terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Que chamem Maíra

Na complexa cosmologia Tembé-Tenetehara, Maíra é o herói mítico responsável pelo ciclo da criação. Estes indígenas do tronco Tupi-Guarani nunca estiveram tão ameaçados, com suas terras invadidas por madeireiros e colonos há várias décadas. Talvez a saga dos Tenetehara - é assim que se autodefinem, significando simplesmente gente, índios no geral - do lado paraense não seja menos trágica que a de seus irmãos maranhenses, os Guajajara, igualmente vilipendiados em seu direito à sobrevivência pela contínua expansão da fronteira agrícola.
Nas últimas semanas o conflito entre índios e posseiros atingiu o grau máximo. É previsível novas situações de violência, como a que faz reféns, desde domingo (17), pelo menos 25 indígenas de três famílias Tembé, impedidos de sair da aldeia Itahu por mais de 2 mil pessoas arregimentadas entre os muitos colonos que ocupam ilegalmente a Reserva Alto Rio Guamá de 279 mil hectares.
Os Tembé estão nesta região entre os rios Guamá e Gurupi desde 1845. Há farta documentação historiográfica reconhecendo a posse dessas terras. Durante décadas dedicaram-se à extração do óleo de copaíba, que era negociado com os regatões que percorriam os rios. O sistema utilizado era o do aviamento, através do qual as mercadorias eram adiantadas e posteriormente pagas com produtos florestais coletados pelos índios. A truculência dos comerciantes provocou o primeiro conflito documentado em 1861, quando nove brancos foram mortos. Índios foram espancados pelo responsável pela apuração dos crimes e nove crianças indígenas foram raptadas e remetidas a Vizeu. A partir daí, no ano seguinte, os regatões foram proibidos de ingressar na área indígena e a população Tembé foi reunida e novos aldeamentos. Essa proibição, é claro, jamais foi obedecida.
Muitas décadas depois, em 1943, foi oficialmente criada a Reserva do Alto Rio Guamá, mas sua homologação só ocorreu, após inúmeros conflitos, em 1996. Até hoje a área não foi liberada para o usufruto exclusivo dos 1500 índios e permanece ocupada por 25 mil colonos.
Mais uma vez anuncia-se a formação de uma força-tarefa (Funai, Incra, PF e órgãos estaduais) para tentar debelar o conflito, evitando um desfecho sangrento. Que a emergência da intervenção não sirva de desculpa para o adiamento de uma ação profunda e estrutural na área, assegurando, de uma vez por todas, os direitos inalienáveis do povo Tembé às suas terras ancestrais.

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