Do renomado jornalista inglês Robert Fisk, 62, do "The Independent", hoje, na Folha de São Paulo:
Como é fácil desconsiderar a história dos palestinos, apagar a narrativa de sua tragédia, evitar mencionar uma grotesca ironia sobre Gaza que em qualquer outro conflito estaria entre os primeiros fatos a serem mencionados pelos jornalistas: o fato de que os proprietários originais, legais, das terras israelenses que os foguetes do Hamas agora tomam como alvo vivem em Gaza.
É por isso que Gaza existe: os palestinos que viviam em Ashkelon e nos campos vizinhos -Askalaan, em árabe- foram expulsos de suas terras em 1948, quando Israel foi criado, e terminaram nas praias de Gaza. Eles ou seus filhos, netos e bisnetos estão entre o 1,5 milhão de palestinos amontoados na fossa fétida de Gaza, onde 80% das famílias um dia viveram em terras que hoje pertencem a Israel. Esse é o verdadeiro assunto, em termos históricos: a maioria dos moradores de Gaza não vem de Gaza.
Mas, ao assistir aos telejornais, seria de imaginar que a história começou ontem, que um bando de islâmicos anti-semitas, barbados e lunáticos subitamente irrompeu dos cortiços de Gaza e começou a disparar mísseis contra Israel, um Estado democrático e amante da paz, e por isso atraiu a justa vingança da Força Aérea israelense. O fato de que as cinco irmãs mortas no campo de Jabaliya tenham avós oriundos das mesmas terras cujos proprietários mais recentes as mataram em um bombardeio simplesmente não é mencionado.
Tanto Yitzhak Rabin quanto Shimon Peres disseram, nos anos 90, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, e o motivo é compreensível. A existência de Gaza serve como lembrete aos israelenses das centenas de milhares de palestinos que perderam seus lares, que fugiram ou foram expulsos por medo da limpeza étnica que Israel conduziu 60 anos atrás, quando levas de refugiados ainda vagueavam pela Europa e um bando de árabes expulsos de suas terras não preocupava o mundo.
Bem, o mundo deveria se preocupar, agora. Aglomerado em uma das regiões mais superpovoadas do planeta vive um povo que mora em meio ao lixo e aos esgotos e, nos últimos seis meses, vive sem energia elétrica ou comida suficiente, vítima de sanções impostas por nós, o Ocidente. Infelizmente para os palestinos, a mais poderosa voz política -e falo do intelectual Edward Said, e não do corrupto Iasser Arafat (que falta os israelenses devem sentir dele no momento)- se calou, e o sofrimento deles não está sendo exposto ao mundo por seus deploráveis e tolos porta-vozes.
"Trata-se do lugar mais aterrorizante que já visitei", disse Said sobre Gaza. É claro que coube à ministra do Exterior israelense, Tzipi Livni, admitir que "ocasionalmente os civis também têm de pagar", argumento que ela não apresentaria caso as estatísticas sobre mortos fossem revertidas. Se mais de 300 israelenses tivessem morrido, podem ter certeza de que os números seriam enfatizados.
Descobrir que tanto os EUA quanto o Reino Unido se recusam a condenar a agressão israelense e atribuem a culpa ao Hamas não surpreende. A política dos EUA e a de Israel para o Oriente Médio se tornaram impossíveis de distinguir. Como de hábito, os sátrapas árabes, em larga medida bancados pelo Ocidente, optaram pelo silêncio e convocaram uma ridícula conferência de cúpula sobre a crise, que apontará um comitê para preparar um relatório que jamais será redigido.
Pois é assim que funciona o mundo árabe e seus corruptos governantes. Quanto ao Hamas, ele com certeza apreciará o desconforto causado aos potentados árabes e esperará cinicamente que Israel dialogue com ele. E o diálogo acontecerá.
Na verdade, dentro de alguns meses, seremos informados de que Israel e o Hamas vinham conduzindo "negociações secretas" da mesma maneira que um dia ouvimos a mesma notícia sobre Israel e a ainda mais corrupta OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Mas, quando isso acontecer, os mortos já estarão sepultados, e nós estaremos enfrentando a crise que surgirá depois da mais nova crise.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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