Ainda há os que se iludem com o discurso de que a pobreza, lenta e paulatinamente, vai subindo os degraus da inclusão social e para ingressar na tão sonhada "classe média". Num Estado como o Pará, onde 40% da população - 533 mil famílias - são tão pobres que precisam integrar o Bolsa-Família (recebendo até 90 reais por mês), e os índices de violência explodem em todos os cantos, fica fácil perceber o enorme abismo entre intenções (dando o benefício da dúvida de que sejam boas) e os gestos (mais que limitados, raquíticos para enfrentar o profundo fosso da miséria social cavado há tantos séculos).
Mas sempre existem os crédulos, pessoas de bom coração e capacidade crítica nem tanto. Por isso, sugiro um teste decisivo: uma viagem de ônibus, durante o dia, entre o Ver-o-peso e o Entroncamento, por exemplo. Pode ser um veículo de qualquer uma das dezenas de linhas que se dirigem às áreas mais periféricas, no sentido de Icoaraci ou de Ananindeua, tanto faz. Em cerca de 50 minutos - tempo estimado da "viagem" - o passageiro vai ver diante de seus olhos um desfilar quase permanente de deserdados, que entrarão no veículo sob as mais diversas justificativas. Verá, por exemplo, uma criança de rua e se desajeitado número de malabares. Com olhar algo perdido e a tez envelhecida pela brutalidade das ruas a criança aparentará, certamente, uma idade superior a que em verdade possui. Nem por isso deixará de chocar pelos traços de abandono e desesperança.
Aí entrarão os vendedores de qualquer coisa. Bombons, chocolates, picolés, ou algo qualquer que possa render algum trocado. Farão o mesmo discurso, ensaiado e monótono, apelando para a caridade alheia. Pedem desculpas por atrapalhar a viagem, mas revelam não ter alternativa.
Ao todo, quase uma dezena de vendedores, ambulantes no sentido próprio do termo. Homens, mulheres, deficientes ou não, além de crianças, muitas crianças (apesar das esporádicas campanhas contra essa prática). Todos, indistintamente, carregam a marca da exclusão que os persegue desde o berço.
Este contínuo desfilar da pobreza crônica em um Estado tão rico deve servir de alerta para o caldeirão social, que no lado de fora das encardidas janelas dos coletivos, ameaça entrar em erupção, desmoralizando definitivamente estatísticas que teimam em aplicar Band-aid em fratura exposta.
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Pobreza sobre rodas
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4 comentários:
Dialética da Exclusão:
"A regra suprema ...é se recusar terminantemente a ter o que milhões não podem ter. Essa capacidade de recusar não se apresentará a nós de repente. O primeiro passo é cultivar a atitude mental que não se pode ter bens ou recursos que são negados a milhões; o passo seguinte, imediato, é reformular nossas vidas o mais depressa possível, de acordo com essa mentalidade"
Mahatma Gandí
O estado de coisa estava tão comprometido que esses programas sociais ditos transferência direta de renda ou seja lá que Bolsa os designam, convenhamos, foi importante.
Mas, não pode ser o fundamental.
Com viés eleitoreiro que exala um espécie de grilhão. Até agora não se ouviu falar de uma porta de saída que possa levar esse contigente à um outro patamar.
A disputa política cega, mata e esfola.
Enquanto for esse o obejetivo de quem a faz. Ficaremos estacionados na latergia da paparicação e dane-se o povão.
Parabéns pelo post.
Caro Val-André:
Não menosprezo a importância dos programas de transferência de renda. Em um país que construiu, ao longo dos séculos, "um padrão extremamente concentrado de repartição de renda e riqueza" e apenas 5 mil famílias - entre 60 milhões - se apoderam de 45% da renda nacional(Marcio Pochmann), a existência de algum tipo de política "compensatória" acaba sendo questão de vida ou morte.
O problema é quando de transitórias tornam-se permanentes e não abrem perspectivas de uma real emancipação para essa gigantesca massa de excluídos.
É exatamente isso que estamos assistindo sob o governo Lula. Infelizmente.
Obrigado pelo comentário e volte sempre.
O espírito do comentário não é fazer análise das políticas de transferência de renda, que, até as andorinhas do CAN sabem, foi inventada pelo FMI, foi melhorada pelo Lula, e blá, blá, blá. Se o jornalista, dublê de político, quizesse mesmo discutir pobreza no Pará iria muito mais além do que o passeio de ônibus até o Ver-o-Peso. Discutiria, sim, a absurda base produtiva, excludente e criminosa, deixada de herança pelos tucanos e que impede que colírios desfilem ante aos olhos de nosso valoroso Aldenor Jr.
Para acabar com bolsa disso, bolsa daquilo - que, aliás, o governo Edmilson acertadamente adotou em seus dois governos na Prefeitura de Belém - primeiro deve se remover a causa da pobreza. Transferência de renda não é.
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