Quando os fatos e modismos de duas décadas atrás - nos já distantes anos 80 - começam a desfilar como lembranças reincidentes, é sinal de que estamos ultrapassando aquele ponto imaginário que divide a vida em duas metades (com muito otimismo, por certo). Ter mais de 40 anos e se lembrar, assim do nada: comício das Diretas em Belém? eu estava lá, enrolado numa bandeira vermelha. Vígilia pelos padres franceses? Sim, naquela noite, na frente do antigo prédio da PF, na Manoel Barata, ninguém dormiu. E, assim por diante.
"AIDS - Morte - Um Hospital do Rio - 04 de janeiro de 1988. Henfil foi assassinado. Ministro da Saúde é um dos suspeitos". Abaixo dessa enorme manchete da edição do finado Pasquim, uma charge em que um enterro avança entre sepulturas e um bando de fradinhos, saltitantes, gritam a plenos pulmões: a vida continua! A vida continua! A vida continua!
Recordar a criação de Jaguar é também sinônimo de que já se ultrapassou a barreira dos 40. Aquela capa - extraordinariamente bem composta - ficou gravada, como uma tatuagem, na memória de tantos que àquela época não se rendiam à acomodação conveniente (e, na maior parte das vezes) bem remunerada.
Henfil celebrou a vida até o fim. Mesmo condenado à morte - naqueles anos ser soropositivo era literalmente uma sentença inapelável - trabalhou e lutou até o ultimo minuto. Subiu aos céus e lá desandou a pertubar o sono de justos e injustos. Mais ou menos o que nossa consciência nos cobra a cada novo dia.
A luta continua, para que a vida possa continuar. Valeu, Henfil!
6 comentários:
Seu texto seria mais confessional se dissesse que a tal bandeira vermelha era a bandeira do Partido dos Trabalhadores. Você não tem por que de ter vergonha do seu passado.
Acho muito gostoso ter lembranças de mais de 4 décadas, sinal de que estou vivo, e ainda por cima esperando o dobro de lembranças, com um pequeno detalhe, com mais condições de fazer o que me vem a cabeça, pois já não tenho mais a responsabilidade que tinha aos 30 anos em criar meus filhos, tendo que engolir alguns sapos para manter a família.
Pena que Henfil não teve a mesma sorte nossa, e ainda hoje poder nos presentear com seu humor crítico a respeito de todos estes aloprados que comandam o nosso país, de Norte ao Sul.
Esta semana passou um programa especial sobre ele na televisão, o que nos fez matar um pouco da saudade.
Parabéns, Júnior.
Vida longa para você e para o Blog.
Abraços do
Alencar
Ao Anônimo das 04:49,
Não se preocupe. Não tenho vergonha nenhuma do meu passado e não lamento os 25 anos que dediquei ao Partido dos Trabalhadores. Sai do partido por vontade própria, pela porta da frente e lá deixei muitos amigos verdadeiros.
Desde a juventude, aderi ao socialismo e a suas rubras bandeiras. Durante muitos anos o PT expressou essa esperança. Hoje, infelizmente, não mais.
O objetivo da nota foi evocar a memória de nossa geração. Aquela que entrou na política nos últimos anos do regime militar e que, modéstia à parte, soube ser generosa, dedicando anos preciosos à luta dos que mais necessitam. A questão talvez que reste é refletir sobre a atualidade desses compromissos, sob a batuta dos tempos difíceis e desafiadores em que vivemos.
Caro Alencar,
Obrigado pela lembrança e pelos votos de vida longa ao Página. Sou teu leitor assíduo e desejo a você e à Araceli sucesso em seu périplo pelos extremos do continente sul-americano.
Parabéns Aldenor!
Pela coerência política e a coragem de romper com o fascínio burguês, marca do novo modo petista de governar.
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