terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Um país sodomizado

- Não tem crise pior do que ficar amolando pensamento em pedra cega.
- Eita, a chuva está engrossando...
- Eu to vendo, eu não sou cego?


Cláudio Assis (Amarelo Manga, 2003), premiado cineasta pernambucano, não veio para consolar, nem para entreter. Seus filmes são descargas elétricas de milhares de volts. Ninguém consegue sobreviver à projeção sem que a pele e o coração saiam marcados permanentemente. Doses cavalares de Brasil – mas não aquele país que nos acostumamos a assistir e a consumir. Numa descarga de excremento, sangue e sêmen surge a realidade mais brutal, desumana e desagregadora, numa janela para uma dimensão esquecida e dissimulada, onde vivem a maioria do povo brasileiro, essa legião de milhões e milhões de deserdados da terra.
É assim com seu último filme – Baixio das Bestas (2005), uma bela e cruel metáfora da sociedade brasileira, tendo como ponto de partida as tragédias cotidianas de moradores de um povoado perdido na Zona da Mata de Pernambuco.
O que têm em comum, além de dividirem o mesmo território, um grupo de lavradores sem-terra, empregados eventuais dos falidos engenhos de cana-de-açúcar e integrantes de um Maracatu Rural, uma adolescente que é vítima de exploração sexual praticada pelo próprio avô e um grupo de prostitutas que se submetem, a cada final de semana, ao crescente sadismo de jovens de classe média, herdeiros das famílias de bem do lugar?
Ao assistir aos 80 minutos de pura tensão e violência, o espectador terá acumulado muito mais perguntas que respostas a esta pergunta básica. Estará tocado e magoado por uma metáfora que vai muito além das fronteiras de uma região decadente, onde a pobreza é ancestral e a riqueza sempre esteve fora dali, migrando de acordo com suas próprias conveniências.
Quem será capaz de não se emocionar com o destino – vida severina – da pequena Auxiliadora, de apenas 13 anos, barbarizada e vendida à prostituição? E os descaminhos do jovem Cícero, que nutre pela menina uma paixão repleta de posse e desejo brutalizado?
Para os que insistem em “amolar pensamento em pedra cega”, como insinua a última fala de Baixio das Bestas (Prêmio de Melhor filme no 39º Festival de Brasília), este é um filme que merece ser visto. Ver e se inquietar, porque afinal não somos mesmo cegos?

Serviço

Disponível em DVD para locação.

Baixio das Bestas

80 min, cor, Super 35mm, 2005
Produtora: Parabólica Brasil
Filmado em Janeiro e Fevereiro de 2005 em Nazaré da Mata- PE


EQUIPE TÉCNICA

Direção CLÁUDIO ASSIS
Produção JULIA MORAES E CLÁUDIO ASSIS
Direção de Fotografia WALTER CARVALHO, ABC

ELENCO

Auxiliadora MARIAH TEIXEIRA
S. Heitor FERNANDO TEIXEIRA
Cícero CAIO BLAT
Everardo MATHEUS NACHTERGAELE
Bela DIRA PAES
Ceiça MARCÉLIA CARTAXO

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