabia a ele e a seus soldados portugueses, auxiliados por centenas de outros tapuios feitos prisioneiros e cúmplices do massacre de seus iguais, silenciar a guerra de guerrilhas que tivera início tão logo o forte de Belém fora construído, na beira do rio, mas com seus canhões apontados para o território, mirando a floresta e os povos que dela faziam abrigo e trincheira.
Era preciso dar uma lição aos resistentes, que afirmasse de uma vez por todas a supremacia dos invasores. O meio escolhido foi mandar prender 24 dos principais líderes indígenas e que decretar que fossem mortos sem demora. Mas não uma morte qualquer. Uma morte que servisse de exemplo, atroz e definitivo.
O que terão pensado os jovens guerreiros, encobertos pela vegetação, ao ver seus líderes com os pés amarrados a duas canoas e, um a um, cruelmente despedaçados quando os remeiros impulsionavam-nas em direções opostas?
Tantas perguntas terão feito aqueles que, apesar do horror, não tardaram a realizar novos e infrutíferos ataques contra os homens de bombardas e arcabuzes, até que não houvesse mais condições de resistir ali e os sobreviventes se embrenhassem na floresta, fugindo para bem longe, descendo os braços do rio-mar em busca da terra sem-males.
Como lembrou Bertold Brecht, ao encerrar seu poema "Quem construiu Tebas de sete portas?", são tantos relatos, tantas perguntas, para tentar rasgar o inescrupuloso manto de silêncio que faz da história da humanidade uma sucessão de fatos heróicos a partir do olhar exclusivo dos vencedores. Mas, incrivelmente, as pegadas dos tubinambá e seus gritos de guerra estão aí para quem tiver capacidade para perceber. Basta olhar e ouvir com atenção e zelo para descobrir que os vencidos de ontem não pararam jamais de caminhar.
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