Barcarena, 102 mil habitantes, 123 quilômetros da capital, já ocupa o segundo lugar em termos de participação proporcional do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, segundo levantamento divulgado pela Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Finanças (Sepof) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com dados referentes a 2005, Barcarena abocanhava 7,14% do PIB paraense, alcançando R$ 2,796 bilhões, superando Parauapebas, Ananindeua, Marabá, que ocupam as demais posições no ranking de concentração de riqueza no Estado.
O fenômeno pode ser explicado com uma única palavra: Vale e sua forte presença na região, que cresce a cada ano, desde que há três décadas, em associação com um consórcio de 17 empresas japonesas, a gigante da mineração e infra-estrutura resolveu implantar um poderoso pólo de processamento de alumínio no então pacato município do Baixo-Tocantins. Construído o enclave e despendidos alguns bilhões de dólares, a riqueza foi crescendo e se concentrando em saltos, enquanto no seu entorno foi se consolidando um amplo cinturão de miséria e de desencanto. Progresso para poucos, como pode se deduzir da quantidade de empregos gerados. Na Albrás, por exemplo, são cerca de 1300 empregos diretos. Na recente expansão da Alunorte, na qual foram gastos R$ 2 bilhões, cada emprego custou quase R$ 2,5 milhões, um número absurdo e que só se explica pelo fato de que é essa mesmo a lógica das indústrias eletrointensivas: investimentos gigantescos para retorno social medíocre. Ou pior ainda: geram um enorme passivo socioambiental e exportam, quase sem pagar impostos, uma riqueza não renovável em contagem regressiva para o esgotamento. Lá fora, riqueza e empregos quintuplicados. Aqui, buracos e miséria sem-fim.
Pois bem, chuva sobre o molhado, dirão alguns. Mas não custa lembrar obviedades quando o que está em jogo é a nossa própria sobrevivência como projeto de nação. Até porque não há sinais de que esse modelo insustentável e excludente esteja em vias de ser alterado, muito ao contrário. Todas as linhas estratégicas em vigor jogam mais água nesse moinho e nos aproximam do desastre. É por isso que merece registro a recente decisão da Vale de voltar a fornecer matéria-prima à Usipar, que produz ferro gusa em Barcarena. A suspensão anunciada há algumas semanas respondia às denúncias de crimes ambientais provocados pela empresa do grupo Cosipar, este também reiteradamente envolvido em práticas apontadas como criminosas (utilização de trabalho escravo na cadeia produtiva do carvão vegetal, para ficar em apenas um exemplo), no âmbito ambiental e trabalhista. Realizado o jogo de cena e passado o impacto inicial do escândalo, tudo volta aos eixos, naturalmente. Ordem natural, sacrossantas imposições do mercado. Na arquibancada, uma multiplicação de olhares aparvalhados e submissos.
Talvez não seja oportuno lembrar as palavras de um sábio judeu, Hilel, “O Velho”, que viveu aproximadamente em 30 A.C. Dizia ele, e ficou registrado no Talmud: “Se eu não for por mim, quem será? Mas se eu for só por mim, o que serei eu? E se não agora, quando?”. Aos paraenses, expectadores perplexos e paralisados diante da barbárie que se aprofunda, o chamado e o desafio.
2 comentários:
Só dois pequenos adendos à sua oportuna análise: se considerarmos a distância em linha reta, Barcarena não está a mais de 14 km de Belém. E a Usipar continua suspensa por lançar efluentes no rio Arienga...
Essa questão das distâncias de Belém é sempre uma dor de cabeça, você tem razão. Mas utilizei dados relativos à distância rodoviária - 123 quilômetros. Se optasse pela distância fluvial, segundo números da Setrans, teríamos 29 quilômetros ou 15,6 milhas. Não importa muito porque, de qualquer forma, Barcarena já está praticamente conurbada a Belém.
Creio que a Usipar tenha voltado a funcionar por meio de uma decisão liminar da Justiça de Barcarena. Vou checar.
Grato pelo comentário.
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