domingo, 3 de fevereiro de 2008

Santa transparência

Um sítio na internet se transformou em monumental dor de cabeça e ameaça atormentar a vida do governo federal nos próximos meses. Trata-se do Portal da Transparência (http://www.portaltransparencia.gov.br), mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), em uma iniciativa louvável sob todos os ângulos. É neste endereço que o cidadão comum pode ter acesso sobre informações detalhadas sobre a execução financeira da União, inclusive dos recursos transferidos aos Estados e Municípios. Além disso, a CGU também disponibiliza dados sobre as despesas efetuadas através dos cartões de pagamento - os já famosos cartões corporativos. É aqui que reside a fonte dos muitos dissabores que ministros e altas autoridades da República têm enfrentado na última semana, e que podem se ampliar se, no início do ano legislativo daqui a uma semana, a oposição conseguir número para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
O assunto é sério e já resultou na queda de uma ministra, Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e em fortes constrangimentos para outros dois membros do primeiro escalão, Altemir Gregolin (Pesca) e Orlando Silva (Esportes). Este último, acossado por revelações embaraçosas sobre seus gastos, acaba de anunciar a devolução aos cofres públicos de mais de R$ 35 mil, mesmo alegando que tais despesas não teriam ferido a lei. Precaução talvez exagerada ou senso aguçado de sobrevivência do único representante do PCdoB no ministério.
A questão é controversa. De fato, o uso do cartão favorece a transparência dos gastos e deixa um rastro suficientemente sólido para que eventuais irregularidades possam ser detectadas. Porém, ficou evidente a ocorrência de distorções e descontroles. Privilégios e abusos que podem ferir de morte uma idéia que nasceu com intuito moralizador, mas para ser usada como exceção, nunca como regra e subterfúgio para suplementação ilegal de salários de ministros ou assessores graduados.
Ressalvado que é possível que os gastos tenham obedecido a todas as normais legais - só uma auditoria da CGU e do Tribunal de Contas da União (TCU) poderá afirmar com certeza absoluta -, não deixa de chamar atenção as quantias superlativas gastas por meio do uso de cartões corporativos pela Superintendência Regional (SR-01) do Incra no Pará. Em 2007, foram gastos R$ 507.860,80, mais de três vezes o total de despesas efetuadas pela demissionária ministra da Igualdade Racial no mesmo período.
Além do valor - equivalente a quase 15% de toda a despesa do Incra em todo o país com os tais cartões, não deixa de causar curiosidade perceber que há uma razoável concentração de compras em alguns poucos funcionários, que se utilizaram do questionável expediente de sacar diretamente no caixa e fazer os pagamentos em dinheiro vivo, o que dificulta a verificação posterior sobre a urgência e interesse publico das despesas.
Por exemplo, um único funcionário do Incra, Mário Palheta (CPF 010.490.972-20), aparece como tendo gasto R$ 54.089,76, de janeiro a dezembro do ano passado, na grande maioria das vezes efetuando saques de valores de R$ 1 mil em caixas do Banco do Brasil. Em abril de 2007, o servidor chegou a sacar - cash - R$ 11 mil, quantia que aparenta estar bem acima do que seria conveniente para pequenas e emergenciais despesas do órgão.
A transparência é sempre boa e oportuna. Que venha acompanhada de medidas saneadoras, capazes de flagrar e punir os que estejam cometendo abusos.

9 comentários:

Anônimo disse...

O portal é uma excelente demonstração de transparência do governo federal. O governo Lula está de parabéns. Nunca antes se disponibilizou tanta informação ao cidadão. E vai se tornar ainda mais transparente ainda, segundo a CGU e TCU, com a regulação e ampliação do uso de cartão de crédito corporativo.

Anônimo disse...

Então tá combinado...Falta só a gente avisar aos outros.

Anônimo disse...

Se o Ministro do Esporte diz que não feriu a lei, então porque correu para devolver a quantia aos cofres públicos. Isso é que eu chamo de desfaçatez e ainda vem o PCdoB arrotar honestidade. Fico pensando se não houvesse a denúncia tal qual ela foi noticiada, se esses gastos não estariam bem maiores.
Com certeza cada um desses Ministros sabendo que não seriam molestados iriam gastar desbragadamente e tudo isso em um País campeão em desigualdade social, misséria, violência, etc.. Enquanto o pobre tem que dá o jeito dele com 380,00, os Ministros dizem que não fizeram nada demais.

Anônimo disse...

E o Incra não tem dinheiro para a reforma agrária

Aldenor Jr disse...

Anônimo das 10:11,

Por incrível que pareça não é exatamente dinheiro que está faltando para por a Reforma Agrária em movimento. Ou melhor, para que o processo fosse profundo o suficiente seria preciso o governo Lula alterar suas atuais opções macroeconômicas, romper com o agronegócio e investir num plano consistente de novos assentamentos e melhorias nos já existentes. Algo em torno de R$ 8 bi por ano, nos próximos três anos, para assentar cerca de 1 milhão de famílias.
Para os atuais padrões de "reforma agrária" há recursos e ainda pode estar ocorrendo um sangradouro razoável de verbas públicas.
Mas, atenção: quando se fala em assentar famílias está se pensando em uma política pública de verdade, que desaproprie latifúndios e atinja as regiões de maior conflito - no nordeste e centro-sul. Nada parecido com os assentamentos de papel no Oeste paraense - quase 100 criados nos últimos anos, localizados em áreas isoladas, quase inacessíveis - que teriam torrado, segundo o MPF, R$ 358 milhões sem ter assentado quase nenhuma família. Enquanto isso, os exploradores de madeira em terras da União fazem a festa.

Anônimo disse...

O primeiro anônimo tem toda a razão. Nessa semana que passou assisti num canal de tv pago a entrevista de um ministro do STF e é exatamente isto o que ele diz. Os cartões continuarão e m uso e serão aperfeiçoados. Quanto ao sítio transparência teve total apoio do executivo, que é, digamos, o pai da proposta. Portanto, entre o céu que almeja a oposição e o chão pedregoso da política, há uma distância que está para além do Sol, digo do PSOL.;

Aldenor Jr disse...

Anônimo das 11:21,

Economize seus fogos. Pode ainda ser cedo para comemorações. O affair relativo aos cartões corporativos está apenas começando...

Anônimo disse...

Só o tempo dirá do alcance do teu fogo. Tenho palpite que não passa das eleições para prefeito e vereador.

Aldenor Jr disse...

Anônimo das 11:40,

Seja perseverante. Nem tudo se regula por eleições. Vamos ao debate de mérito, sem adjetivações.