domingo, 3 de fevereiro de 2008

Um roteiro muito indigesto

SEQÜÊNCIA (...) – EXTERIOR/DIA – RUA PRINCIPAL DE UMA CIDADE DO VELHO OESTE

Plano geral: a rua da cidade e seu decadente casario, sob a luz amarela de um final de tarde.
O cenário não poderia ser mais lúgubre. A poeira que o vento levanta a tudo impregna. Atinge os olhos da platéia, que mal consegue controlar a emoção diante do duelo iminente. Rivais de armas em punho, ameaçadores. A câmera, em travelling, vai se afastando das costas de um dos pistoleiros, deixando antever a casario decrépito em torno do qual os dois homens, solitários em sua sina, preparam-se para o confronto final. A música vai impondo uma cadência nervosa à cena, preparando o grand finale...
Se o expectador estiver um pouco mais atento perceberá, no final da rua enlameada, na linha do horizonte onde deveria aparecer a silhueta das montanhas texanas, lá estão, impávidas, as torres do Ver-o-Peso.
Fade Out.


Poderia ser um roteiro de Spaghetti western, dirigido por Sergio Leone e estrelado por Clint Eastwood, mas não é nada disso.
Em Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari, 1964), filme que inaugurou o estilo todo particular da dupla Leone/ Eastwood era muito difícil definir a fronteira entre mocinhos e bandidos. Todos, de uma forma ou de outra, tinham contas a pagar, com a lei ou com suas consciências atormentadas. O próprio herói, vivido por Eastwood, era um pistoleiro sem nome e de caráter duvidoso, que se vê metido numa luta sem quartel entre as duas gangues rivais que dominam a cidade, os Rojos e os Baxters. Ele procurará conseguir vantagens da situação de conflito armado que encontra.
Essa evocação cinematográfica surge a propósito de comentar, lateral e ligeiramente, o tiroteio entre os dois principais jornais da imprensa paraense, que cresce a cada edição em volume e virulência. O Diário do Pará e o O Liberal trazem, há dias, um festival de matérias de encomenda para provar que seu rival é a mais perfeita tradução do banditismo e do mau-uso de recursos públicos.
Vejamos as edições deste domingo.
No Diário do Pará, de propriedade da família Barbalho, por exemplo, mais uma reportagem para tratar da prisão em Manaus de Geraldo Penteado, um ex-sócio do presidente executivo do grupo ORM, Romulo Maiorana Jr. A matéria, que requenta denúncia apresentada alguns anos atrás, segue o rastro de um malogrado projeto de construção de um hotel de selva, que nunca saiu do papel, mas teria consumido pelo menos R$ 2,7 milhões de incentivos fiscais da extinta Sudam. A construção, que deveria ter sido erguida às margens do rio Negro, no município amazonense de Novo Airão, permanece como um fantasma a causar pânico mesmo passados sete anos do início desse enredo nada inédito.
Já as páginas de O Liberal se abrem para um duplo ataque: o primeiro petardo mira o “mar de lama” que inferniza os moradores de Ananindeua, cidade administrada por Helder Barbalho (PMDB), filho de Jader e seu virtual herdeiro político, em meio às fortes chuvas do inverno amazônico; o segundo bombardeio de saturação tem como alvo a Secretaria de Saúde do Estado – sob o comando de indicados de Barbalho -, que teria “sumido” com R$ 4 milhões repassados pelo Ministério da Saúde para a compra de próteses (aparelhos auditivos, cadeiras de rodas e pernas mecânicas). Enfim, abre alas para um mundo cão que parece ter sido inventado pela ruinosa administração do PMDB à frente da Sespa.
As estocadas do veículo dos Maiorana, porém, não ficam restritas ao ambiente político-administrativo. Invadem, sem a menor sutileza, a seara criminal. Em nota publicada no Repórter 70, principal coluna de opinião de O Liberal, no ultimo sábado, 02, são levantadas suspeitas, atribuídas à polícia do Mato Grosso, de que a morte de José Osmar Borges, acusado de fraudes milionárias, não por coincidência, na finada Sudam, não teria sido resultado de suicídio. Tido como sócio oculto de Jader em nebulosos negócios, Borges é apontado como possuidor de “intensas ligações comerciais com Belém”, uma forma de insinuar um suposto novo foco das investigações.
Numa palavra, mais chumbo grosso, num vale-tudo que não conhece regras ou limites. O tratamento jornalístico que tais assuntos mereceriam despenca ladeira abaixo, ao sabor de conveniências e interesses não-explicitados.
À platéia, que a tudo observa entre atônita e escandalizada, cabe apenas torcer para que o duelo se prolongue um pouco mais e que detalhes de relações empresariais tão pouco ortodoxas possam finalmente vir à luz, mesmo que por tortuosos caminhos.

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