Hoje é dia de festa em Anapu, pequeno e pobre município perdido na Terra do Meio, sudoeste do Pará. Vai ter missa. Cânticos, orações e um almoço comunitário movimentarão a comunidade. À noite, no salão paroquial, o "Forró da Dorothy" vai encher de música e alegria um solo encharcado de suor e sangue. Celebração da vida. Celebração da presença viva de quem soube se doar - integralmente - para que todos alcançassem a vida em plenitude. Terra sem males, reino de Deus, socialismo, ou de tudo, um pouco.
Dorothy morreu, mas permanece incrivelmente viva. De fato, naquela manhã chuvosa de 12 de fevereiro de 2005, ela recebeu seis tiros a queima rouba. É verdade também que seu corpo pequeno de mulher de 73 anos, ensangüentado, tombou sobre o solo de um sonho tão sonhado: o PDS Esperança, um punhado de hectares disputado a ferro e fogo por dezenas de famílias camponesas e um seleto grupo de grileiros e pecuaristas, estes, aliás, conhecidos na região pela sintomática alcunha de "sudanzeiros".
Em uma de suas mãos a missionária carregava sua mais perigosa arma, um exemplar da Bíblia. Consta que ela ainda tentou argumentar com seus matadores. Usou a palavra, ferro que fere e tem mais força que balas "dum dum". Definitivamente, quem se dispuser a ultrapassar os muitos quilômetros de atoleiro até Anapu, poderá encontrar a sepultura, singela e absolutamente despojada de luxos e adereços, onde repousa os restos dessa missionária nascida nos Estados Unidos e brasileira por opção.
Apesar de todas essas provas materiais, desafiando o olhar dos céticos, Dorothy tem sido vista recentemente e cada vez mais. Basta que as foices se levantem e as cercas da injustiça sejam quebradas, para dar passagem a uma nova legião de sem-terra e suas rubras bandeiras, para que a presença de Dorothy seja notada. Palavra que corta, fermento de rebeliões.
Hoje, e sempre, é dia de celebrar o nascimento da esperança dos que não se rendem nem se vendem.
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